O Retorno do Vírus Frankenstein, por Ruben Rosenthal

A poderosa farmacêutica Pfizer virou a bola da vez da controvérsia sobre pesquisas de ganho de função.

Ilustração digital do vírus da Covid-19 \ Arte: Andriy Onufriyenko / Getty Image

do blog Chacoalhando

O Retorno do Vírus Frankenstein

por Ruben Rosenthal

Agora existe a possibilidade de criaturas microscópicas serem produzidas em laboratórios avançados, criadas por cientistas que poderão desencadear forças que não sejam capazes de controlar.

O Retorno do vírus Frankenstein parece um nome sugestivo para um filme B róliudiano. No livro da autora Mary Shelley, de 1818, o dr. Frankenstein deu vida a uma criatura em seu laboratório, juntando partes de diferentes corpos humanos e fazendo passar uma forte descarga elétrica. Mas o cientista arrogante desencadeou forças que não conseguiu controlar, e não teve um final feliz e glorioso.

O filme de 1931, com Boris Karloff no papel da criatura produzida em laboratório, se tornou um cult do terror. Na minha infância, assistir ao filme me fazia ver à noite, estranhas e ameaçadoras sombras na parede do meu quarto.

Agora existe a possibilidade de criaturas microscópicas serem produzidas em laboratórios avançados, criadas por cientistas que poderão desencadear forças que não sejam capazes de controlar.

Existe a suspeita de que o vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, foi produzido em um laboratório na China, com a colaboração de pesquisadores e verbas dos EUA. Em março de 2018, foi apresentada pela EcoHealth Alliance (EHA), pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan e da Universidade da Carolina do Norte uma solicitação de fundos à agência de pesquisa do Departamento de Defesa dos EUA.

O projeto consistia em alterar o código genético dos coronavírus de morcegos para inserir precisamente uma característica que faz parte do vírus SARS-CoV-2, conforme relatado em artigo dos professores Jeffrey Sachs e Neil Harrison, ambos da Universidade de Columbia. Embora a verba não tenha sido aprovada, a pesquisa pode ter prosseguido através de outros apoios financeiros.

Pesquisas de Ganho de Função

Nos estudos de ganho de função, vírus, bactérias ou outros patógenos são criados em laboratório, visando alcançar uma atividade maior que aquela observada na natureza, se tornando mais fatais ou contagiosos. A justificativa para tais pesquisas seria criar, preventivamente, novas vacinas e tratamentos, antecipando o surgimento por mutação de cepas mais potentes de um determinado patógeno. No entanto, caso escapassem do laboratório, algumas formas devastadoras de vírus poderiam se disseminar pelo mundo .

Tais tipos de estudo foram conduzidos há cerca de 10 anos com o vírus influenza H5N1, com fundos dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), setor do governo estadunidense responsável pelo financiamento da pesquisa biomédica.

Em 2014, o governo norte-americano baniu temporariamente pesquisas de ganho de função no vírus da gripe, e nos coronavírus MERS e SARS. O banimento foi suspenso em 2017, quando foram emitidas pelo DHSS, o Departamento de Saúde dos EUA, diretrizes para pesquisas envolvendo patógenos que apresentem risco potencial de causar pandemias, mas faltaria supervisão e fiscalização, e mesmo compreensão dos riscos envolvidos, por parte dos pesquisadores, segundo relatado em artigo no New York Times.

Um artigo publicado na Time,em outubro de 2022, relata a controvérsia gerada com a pré-publicação (preprint) por  cientistas da Universidade de Boston, do experimento no qual alteraram a variante Omicron do vírus da Covid-19.  A universidade alegou, no entanto, que as pesquisas não envolveram ganho de função e que a versão criada do vírus era 20% menos letal em ratos de laboratório do que a cepa original. Além disso, segundo o comunicado, não haviam sido utilizadas verbas do governo federal, e por este motivo não seria necessário notificar o NIH.

Nas palavras do professor David Ho, professor de microbiologia e imunologia da Universidade de Columbia, “existe uma área cinzenta no que diz respeito à fiscalização deste tipo de pesquisa”. Ele considera que a pesquisa da Universidade de Boston está no limite de ser caracterizada como ganho de função. As instruções para os cientistas de quais são estes limites não estão claras. Acrescente-se que se as pesquisas não forem financiadas pelo governo elas não precisam seguir as regras oficiais.

Ainda segundo o New York Times, a própria Federal Drug Administration (FDA), que é responsável pelo controle de alimentos e de setores da saúde nos EUA, parece ter apoiado pesquisas situadas nesta zona cinzenta. Em setembro de 2022, cientistas da instituição publicaram um artigo em que descrevem experimentos conduzidos em ratos, quando foi introduzido o coronavírus que fora manipulado para carregar a proteína spike da variante Omicron.

A agência alegou que não se tratou da criação de um vírus novo, e assim não estaria sujeita às diretrizes. No entanto, na opinião de especialistas independentes, mesmo se a intenção dos pesquisadores não é criar um vírus mais perigoso, a experiência não poderia passar por cima dos procedimentos de aprovação. Experimentos desta natureza foram feitos em outras universidades dos EUA.

A Pfizer na berlinda 

A poderosa farmacêutica Pfizer virou a bola da vez da controvérsia sobre pesquisas de ganho de função. A Pfizer teria planejado conduzir  pesquisas de manipulação genética no vírus SARS-CoV-2, para criar vírus mais potentes.  A motivação da farmacêutica seria manter a dianteira na disputa pelo desenvolvimento de vacinas para a Covid-19, sabidamente a galinha dos ovos de ouro da empresa.

