Economia criativa em tempos de pandemia, por Mário Maurici

O termo “economia criativa” é controverso, mas podemos compreendê-lo pela sua extensa e variada cadeia produtiva de valores simbólicos e culturais.

Nutec – Ceará

Economia criativa em tempos de pandemia

por Mário Maurici

A tragédia sanitária da Covid-19 trouxe para o debate público um tema até então pouco discutido. Ou, pelo menos, tido como de somenos importância. Com o isolamento social e a necessidade de reclusão aos lares, as famílias confinadas passaram a consumir ainda mais os produtos da chamada “economia criativa”. Aquela que produz, por exemplo, os filmes e seriados exibidos tanto nas mídias convencionais quanto nas novas plataformas de streaming da internet, transmite as lives dos artistas, os tutoriais e cursos de artesanato, culinária e tantos outros. Desta forma, não seria exagero dizer que o papel deste setor, por vezes menosprezado, ganha uma nova centralidade no debate público.

Se a discussão começa a ganhar novos contornos em decorrência da pandemia e os hábitos que trouxe, o tema nada tem de novo. A produção cultural como bem simbólico de um país continental como o nosso foi e é imensa. Daí ser necessário cada vez mais tratá-la como um ativo estratégico fundamental para o desenvolvimento do Brasil. Esta foi uma diretriz nos governos Lula e Dilma. Em 2012, a presidenta Dilma chegou a criar a Secretaria da Economia Criativa, vinculada à época ao hoje extinto Ministério da Cultura.

O termo “economia criativa” é controverso, mas podemos compreendê-lo pela sua extensa e variada cadeia produtiva de valores simbólicos e culturais. Por isso a necessidade de inseri-lo novamente com sua devida relevância no vocabulário do discurso desenvolvimentista do país.  Ainda assim, é preciso tratar a expressão com o devido cuidado, pois há uma série de discussões e polêmicas que, alertam, ao meu ver corretamente, não colocar toda produção cultural dentro de tal escopo. O mercado não pode pautar a disputa pelo simbólico de uma nação.

O conceito da expressão foi formulado pelo ex-primeiro ministro inglês, Tony Blair, nos anos 90, e sistematizo pelo estadunidense John Howkins, em “The creative economy: how people make money from ideas” (“Economia criativa – como ganhar dinheiro com ideias criativas”), em 2001. De modo resumido, consiste nos processos, ideias e empreendimentos que se valem da criatividade para o surgimento de um produto. Produto, ressalte-se, que não deve ser avaliado tão somente por critérios mercantis (em muitos casos, tal avaliação sequer é pertinente), mas pelo seu valor simbólico inserido em toda sua concepção.

Um produto que, em sua origem, é resultado do talento, sensibilidade, curiosidade e inteligência daqueles dotados de habilidade suficiente para criar coisas novas. A diversidade de produtos pertencentes à economia criativa vai desde as artes cênicas e visuais, música, literatura e mercado editorial, audiovisual, animação, games, publicidade, rádio, televisão, moda, arquitetura, design, gastronomia, cultura popular, entretenimento, turismo cultural e artesanato. Trata-se, portanto, de um campo tão abrangente quanto capilarizado. Vai desde grandes produções, com seus investimentos pesados, a médias e pequenas realizações espalhadas pelos municípios, que movimentam a economia local e garantem a subsistência de milhares de famílias.

É a situação da tradicional Feira de Artesanato de Embu das Artes (SP), com sua existência ligada diretamente com o surgimento do município há 62 anos. Foi a partir da construção pelos índios e jesuítas da Igreja Nossa Senhora do Rosário, na época do Brasil colônia (1690) – onde hoje é o Museu de Arte Sacra -, que surgiu a vocação artística da região. Desde então, acolheu artistas de vários lugares do mundo e que hoje marcam a identidade e a paisagem urbana de Embu das Artes.

A Feira abriga cerca de 500 expositores, recebia de 30 a 40 mil visitantes aos finais de semana nos tempos pré-pandemia. Turistas em busca de artesanato, bijouterias, miniaturas, artes plásticas em geral, porcelanas, rendas e bordados, roupas, artigos de decoração, restaurantes, entre vários outros. Tudo isso num ambiente tipicamente das cidades do interior. Este pequeno braço da economia criativa de Embu das Artes movimenta parte importante da arrecadação do município, gerando milhares de empregos diretos e indiretos. Além disso, é lastreado pelo caráter de sustentabilidade que tal tipo de atividade carrega em si.

Portanto, foi com o objetivo de fortalecer a importância simbólica e econômica da Feira de Artesanato de Embu das Artes, sob o prisma amplo da valorização do tema da economia criativa, que a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei 918, de 2016, de minha autoria em parceria com a deputado Leci Brandão (PC do B) e sancionado neste 10 de março pelo governador João Dória. Agora, a Feira Artes e Artesanato de Embu das Artes torna-se oficialmente reconhecida como patrimônio cultural imaterial do Estado.

O setor cultural e criativo no estado responde por, aproximadamente, 3,9% do PIB paulista. E 47% do PIB Criativo de todo o Brasil, movimentando um contingente de trabalhadores de 1,5 milhão de pessoas e 150 mil empresas e instituições paulistas. No entanto, também foi o primeiro, e o mais atingido pela pandemia de Covid-19.Além disso, deve ser o último setor a voltar plenamente às atividades presenciais, dependentes essencialmente de público.

Para se ter uma ideia do problema, no universo da feira de Embu das Artes, exemplo que pode ser tomado por tantas outras atividades semelhantes, o impacto é altíssimo. Todo e qualquer esforço para manter a feira durante estes tempos de tragédia sanitária e desgoverno federal é bem vindo e deve ser estimulado. A taxa de ocupação dos expositores da feira teve isenção no ano passado. É importante repetir a reivindicação dos expositores em 2021, haja vista que a situação de calamidade da pandemia tende a piorar em função do desgoverno de Jair Bolsonaro. Por ora, os expositores seguem as regras estabelecidas pelas medidas sanitárias como o distanciamento de, pelo menos, 1,5 metro entre as barracas. Placas reforçando a necessidade de máscaras etc. Mas, tudo isso depende ainda da evolução ou não nos níveis de contaminação da população e da capacidade atendimento da rede hospitalar, com as adoções ou não de medidas mais ou menos restritivas. E, infelizmente, não há como antever um quadro que não seja muito preocupante e pouco animador.

Tornar a Feira de Artes e Artesanato de Embu das Artes é uma iniciativa que é, ao mesmo tempo uma homenagem e reconhecimento, mas também uma forma de estímulo para o setor e a cidade. De modo que a feira, ao longo de seus 50 anos, prossiga por mais 50, no mínimo. Afinal, pequenos prazeres como a visita às artes de Embu das Artes serão ainda mais valorizados depois que tudo isso passar. Por ora, é preciso então garantir que siga resistindo, mantendo viva a cultura do estado, este que é um dos maiores bens imateriais que uma população pode ter.

Mário Maurici é deputado estadual pelo PT-SP, foi vereador e prefeito de Franco da Rocha, presidente da Ceagesp, vice-presidente da EBC e secretário de governo e de comunicação de Santo André.

Redação

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