A alavancagem dos bancos

Por Indio Tupi

Baseado em artigo de Peter Gowan

Aqui do Alto Xingu, os índios informam que o processo de arbitragem e de inflação de bolhas exige muito mais dos operadores financeiros do que simplemente juntar a maior quantidade possível de informações sobre a situação em todos os mercados; também demanda a capacidade de mobilizar vultosos recursos para entrar em qualquer jogo específico de arbitragem, com o objetivo de mudar a dinâmica do mercado em favor do especulador.

O aspecto notável do modelo de negócios do que os índios chamam Novo Sistema de Wall Street era seu impulso incansável para expandir as Demonstrações Contábeis, maximizando os lados dos ativos e passivos. Os bancos de investimento usavam seus índices de alavancagem como o alvo a ser atingido em todos os tempos, ao invés de como um limite externo de risco a ser reduzido sempre que possível mediante a manutenção de capital excedente. Um recente relatório do FED de Nova Iorque demonstra como essa abordagem mostrou-se poderosamente pró-cíclica numa bolha de mercado de ativos, levando os bancos a expandirem suas tomadas de empréstimos à medida que os preços dos ativos subiam. Na sua ilustração, os autores (Tobias Adrian e Hyun Song Shin) assumiram que os bancos administravam ativamente seus balanços para manter uma alavancagem constante de 10. Suponha que o balanço inicial é como segue: o banco tem 100 em títulos, e financiou-os com um patrimônio de 10 mais uma dívida de 90. Portanto, o índice de alavancagem do banco é de 100/10 = 10.

Suponha que o preço dos títulos aumente em 1%, para 101. As proporções, então, serão: títulos 101, patrimônio 11 e dívida 90. Assim, sua alavancagem é agora de 101/11 = 9,2. Se o banco ainda vise uma alavancagem de 10, então deverá tomar dívida adicional (d`), para comprar d valor de títulos do lado do ativo, de forma que o índice ativos/patrimônio seja 101+d/11 = 10, isto é d = 9. Assim, o banco assume uma dívida adicional de 9, e com esse dinheiro compra títulos que valem 9. Após a compra, a alavancagem voltou a 10. Assim, um aumento no preço do título de 1 leva a uma posição adicional de 9: a curva de demanda é ascendente (títulos 110, dívida 99 e patrimônio 11). O mecanismo funciona também no sentido contrário. Suponha que ocorra um choque no preço dos títulos, de modo que, agora, o valor da posição em títulos caia para 109. Do lado do passivo, é o patrimônio que sofre o ônus do ajustamento, uma vez que o valor da dívida permanece aproximadamente constante. (títulos 109, dívida 99 e patrimônio 10). Mas, com títulos em 109, patrimônio de 10 e dívida de 99, a alavancagem é agora muito alta: 109/10 = 10,9. O banco pode reduzir sua alavancagem vendendo títulos que valham 9 e amortizando 9 de dívida. Assim, uma queda no preço dos títulos leva a uma venda deles: a curva de oferta é descendente.

Um mecanismo central por meio do qual os bancos de investimentos podiam responder às elevações dos preços dos ativos era tomar empréstimos no mercado de “acordos de recompra” – ou “repo”. Tipicamente, um banco de investimento deseja comprar um título, mas necessita tomar recursos de empréstimo para tal. No dia da liquidação, o banco recebe o título e, então, o usa como garantia para o empréstimo de que necessita para pagá-lo. Ao mesmo tempo, promete ao emprestador que ele recomprará o título em determinada data futura. Dessa forma, o banco pagará o empréstimo e receberá o título. Mas, tipicamente, os recursos para a recompra do título do emprestador são adquiridos mediante a venda do título a alguém. Assim, no dia da liquidação, o emprestador original do banco de investimento é pago e entrega o título, o qual é imediatamente passado a um novo comprador em troca de dinheiro. Essa espécie de operação de captação no repo pressupõe um surto nos preços dos ativos. Ela respondeu por 43% da expansão da alavancagem entre os bancos de Wall Street, de acordo com o mesmo estudo do FED de Nova Iorque. Os repos têm sido a maior forma de dívida nos balanços dos bancos de investimento em 2007-08.