A controvérsia foi ainda maior porque a denúncia partiu do grupo de extrema-direita Projeto Veritas, através de uma gravação de vídeo em que um alto executivo da Pfizer aparenta reconhecer que a empresa discutira a possibilidade de realizar tais pesquisas.

O grupo estadunidense Veritas foi fundado em 2010 pelo ativista político James O’Keefe, e é conhecido por propagar desinformação e teorias conspiratórias, inclusive através de manipulação na edição de vídeos. Como não foi divulgada a íntegra da gravação, mas apenas dois vídeos editados, com cerca de dez minutos cada, fica impossível afirmar se ocorreu ou não qualquer deturpação no sentido das falas durante a edição. Assim, as revelações que constam da gravação deveriam ser vistas com muita cautela, mas não ignoradas, segundo  analistas do programa Rising, no The Hill, possivelmente o canal mais prestigioso no meio político norte-americano.

Apesar de faltar credibilidade ao Projeto Veritas, parece não haver dúvidas que Jordan Tristan Walker estivesse de fato ocupando, na ocasião da gravação, o cargo de Diretor de Operações Estratégicas em P&D da Pfizer. Isso porque, no comunicado emitido pela Pfizer, afirmando que “não realizou pesquisas de ganho de função ou de evolução”, a empresa não negou em momento algum que Walker ocupasse o cargo de diretoria que fora explicitado no vídeo da gravação.

Sem saber que estava sendo gravado durante uma conversa de mesa de com um jornalista que ocultara sua identidade, Walker fez declarações altamente controversas sobre pesquisas de manipulação genética que a Pfizer pretenderia realizar. Algumas declarações parecem mesmo sugerir que tais experimentos já estariam ocorrendo, embora em outros momentos Walker declare que ocorreram apenas discussões sobre o assunto.

Durante a conversa com seu colega de copo, Walker se mostrou bastante animado, parecendo já ter ingerido uma boa dosagem de álcool. Em dado momento, perguntado sobre o que a Pfizer está fazendo para otimizar as vacinas, a resposta foi: “Bem, uma das coisas que estamos explorando é porque não fazemos nós mesmos as mutações, de forma a que possamos  desenvolver preventivamente   novas vacinas…. Vai existir um risco.” E continuando: “Como você pode imaginar, ninguém quer empresas farmacêuticas fazendo mutações em vírus filhos da p***.”

O jornalista perguntou a Walker como as pesquisas seriam realizadas. A resposta foi: “Primeiro em animais vivos….Prometa que não vai contar a ninguém. O modo como estamos pensando  é colocar o vírus em macacos  e fazer com que eles  continuem se infectando uns aos outros….Para ser honesto, suspeito que foi  dessa forma que o vírus começou em Wuhan.”

Quando foi perguntado sobre pesquisas de ganho de função, Walker se mostrou desconfiado que pudesse estar sendo gravado, mas mesmo assim ele prosseguiu nos relatos, talvez incentivado pelo álcool.

Walker respondeu que “a Pfizer, definitivamente, não faz pesquisas de ganho de função, mas que atualmente há pesquisas em andamento sobre mutações de estruturas selecionadas, para ver se conseguimos torná-las mais potentes”.  E acrescentou:  “Não sei  como isso vai funcionar. É melhor que não ocorram mais surtos, porque….Jesus Cristo!”

Em dado momento, o jornalista se ausentou da mesa e entrou em cena o diretor do Projeto Veritas, James O’ Keefe, que confrontou Walker sobre a Pfizer querer esconder do público que está pretendendo fazer pesquisas de mutação genética.  Walker alegou que tinha inventado mentiras para impressionar seu acompanhante de mesa, no terceiro encontro que mantinham.

A entrada em cena de O’Keefe causou forte abalo em Walker. Suas reações passaram da surpresa inicial, à indignação, desespero, raiva, violência. Walker chegou a ligar para a polícia, mas o pessoal do Veritas não esperou pela chegada da polícia.

Alguém que assista aos dois vídeos pode se perguntar se tudo não passaria de um grande teatro, e que Walker pudesse ser, na verdade, um ator encenando o papel que lhe foi atribuído, em mais uma Fake News produzida pelo Projeto Veritas. No entanto, o comunicado da Pfizer não negou que Walker tivesse um cargo de diretoria na empresa.

Ainda sobre o comunicado da Pfizer emitido em 27 de janeiro, a empresa afirma que “não realizou pesquisa de ganho de função ou de evolução”, e que o trabalho de pesquisa conduzido visa avaliar rapidamente a capacidade de uma vacina existente de induzir anticorpos que neutralizem uma variante que possa causar preocupação.

A Pfizer ressaltou também que “vale a pena observar que o Projeto Veritas, embora afirme conduzir jornalismo investigativo, tem uma longo histórico de recorrer a táticas eticamente duvidosas e editar vídeos de forma enganosa, para se encaixar em uma narrativa conservadora”.

Em artigo anterior publicado no blogue Chacolhando podem ser acessados os links para a íntegra dos dois vídeos disponibilizados pelo Projeto Veritas, de onde foram tirados os trechos dos diálogos que constam do atual artigo.

E quanto a nós, expectadores de um seriado em que nossos destinos são decididos em reuniões secretas de empresas corporativas ou de órgãos de governos, só nos resta esperar pelo próximo episódio de O Retorno do Vírus Frankenstein?

Ruben Rosenthal é professor aposentado da UENF, responsável pelo blogue Chacoalhando e pelo programa de entrevistas Agenda Mundo, no canal da TV GGN.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador