A herança maldita do câmbio

Do Valor

Em cinco anos, volume exportado caiu 30% 

Marli Olmos, de São Paulo
17/08/2010 

O Brasil festejou quando a Argentina foi eliminada da Copa do Mundo, um dia depois da derrota brasileira, e tem se vangloriado agora, depois que a equipe, renovada, voltou a brilhar nos campos enquanto o time argentino continua em crise. Fora dos estádios, porém, os brasileiros devem um agradecimento ao país vizinho: não fossem os consumidores argentinos, as exportações de veículos brasileiros seriam quase nulas.

É verdade que os argentinos também devem aos brasileiros. Afinal, mais da metade da produção de veículos daquele país segue para o mercado brasileiro. A diferença é que o Brasil sempre foi o destino de praticamente 80% da exportação dos carros argentinos. Já o Brasil nunca dependeu tanto da demanda do país vizinho para poder vender além das fronteiras.

Já faz algum tempo que as vendas para o mercado argentino absorvem em torno de 70% das exportações de veículos feitos no Brasil. É por isso que um súbito aumento de demanda no país vizinho rapidamente se refletiu no crescimento das exportações, como aconteceu no último balanço do setor. Os dados mostraram um aumento de 78,4% nos volumes de veículos exportados na comparação com igual período de 2009.

MasoMas o resultado não mostra, porém, que o setor depende dos mercados vizinhos mais do que nunca e cada vez mais perde a competitividade fora do Cone Sul. As vendas para mercados vizinhos, aliás, fazem parte da estratégia das próprias montadoras de abastecer a América do Sul a partir do Brasil. Quando a concorrência sai do bloco dominado por essas multinacionais, o quadro muda.

As fábricas de veículos instaladas no Brasil começaram a perder clientes no exterior em 2005. Naquele ano, saíram do Brasil 897 mil veículos. Os volumes foram caindo gradativamente, até que a crise levou a uma redução para 475 mil em 2009. Além da valorização do real, a indústria instalada no Brasil passou a se dedicar com mais força aos carros populares. Esses modelos não atendem aos mercados mais exigentes. E no caso dos países emergentes, o produto brasileiro sofre cada vez mais a concorrência de antigos produtores, como a Coreia, e de novos, como a China.

Os representantes da indústria erguem a velha bandeira em favor de incentivos. “O Brasil é um dos únicos países do mundo a exportar impostos; isso acaba com a gente”, diz o vice-presidente da General Motors, José Carlos Pinheiro Neto. Ele aponta o modelo coreano, que privilegia as exportações.

Nenhum dos quatro maiores exportadoras de veículos do país – Volkswagen, General Motors, Ford e Fiat – demonstra empolgação com o recente crescimento das exportações. E todos reconhecem que a recuperação é consequência da retomada do fôlego dos países vizinhos – com ênfase para a Argentina.

O gerente de exportações da Fiat, Euler Ervilha, diz que não é muito animador crescer 78% quando a base de comparação é “um dos piores anos da história da exportação de veículos no Brasil”. A Fiat, que chegou a ser o maior exportador privado na última década, viu a quantidade de veículos embarcados para outros países cair de 103 mil em 2007 para 79 mil, em 2008. Em 2009 foram 46 mil. Vender 80 mil unidades este ano, como programa a montadora, significa voltar ao nível de 2008. A Fiat e todo o setor vivem a retomada a um nível que já estava baixo antes do tombo na crise.

“Se pegarmos a série histórica e eliminarmos 2009, que reflete a crise, perceberemos que a projeção da indústria para 2010, de chegar a 620 mil unidades, mantém a tendência de queda”, afirma o diretor de assuntos institucionais da Ford, Rogelio Golfarb. O executivo lembra, ainda, que a participação da exportação na produção de veículos no Brasil caiu de 35% em 2005 para 18,3%, este ano. Claro que o aumento de demanda no mercado interno é, em parte, responsável por essa retração.

“É preciso olhar para a exportação com mais atenção; porque não adianta só vender no mercado interno”, afirma o presidente da Volkswagen, Thomas Schmall. A Volks vem tentando preservar mercados fora da América do Sul. Vende o modelo Fox na Europa e está prestes a aproveitar o acordo de intercâmbio com o Egito para vender naquele país.

A Ford viu a receita com exportações cair de US$ 1, 2 bilhão, em 2005, para US$ 463 milhões no ano passado. Por isso, na comparação com 2009, a previsão de obter US$ 804 milhões este ano representa um salto.

A filial brasileira da GM , que chegou a vender veículos para 40 países, hoje conta com meia dúzia: Argentina, Uruguai, Chile, México, África do Sul e Paraguai. Das 44 mil unidades embarcadas no acumulado do ano, 30 mil seguiram para o mercado argentino. “No acordo aduaneiro só poderíamos exportar para a Argentina se também tivéssemos fábricas no país”, diz Pinheiro Neto. Golfarb diz que a relação com a Argentina é diferente de outros destinos, pois trata-se de “uma complementariedade”.

A história recente também revela, ainda, que os acordos livres de impostos, como o que o Brasil tem com o México, ajudaram o país a elevar as exportações por um lado, mas, por outro, também abriram espaço para que as montadoras incrementem a importação desses países.

Euler Ervilha, da Fiat, acredita que a força do mercado latino-americano pode ser suficiente para acelerar o ritmo das exportações. “O consumo anual de veículos na América Latina tende a crescer de 5,5 milhões para 7 milhões em 2014”, afirma. 

Luis Nassif

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