Surge a questão da razão pela qual os bancos de Wall Street (seguidos por outros) empurraram suas tomadas de empréstimos para o limite da alavancagem dessa forma sistemática. Uma explicação é a de que eles fizeram isso de acordo com os anseios de seus acionistas (uma vez que haviam se transformado em companhias limitadas). Alega-se que o capitalismo do “valor ao acionista” exige que o índice dos ativos/capital seja maximizado. O excedente de capital reduz o retorno sobre o patrimônio dos acionistas e atua como um dreno sobre os lucros por ação. Mas, existe uma outra explicação possível para as tomadas de empréstimos até o limite da alavancagem: a luta pela fatia de mercado e para a maximização do poder de precificação nas atividades operacionais. Se alguém é um arbitrador especulativo ou um soprador de bolhas de ativos, a escala das operações financeiras é essencial para mover os mercados mediante a mudança dos preços na direção em que se deseja. Na avaliação de qual dessas pressões – poder dos acionistas ou poder dos preços – dirige o processo, devemos notar quão prontamente o Tesouro, o FED e os executivos de Wall Street têm agido para esmagar os interesses dos acionistas durante a crise de crédito e, no entanto, quão decididamente procuraram proteger os níveis de alavancagem dos principais bancos durante a bolha. Por todos os motivos, o Citigroup voltou-se para a maior expansão do balanço e da alavancagem para as atividades operacionais em virtude não da pressão dos acionistas, mas da chegada ali de Robert Rubin, após sua posição frugal como Secretário do Tesouro.

Luis Nassif

14 Comentários

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  1. A excelente entrevista com
    A excelente entrevista com Chico de Oliveira (1) lembra que “a quebradeira imobiliária é um sintoma dessa contradição clássica, amplificada, entre a globalização do valor e a impossibilidade de realizá-lo na mesma escala porque não há poder aquisitivo equivalente, nem na periferia nem no núcleo do sistema”.

    O aumento da alavancagem, feita de maneira espúria ou não, foi uma forma de contornar as limitações de poder aquisitivo cada vez mais intensas e sem perspectivas de melhora.

    Ele pergunta: “a engrenagem esfarela o mundo do trabalho urbi e orbe; os assalariados norte-americanos simplesmente não têm fonte de renda para o padrão de consumo que ainda desfrutam; estão devolvendo casas e vão morar em garagens coletivas, dentro dos seus carros. Obama teria que elevar brutalmente o poder aquisitivo dessa gente para contornar a crise. Fará isso?”

    Mas a crise também oferece novas oportunidades de entendimento. Chico de Oliveira explica que “a crise é tão grave que abre um período de suspensão do hegemon; não sua derrocada, mas um hiato para lamber as próprias feridas. Isso tomará boa parte do tempo e das energias desse Obama, em relação ao qual, diga-se, não compartilho do otimismo de muita gente de esquerda. Mas o fato é que ele estará ocupado e com uma quantidade apreciável de problemas. Abre-se um espaço, portanto. Talvez até mais que isso: haveria uma potencial complementariedade de interesses se tivéssemos aqui um arranque de investimento público pesado. Isso de certa forma repercutiria positivamente no coração da economia norte-americana. Estamos diante de uma fresta histórica: uma suspensão do hegemon e um espaço de complementariedade para remar na mesma direção, o que poderá favorecer os dois lados a sair do buraco”.

    Nota:

    (1) http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15467

  2. Os índios do Alto Xingu tem
    Os índios do Alto Xingu tem saudades do tempo em que caçavam, pescavam, transavam, bebiam, cantavam e dançavam.

    Dos tempos em que o pagé não passava horas falando em ‘arbitrador especulativo” e ” expansão da alavancagem”.

    ugh!

