Ivermectina no tratamento da Covid-19: sem eficácia ou droga milagrosa?, por Ruben Rosenthal 

Com o número de mortes por Covid-19 já superando o patamar de 400 mil pessoas nos Estados Unidos e a demora na vacinação, o uso da ivermectina voltou a ser cogitado como forma de combater a pandemia.

Partículas do vírus Sars-CoV-2 infectam tecido celular \ Foto de microscópio eletrônico colorizada\NIAID, Maryland /AP

do Chacoalhando

Ivermectina no tratamento da Covid-19: sem eficácia ou droga milagrosa?

por Ruben Rosenthal

Se a ivermectina pode trazer resultados positivos para o tratamento da Covid-19, então é melhor que a comunidade científica esteja à frente do processo de implementação de protocolos adequados. 

Embora não se trate ainda de uma recomendação favorável ao uso da droga, as autoridades sanitárias de vários países precisarão estar preparadas para as repercussões desta decisão da NIH. Aumentarão as pressões para que o uso da ivermectina seja incorporado aos protocolos de tratamentos nos hospitais, bem como poderá ocasionar uma corrida às farmácias para automedicação. A utilização da droga sem o devido acompanhamento médico pode resultar em sérios distúrbios gastro-intestinais, pelo desequilíbrio da flora intestinal. Com o número de mortes por Covid-19 já superando o patamar de 400 mil pessoas nos Estados Unidos e a demora na vacinação, o uso da ivermectina voltou a ser cogitado como forma de combater a pandemia. Até o final de 2020 a orientação da agência norte-americana de pesquisa médica National Institutes of Health (NIH) era contrária à recomendação da ivermectina para o tratamento da Covid-19. Em 14 de janeiro deste ano, o Painel para Diretrizes de Tratamento da NIH removeu esta restrição, abrindo o caminho para que a droga passe a ser prescrita pelos médicos.

A ivermectina é uma droga antiparasitária utilizada em países tropicais de forma segura. Nos Estados Unidos, ela está aprovada para esta finalidade pela Food and Drug Administration (FDA), que exerce função equivalente à da Anvisa no Brasil. Em testes in vitro a ivermectina se mostrou efetiva contra os vírus causadores da dengue, Zika, HIV, febre amarela e da própria Covid-19.

A ivermectina nos Estados Unidos

Em abril de 2020 a FDA emitiu um aviso que a ivermectina não deveria ser usada em humanos para o tratamento da Covid-19, ou mesmo de outras infecções virais. Em parecer de agosto, a NIH alertou que embora a ivermectina tivesse inibido a replicação do Sars-CoV-2 em cultura in vitro, estudos farmacocinéticos e farmacodinânicos sugeriam que para se obter a mesma eficácia antiviral em humanos, as doses administradas precisariam ser 100 vezes superiores.

Para alterar em janeiro de 2021 o parecer anterior, o Painel da NIH considerou que vários estudos haviam sido publicados desde então em revistas especializadas. Entretanto, os resultados foram bem diversos. Em alguns dos casos clínicos não foram observados quaisquer benefícios, tendo ocorrido inclusive o agravamento da condição do paciente.

Já outros estudos relataram resultados positivos, incluindo: menos tempo para desaparecimento dos sintomas da doença, grande redução dos marcadores inflamatórios, redução do tempo para eliminação do vírus e menor taxa de mortalidade em pacientes que receberam a ivermectina em comparação com outras drogas ou placebo.

No entanto, o relatório do Painel da NIH advertiu que a maioria dos estudos continha informações incompletas e limitações metodológicas. Dentre as limitações dos ensaios clínicos foram citadas: pequena amostragem de casos; uso de dosagens variadas de ivermectina; pacientes que receberam conjuntamente com a ivermectina outros medicamentos como hidroxicloroquina, azitromicina, zinco, corticosteroides, doxiclina, azitromicina e outros antibióticos; descrição falha do grau de severidade da Covid-19 nos pacientes que participaram dos estudos.

Um dos maiores defensores nos EUA do uso da ivermectina é o médico Pierre Kory, que em 8 de dezembro de 2020 apresentou testemunho perante o Comitê de Segurança Interna do Senado. Ele é o presidente de uma associação denominada Front-Line Covid-19 Critical Care Alliance, FLCCC Alliance (Aliança de Frente para Tratamento Crítico da Covid-19), constituída por médicos de diversas especialidades.

