Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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A paranoia noir do filme “Ilha do Medo”

Para quem lida com pesquisas sobre a recorrência de temas gnósticos na produção cinematográfica atual, ver Ilha do Medo (Shutter Island, 2010) faz lembrar de toda uma gama de filmes (Matrix, Cidade das Sombras, Show de Truman, Amnésia, Décimo Terceiro Andar etc.) que tematizam a paranoia e a esquizofrenia como caminhos para o despertar da consciência frente à realidade ilusória artificialmente criada por uma trama conspiratória.

Scorsese constrói uma pesada e tensa atmosfera típica dos filmes noir (gêneros de filme norte-americano dos anos 1940-50 notabilizado pela fotografia em preto e branco com alto contraste e personagens com motivações cínicas em um mundo que se desfaz em névoas e chuva) , com toda a iconografia e simbologia do gênero (neblina, fogs, fumaça de cigarros, chuvas e tempestades, overcoats, vidros e espelhos) sobre a estória de dois policiais federais (Teddy – Di Caprio e Chuck – Mark Ruffalo) que desembarcam numa ilha onde está instalado um manicômio judiciário. Estão lá para desvendar o mistério do desaparecimento de uma prisioneira em uma ilha cuja fuga é impossível. 

O detalhe importante é que a narrativa se situa no ano de 1952, no auge da paranoia da opinião pública norte–americana sobre a Guerra Fria e o anti-comunismo, contexto que potencializa ainda mais a vertigem paranoica do filme.

Como em todo filme noir onde nada é o que aparenta ser, Teddy encarna o personagem arquetípico do Detetive: ele tem que resolver um enigma proposto, sem saber que a solução final desse enigma levará à própria identidade perdida ou esquecida. Esta perda cria o estado de paranoia: em quem confiar? Como distinguir a verdade da mentira, a ilusão da realidade? Por que os fatos se sucedem sem causalidade? Como saber se o que ele sente é sanidade ou loucura?

O que a princípio parece uma narrativa linear sobre o encaixe das peças que levem a solução do mistério da fuga de uma prisioneira do manicômio, aos poucos vai sendo desconstruída, colocando em dúvida tanto para o protagonista quanto para o espectador a identidade do protagonista quanto a própria existência da prisioneira que desapareceu. 

Existem fortes indícios de que Teddy é insano (sonhos de sua filha, Dr. Cawley – Bem Kingsley – conhecer seus sonhos), mas se queremos ir a fundo à compreensão real deste filme, temos que ter em mente o acima mencionado filme “Cidade das Sombras”, sobre um grupo de seres que mantém humanos em um local de quarentena para implantá-las falsas memórias. Teddy pode ter sido drogado progressivamente, começando com a “aspirina” que ele toma no início, a partir da qual os sonhos vívidos começam. 

Ao longo do filme, a mente Teddy vai sendo bombardeado com drogas psicotrópicas, assim como a instituição está sendo bombardeada pela tempestade. A mente de Teddy é duramente atacada, o suficiente para que suas defesas mentais sejam reduzidas, deixando-se ser manipulado pelo Dr. Cawley para acreditar que ele é um paciente na ilha e que havia assassinado sua esposa. 

O que difere do noir clássico é que enquanto lá tudo gira em torno do tema do “humano, demasiado humano”, aqui no filme “A Ilha do Medo” o detetive procura solucionar não o enigma das relações pessoais, mas o enigma da ilusão da própria realidade que aprisiona o espírito. As seguida memórias de Teddy dos cadáveres no campo de concentração de Dachau (ele é um ex-combatente da II Guerra Mundial) se associam à evidência de que toda a ilha seria uma extensão dos experimentos nazistas de controle da mente.

Paranoia Narcísica e Paranoia Espiritual

Além do tema gnóstico da realidade como uma construção artificial, está também presente o tema da paranoia. Para Valentim (professor gnóstico, aluno de São Paulo, nascido em Cartago em torno de 100 DC) se o iniciado começa a suspeitar de que os objetos ao redor são ilusórios, como, então, poderá discernir entre a sanidade das suas percepções e a insanidade que o mundo pretende rotulá-lo? Como separar o desejo do medo? Através da paranoia.

Diferente da estrita concepção narcísica de paranoia – a ideia de que o sujeito tem de que o mundo está focado em uma perseguição contra si próprio – a concepção valentiniana está no limite entre a sanidade e a loucura, através de uma desconfiança radical em relação ao mundo ao redor que está dado. 

Vivendo nesta espécie de limbo, corre o risco de cair para um lado ou para o outro: tornar-se irremediavelmente insano ou preparar-se para ocultar-se em uma lúcida loucura habitando um espaço entre a claridade e a instabilidade emocional. Se, por definição, o gnosticismo nega a realidade material como uma ilusão fabricada por propósitos desconhecidos, a paranóia é o caminho através do qual as personagens buscarão a iluminação. 

Tal qual em “Show de Truman” ( The Truman Show, 1998), onde procura-se racionalizar a paranoia do protagonista (Christof, o demiurgo, tenta racionalizar a melancolia de Truman tentando construí-la dentro de um plot freudiano: sentimento de culpa pela morte do pai, processo de lutificação, punição a si mesmo por meio de uma forma histérica) da mesma maneira em A Ilha do Medo os psiquiatras do manicômio procuram racionalizar a crescente paranoia de Teddy (“tudo que você faz é considerado parte da loucura, seus medos são chamados de paranoia, seu instinto de sobrevivência é rotulado como mecanismo de defesa…”).

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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