  3. Para completar a
    Para completar a equação

    Como bem disse o nosso índio, nossos poderosos operadores acumulam o maior número de informações e vultosos recursos para bancar o jogo.
    Entendo que para completar a equação, só falta acrescentar a variável poder político.
    Eleger e manter efetivamente “comprometidos” o maior número de autoridades com influência para interferir nas decisões regulatórias também ajuda bastante. Não esqueça que eles devem estar no Executivo, no Legislativo e no Judiciário.
    Como condição extra, você ainda pode acrescentar um bom número de aliados na imprensa com capacidade de espalhar “tendências”.

    Todos devem receber seus bônus em função do desempenho anual, assim como todos os operadores financeiros.

  4. **assumiram que os bancos
    **assumiram que os bancos administravam ativamente seus balanços para manter uma alavancagem constante de 10**.

    What hell does it mean ?

    They “tucanaram” the meaning ?

  5. “Alega-se que o capitalismo
    “Alega-se que o capitalismo do “valor ao acionista” exige que o índice dos ativos/capital seja maximizado. ”
    O que interessa no capitalismo do valor do acionista e o valor de mercado da empresa. Tambem se analisa a EBITA e outros indices. So um louco nao considera a questao do endividamento. Investidores normalmente nao gostam de empresas ricas em ativos. Embora, no caso descrito acima, o correto e rica em PASSIVOS.

    “O excedente de capital reduz o retorno sobre o patrimônio dos acionistas e atua como um dreno sobre os lucros por ação.”
    Huuuummmmm. Investidores serios nao analisam lucros por acao. Mesmo porque a empresa pode imprimir mais acoes prum determinado investimento reduzindo o indice. Eles analisam o lucro antes dos impostos em varios anos. E procuram empresas onde estes lucros sao crescentes.

    Mais, o Buffet costuma dizer que numa boa empresa pra cada dolar de lucro deve ser gerado um dolar de valor de mercado. Bem, o Buffet e o Buffet …… E como ele sempre diz “Wall Street e um lugar muito estranho. La pessoas que andam de Rolls Royce tomam conselho sobre como ganhar dinheiro com que anda no metro”.

    Outra coisa, se estes investidores estao interessados em dividendos polpudos deveriam analisar o “dividend yield” das empresas. No Brasil, uma boa opcao sempre foi a Souza Cruz. E de uns tempos pra ca a Telemar (acho).

    Agora o que os investidores SERIOS procuram mesmo e governanca. Coisa que a Petrobras, cheia de politicos no Conselho de Administracao, nao tem.
    A Vale tem. A Usiminas tem. O resto e uma confraria de compadres.

  6. Correto, Índio Tupi, e como
    Correto, Índio Tupi, e como os bancos nunca ficam com o mico, a história se repete. Na crise da Ásia no fim de 1997, ainda não havia sido implantada boa parte das ferramentas de controle de riso hoje em uso, como os limites de alavancagem do acordo de Basiléia, circuit breaker na Bovespa, entre outras. Muitos bancos de investimento locais vinham de seguidas temporadas de bônus gordos devidos exclusivamente à genialidade dos cabeções (hahaha). Quando o preço do C-bond desabou, todos os bancos e as recém criadas Asset Management bailaram para cumprir os compromissos assumidos com o uso indiscriminado do “repurchase agreement”, pois é, o bom e velho repo. Usava-se um lastro de valor volátil (C-bond) para garantir uma operação (repo) de valor fixo. Quando o combustível artificial da alta do preço do lastro acaba, o mundo desaba. Soa familiar?
    O quê fez nosso corajoso Banco Central? Evidentemente, elevou a Selic de pouco mais de 20%aa para 46%aa (salvo engano, mas a ordem de grandeza é essa mesmo). Na época, a desculpa (sempre há uma) era a necessidade de um retorno obsceno para atrair investidores estrangeiros.
    Nunca vou me esquecer das gargalhadas do economista-chefe de um desses bancos quando a alta foi anunciada no Jornal Nacional.