Pierre Kory usou o termo “droga milagrosa” para se referir à ivermectina no uso contra a COVID-19. Para apoiar sua afirmativa ele fez um relato de 21 estudos clínicos que teriam trazido resultados positivos, tanto em profilaxia como no tratamento de pacientes já apresentando sintomas da doença.

Ao final de seu relatório, Kory apresentou os protocolos recomendados pela Aliança para os casos de profilaxia e de pacientes em estágios iniciais da doença. Em ambos os casos os tratamentos incluem não apenas a ivermectina, mas também vitaminas, zinco, melatonina, quercetina e aspirina. Para casos avançados da doença o protocolo é apresentado no site da FLCCC.

No começo de janeiro, Pierre Kory e outros membros da Aliança apresentaram seus dados perante o Painel do NIH. Poucos dias depois as diretrizes do NIH foram alteradas, com a remoção da recomendação contrária ao uso da ivermectina. No site da FLCCC aparece que “a ivermectina é agora uma opção de tratamento para os serviços de saúde”. É importante ressaltar que o Painel concluiu que os dados atuais disponíveis ainda são insuficientes para recomendar a favor do uso da  ivermectina, principalmente pela forma inadequada como a maioria das pesquisas foi conduzida.

Covid-19 no Brasil: atraso na vacinação

No Brasil, com o negacionismo da vacina promovido pelo governo Bolsonaro e os constantes desastres de logística – intencionais ou por incompetência do Ministério da Saúde, a imunidade coletiva levará um bom tempo para ser alcançada. Também a condução da política externa, causando atritos com países dos quais o Brasil depende para obter insumos para as vacinas, resultará em milhares de mortes a mais pela pandemia que poderiam ser evitadas.

Neste contexto de imprevisibilidade de quando o calendário de vacinação será completado, o governo Bolsonaro volta a defender os “tratamentos precoces” com medicamentos de eficácia não comprovada e não autorizados pela Anvisa. A Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e a Associação Médica Brasileira (AMB) emitiram um comunicado conjunto no dia 19 deste mês, para rechaçar o uso de medicamentos que não tenham comprovação científica contra para o coronavírus.

Segundo o comunicado, “as melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no tratamento precoce da Covid-19 até o momento”.

Esta declaração conjunta veio na sequência da ida do general Pazuello a Manaus, onde atuou com a logística de um bom caixeiro-viajante ao oferecer 120 mil doses de cloroquina para combater o agravamento da pandemia na capital amazonense. O aplicativo TrateCov do Ministério da Saúde receitava o “tratamento precoce” com cloroquina e outras drogas para as pessoas com sintomas de Covid.

Quando ainda na presidência dos EUA, Donald Trump chegou a mencionar a ingestão de água sanitária para matar o vírus. Mas ao final de seu governo e já com 400 mil mortes no país, ele não defendia mais com tanto entusiasmo o uso da hidroxicloroquina. Infelizmente para os brasileiros, Jair Bolsonaro que sempre procurou se espelhar em Trump quanto ao negacionismo da ciência, se mantém irredutível na defesa da cloroquina, hidroxicloroquina e outras drogas.

Esta negação da ciência pelo governo foi em grande parte possível porque no comando do Ministério da Ciência e Tecnologia está o ministro-astronauta, que por sua vez foi garoto-propaganda do uso do vermífugo Anitta no tratamento da Covid-19.

Ivermectina no Brasil

Apesar da cloroquina ser a “menina dos olhos” de Bolsonaro, o uso da ivermectina também foi incentivado por seu governo. Apenas no mês de junho de 2020 as vendas da ivermectina no país foram superiores ao total de 2019, segundo relatado pela Folha de São Paulo.

Alguns médicos, não necessariamente bolsonaristas ou terraplanistas, já vêm há algum tempo receitando a ivermectina, em geral associada a outros medicamentos, principalmente na profilaxia ou em pacientes ainda na fase inicial da doença.

A recente decisão do NIH poderá ocasionar o aumento das pressões para que o uso da ivermectina seja incorporado aos protocolos de tratamento da Covid-19 nos hospitais no Brasil, mesmo ainda sem a garantia de eficácia. Mas possibilidade de um desempenho positivo não deveria ser desconsiderada nos meios científicos.

O atraso na vacinação requer que a comunidade científica não descarte de antemão que a ivermectina possa salvar vidas, mesmo que não seja uma droga milagrosa. O cronograma de vacinação poderá se arrastar por meses a fio, enquanto faltam leitos disponíveis nas UTIs e disparam os índices de mortalidade.

O NIH está agora voltado para examinar os resultados mais recentes dos estudos clínicos em andamento. Melhor seria se os cientistas da saúde no Brasil olhassem sem preconceito político para esta questão, sem levar em conta o fiasco que a cloroquina e hidroxicloroquina representaram, bem como o uso político que delas foi feito.

Os bolsonaristas estão agora investindo em peso na defesa da ivermectina, e promoveram um tuitaço em 21 de janeiro. A ivermectina também vai ser politizada ao extremo. Mas se existe a possibilidade de que ela traga resultados clínicos positivos então esta bandeira não deveria ficar com o governo Bolsonaro.

Um grupo de trabalho de médicos e cientistas totalmente independente em relação ao governo deverá ser capaz de avaliar o grau de seriedade com que o FLCCC tirou suas conclusões dos ensaios clínicos. Precisará ficar bem determinado que os médicos da entidade não tenham qualquer conflito de interesse em relação a Merck, que é a empresa fabricante da ivermectina.

Um contato direto do grupo de trabalho brasileiro com o NIH também seria mais que propício neste momento em que está em questão o próximo passo em relação a ivermectina. O Painel poderá decidir em breve se avança no processo de liberação ou se retrocede e volta a instituir a recomendação contrária ao uso.

É interessante se examinar as diretrizes atuais do NIH em relação à cloroquina e hidroxicloroquina (p. 106-107) para tratamento da Covid-19 em pacientes internados ou não. A recomendação é explícita contra o uso de ambas as drogas, sejam ou não aplicadas em conjunto com a azitromicina.

O Painel de Diretrizes do NIH alertou para a toxidez associada ao aumento da dosagem tanto da cloroquina como da hidroxicloroquina, e para os efeitos adversos como arritmia cardíaca, hepatite, alucinações, psicoses e reações alérgicas, dentre outros.  Por estes motivos a FDA norte-americana só abriu exceção para os testes clínicos em hospitais.

Finalizando. Se a ivermectina pode trazer resultados positivos para o tratamento da Covid-19, então é melhor que a comunidade científica esteja à frente do processo de implementação de protocolos adequados, e acompanhando de perto a evolução dos casos clínicos.

A questão é muito importante para ficar a cargo do capitão do caos e sua trupe de alucinados. Os responsáveis pelas mortes desnecessárias de dezenas de milhares de brasileiros terão que responder por suas ações criminosas, cedo ou tarde. Quanto mais cedo, melhor para o país.

O autor é professor aposentado da UENF e responsável pelo blogue Chacoalhando.

