É preciso revisar o regime fiscal brasileiro?

                              

Nota do Brasil Debate

O abandono da meta fiscal pelo governo frustrou aqueles que defendem a urgência nos cortes dos gastos públicos ainda em 2014 e o estabelecimento de uma meta fiscal mais rigorosa para 2015.

Esse discurso transparece a defesa de um argumento do tipo “não importa o que aconteça, é imperativo que o governo não gaste mais do que arrecade”.

Tal discurso subestima os efeitos de um período de crescimento econômico reduzido sobre a arrecadação de impostos e reforça os pedidos por cortes dos gastos públicos.

Reconhecendo a importância do gasto público (principalmente em investimento) na determinação da renda, do emprego e das perspectivas futuras da economia brasileira, pensamos que o momento é oportuno para o início de um novo debate: aquele que concerne não ao resultado fiscal, mas ao regime vigente no Brasil.

Segundo Gobetti, Gouvêa e Schettini (2010), o regime atual de metas introduziu um forte viés pró-cíclico na política fiscal brasileira e tem estimulado um ajuste fiscal de “baixa qualidade”, por se basear no aumento das receitas (principalmente indiretas e cumulativas) e no corte dos investimentos.

Em momentos como o atual, de baixo crescimento da economia, a receita do governo cai, ao passo que as despesas, mais rígidas, variam pouco, gerando uma forte tendência para a realização de déficits fiscais.

Devido à pouca flexibilidade do regime de metas, o governo se vê pressionado a cortar gastos, mesmo que o contexto exija ações que estimulem a demanda agregada.

Ao atingir os investimentos, considerado um dos componentes mais importantes dos gastos públicos, o corte das despesas retardará o desenvolvimento econômico do país para que a meta de superávit seja religiosamente cumprida.

Dessa maneira, os autores propõem que o País adote a metodologia de resultado fiscal estrutural.

Nas palavras dos autores, o balanço fiscal estrutural “representa, neste sentido, qual seria o resultado fiscal observado se as receitas e as despesas do governo estivessem em seu nível tendencial”.

Ou seja, tal cálculo objetiva “expurgar movimentos automáticos nas receitas e nas despesas do governo relacionados com o ciclo econômico” (Gobetti, Gouvêa e Schettini, 2010, p. 16).

No Brasil, o resultado estrutural poderia dar ao regime brasileiro maior flexibilidade e transparência à política fiscal.

Flexibilidade porque contemplaria diferentes fases do ciclo econômico e fatores exógenos que interferem no resultado fiscal. Isso porque não se pode perseguir uma meta rígida independentemente da conjuntura, e muito menos avaliar a política fiscal (expansões ou contrações) pela simples variação dos resultados.

Transparência porque, ao retirar os efeitos do ciclo econômico sobre o resultado fiscal, seria possível dimensionar de maneira mais adequada o que efetivamente tem sido feito pelas autoridades para que os objetivos estabelecidos (seja uma meta de superávit primário, ou a estabilização da relação dívida/PIB) sejam alcançados (Gobetti, 2014).

Com isso, seriam menores as oportunidades de o governo realizar a chamada “contabilidade criativa”.

Certamente não há consenso do que seria o regime fiscal “ideal”. Quando o assunto envolve a atuação do Estado na economia, fica difícil separar o que é teoria econômica e o que é ideologia (muitas vezes sem qualquer base empírica que a sustente).

O mínimo que se espera de um regime fiscal em um país como o Brasil é que as metas fiscais pré-estabelecidas não retardem ainda mais os investimentos públicos em infraestrutura, o que não é garantido pelo regime em vigor.

Referência 

Gobetti, S.W.; Gouvêa, R.R.; Schettini, B.P. Resultado fiscal estrutural: um passo para a institucionalização de políticas anticíclicas no Brasil. Texto para discussão n. 1515, IPEA, 2010.

Gobetti, S.W. Regras fiscais no Brasil e na Europa: um estudo comparativo e propositivo. 2014. Mimeo.

Redação

3 Comentários

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  1. Muito bonito na teoria. Na

    Muito bonito na teoria. Na prática brasileira, porém, ocorre o seguinte: em fase de baixo crescimento, aplica-se política anticíclica, para incentivar a economia, manter o emprego, etc. Já quando a economia estiver mais forte, com aumento de arrecadação tributária, em vez de aumentar o superavit fiscal, o que se faz? Aumenta-se a despesa com contratação de mais servidores públicos, que se torna fixa.

  2. países com inflação alta não

    países com inflação alta não podem praticar política fiscal expansionista, seria um tiro no pé que destrói países como venezuela e argentina. política fiscal expansionista funciona com países com inflação muito baixa, de preferência deflação. é um fato da natureza, não tem como fugir. os articulistas são bem intencionados, as carece conhecimento técnico. não tem mimimim.

    1. Nada mais falso

      “política fiscal expansionista funciona com países com inflação muito baixa, de preferência deflação. é um fato da natureza, não tem como fugir”

      Fosse assim, Japão, Taiwan, Coréia do Sul e China ainda seriam subdesenvolvidos e não as pujantes sociedades industriais em que se transformaram.

      Ver:  http://www.thomhartmann.com/users/george-tait-edwards/blog/2014/08/shimomuran-economics-most-significant-advance-ever-made-eco-0

       

      Ver também: http://londonprogressivejournal.com/article/view/1742/an-extended-review-of-princes-of-the-yen-by-professor-richard-werner

       

      E: http://www.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3Dp5Ac7ap_MAY

       

       

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