  7. Com respeito da frase:
    Com respeito da frase:

    “Alega-se que o capitalismo do “valor ao acionista” exige que o índice dos ativos/capital seja maximizado. O excedente de capital reduz o retorno sobre o patrimônio dos acionistas e atua como um dreno sobre os lucros por ação.”

    Fico pensando que ainda no li nenhum artigo que reflita sobre as mudanças que estamos tendo no Brasil nesta passagem de empresas fechadas familiares para empresas de capital aberto em bolsa.

    Os dois tipos de empresa, por exemplo, reagem de forma bem distinta em momentos de crise.

    No meu entendimento, p.e., as empresas e capital aberto sao levadas muito mais rapidamente a demitir e mostrar ações de redução de custos que as de capital fechado – inclusive anunciando isto aos quatro ventos, como se fosse algo ‘positivo’ – e do ponto de vista do ‘acionista’ pulverizado efetivamente é.

    As de capital fechado – notadamente as de controle familiar – não sofrem esta pressão do mercado, e podem agir pensando no médio e no longo prazo também. E normalmente não ‘anunciam’ demissões……..

    Dentre outros temas a respeito, as enormes diferenças de ‘compromisso’ de empresas de capital aberto ou fechado com as cidades e regiões onde foram fundadas ou teem a sua sede.

  8. Em complemento: os últimos
    Em complemento: os últimos anos de liberalismo modelo americano levaram a um ‘consenso’ no Brasil que empresas de capital aberto sejam uma evolução no nosso modelo de capitalismo. Eu não tenho esta certeza……

  9. Franco Farias, faltou falar
    Franco Farias, faltou falar em andar “à vontade” sem q ninguém se incomodasse c/isso kkkkkk
    mas calma, observando novos (e ao menos, menos daninhos) gurus como Timothy Ferris, a humanidade (ou ao menos a parte menos burra dela) parece estar redescobrindo a roda e finalmente os Índios estão tendo séculos depois (ok postumamente pra maioria deles), uma Vitória moral incontestável.

  10. Para simplificar: O bancos
    Para simplificar: O bancos estrangeiros criaram a maior pirâmide de todos os tempos(aqui no brasil se criou o avestruz master), e deu no que deu. O que é estranho é que nem os Ceos nem os diretores desses bancos foram responsabilizados criminalmente nem tiveram de devolver nada do que surrupiaram durante a criação da bolha.

  11. Há tempos estou prá dizer ao
    Há tempos estou prá dizer ao valoroso Indio Tupi, qui nada, que o seu DNA
    está impregnado da mardita assim chamada civilização. índio mais bem informado que este jamais vi. aprendo um monte e fico esperta.

  12. Srs. Nassif, Indio Tupi,
    Srs. Nassif, Indio Tupi, Roberto S. Paulo, André Araujo (meio sumido) e tantos outros. Peço que expliquem ou comentem essa:

    link: “http://br.invertia.com/noticias/noticia.aspx?idNoticia=200901301217_EFE_77795174”

    Economia Internacional
    George Soros diz que crise ameaça existência do euro

    A existência do euro pode estar em perigo caso a União Européia (UE) não dê passos firmes para retirar os ativos considerados tóxicos do mercado, assegurou o investidor americano George Soros.

    Segundo Soros disse ao jornal austríaco Der Standard, caso a UE não participe dos planos de retirar os ativos tóxicos do mercado, “o euro pode não sobreviver à crise”.

    “Existem grandes problemas em nível internacional. Os programas de estímulo conjuntural não são suficientes”, afirmou o conhecido investidor que já há um ano previu que a crise seria muito mais profunda do que se acreditava.

    Para ele, é necessária “uma espécie de acordo sobre o capital perdido, de modo que a carga seja compartilhada entre todos e que cada país seja parte disso”. Soros defende o fechamento de “um plano de socorro em escala global” para ajudar os países em desenvolvimento.

    “Esperava que a crise nos empurrasse à beira do precipício, mas não além. Mas seguimos. Na realidade o sistema financeiro afundou”, disse o investidor de origem húngara.

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