Redação

4 Comentários

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  1. É uma pena que o Ruben Rosenthal tenha caído na armadilha de estudos científicos mal elaborados e o caso da Ivermectina seja um desses casos.
    Quando começou a pandemia uma série de médicos com formação clínica respeitáveis começaram a testar diversos medicamentos com as melhores das boas intenções, entretanto o pior que existe em ciência é a esperança de que algo aleatório de bons resultados. A primeira fase de todos os enganos são os ensaios in vitro, onde culturas de células de tecidos que são atacados por um vírus são colocadas em contato com um fármaco qualquer e se verifica se esse fármaco inibe ou mesmo elimina a expansão do vírus. Isso quer dizer se o organismo do paciente fosse composto por somente um tecido e se conseguisse dissecar o paciente para borrifá-lo totalmente como o fármaco o vírus seria eliminado.
    Como se vê salvo para o controle de doenças na epiderme, uma análise in vitro seria um parâmetro um pouco confiável. Se por exemplo se aplica in vitro um fármaco que antes de chegar no ponto onde está o vírus ele passa por outro tecido que modifica ou mesmo se é atacado pelo fármaco, os ensaios in vitro não servirão para definir a eficiência do fármaco.
    Se um médico não muito acostumado com pesquisa científica faz um ensaio in vitro e ele tem uma resposta positiva ele fica todo animado e aí começa um processo de deformação (viés) da pesquisa.
    O segundo problema é em doenças com uma taxa de mortalidade e morbilidade relativamente pequenas que resultam em óbitos da ordem de 1:1.000.000 (ou mesmo menos), chegar a conclusões sobre tratamentos precoces ou de imunização são sujeitos a muitos erros estatísticos. Se o profissional aplicar um “tratamento precoce” em, por exemplo, 200 pessoas, a chance de nenhuma dessas pessoas não ter a doença não é desprezível, já se ele fizer o mesmo com 20.000 pessoas a chance já é significativa, logo trabalhos clínicos supondo a morte dos pacientes é difícil, já se pensarmos nas pessoas que pegariam ou não a doença fica mais fácil, entretanto como o Covid-19 tem um número significativo de pessoas assintomáticas ou com sintomas leves que aparecem e desaparecem em poucos dias muitas pessoas que são assintomáticas ou tem sintomas muito leves podem passar por não terem pego a doença e se por acaso o médico for alguém otimista ou confiante na sua hipótese de pesquisa, ou seja, que o remédio dê condições de imunidade (o tal de tratamento precoce) ele contará esse assintomático ou com sintomas leves como não doentes. Ou seja, para o caso de estudos do Covid-19 são necessários grupos grandes de análise para um estudo estatístico bem feito. Se por exemplo fosse feito um estudo com doenças com grau maior de mortalidade, como o Ebola, o tratamento estatístico seria bem simples, com duas dezenas de doentes testando um fármaco se 90% desses sobrevivessem o fármaco seria um sucesso.
    Outro problema de trabalhos clínicos é o uso de metadados para dar mais consistência ao trabalho. O que significa isso? Metadados são dados provenientes de outros trabalhos que somando os diversos grupos que foram testados dá um número bem maior de indivíduos testados.
    O trabalho com metadados tanto no trabalho citado no artigo do Rosental – Review of Emerging Evidence Demonstrating the Efficay of IVermectin im the prophylaxis and Treatment of Covid-19 como o citado pelos defensores da Cloroquina são dois exemplos típicos de trabalhos que não devem ser feitos com metadados.
    Mas não direi só que não devem ser utilizados, mas sim os erros involuntários ou até voluntários que fizeram os autores.
    O trabalho acima exposto primeiro sofre de um claro viés de confirmação, ao ler o trabalho os autores só colocam trabalhos que confirmam a hipótese e segundo não coloca a fonte de dados que eles retiraram os trabalhos e como tiraram. Explico melhor, num trabalho com meta dados, a coleta dos trabalhos deve ser feita de forma neutra, ou seja, colocando a fontes que consultou e as palavras chaves que utilizou, por exemplo ele deveria colocar se seus dados foram retirados, por exemplo, do Google Acadêmico e de outras bases de dados, citando, por exemplo, a palavras Ivermectin. Se ele fizesse isso talvez viriam duzentos trabalhos dizendo do o Ivermectin não funciona e quatro dizendo que funciona! (isso é só um exemplo).
    O artigo em si é uma verdadeira bagunça, pois ele usa dados de pacientes tratados com diferentes fármacos como o Carvallo et al “Safety and Efficacy of Combined use of Ivermectin, Dexamethasone, enoxaparin and aspirin against covid 19” com dosagens diferentes, (de 1 para 10).
    Não demorei muito tempo para ver esses erros gritantes apesar de não ser um especialista na área, porém método científico é algo não tão fácil de ser respeitado e fica evidente seus erros.
    Quanto o trabalho de Kory et al, posso dizer, é confuso e não passa por um peer review numa revista média.
    Já a publicação desse artigo pelo Ruben Rosenthal não faz jus ao seu excelente Blog, uma lástima.

  2. Este papo está na contramão do bom senso.
    Ao invés de lutarmos para uma rapida vacinação da população, vacinas com eficácias comprovadas cientificamente, o artigo sugere que se desenvolvam processos de aplicação de drogas sem comprovação de eficácia.

  3. Inclusive o estudo sobre a NITAZOXANIDA recebeu críticas injustas inclusive aqui do Nasssif.

    O reposicionamento passa por diversas fases. A primeira e a chamada “in silício” onde se coloca computadores para analisar as proteínas envolvidas na REPLICAÇÃO viral e encontrar nos bancos de dados quais medicamentos teriam algum efeito.

    Depois a segunda etapa seria se fazer o teste do medicamento “in vitro”, onde o medicamento e testado em ensaios de células vivas no vidro.

    A terceira fase será o teste “in vivo” onde se testa se a ação antiviral de um medicamento funciona no corpo de uma pessoa.

    A NITAZOXANIDA passou nas três primeiras etapas.

    Falta agora um teste para se saber se a redução das REPLICAÇÃO viral auxiliará na recuperação dos doentes.

    Para isso testes deverão ser modelados para se apurar os benefícios.

    O primeiro teste feito no Brasil não tinha o objetivo e nem foi desenhado para se buscar respostas em hospitalizações e nem em mortes, mas apenas na carga viral.

    Mas podemos imaginar que se a replicação viral é diminuída o doente terá mais chances de sobreviver.

    Infelizmente a torcida contra é grande e qualquer notícia contra os tratamentos é comemorada.

    Muito triste isso.

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