O Brasil sem o Mercosul

Do Valor

E se o Brasil fosse à luta sem o Mercosul…

Por Sergio Leo

Nem todos estavam lá, mas se um interessado fizer uma lista dos principais pesquisadores sobre comércio exterior e negociações comerciais no Brasil começaria pelos participantes de um discreto seminário de especialistas realizado pelo Ipea, na semana passada, com o árido tema “O Brasil, o multilateralismo comercial e a OMC”. Algumas das melhores cabeças da área imaginaram um cenário de médio prazo para as perspectivas comerciais do Brasil e, fato notável, nem mencionaram o Mercosul, ou a necessidade de acertar ponteiros com vizinhos no continente.

Com exceção de uma ou outra voz mais radicalmente plantada no ideário liberal, não passava pela cabeça de mais ninguém defender o fim do Mercosul, principal mercado para os manufaturados brasileiros – não só porque os produtos entram nos mercados vizinhos sem tarifa, como porque os países do bloco são obrigados a ter a mesma tarifa de importação para terceiros países, dando proteção aos fabricantes brasileiros. Mas os acadêmicos convidados a pensar o futuro do Brasil imaginam cenários de voo solo para o país.

Não se fala mais no Mercosul como um “building block”, tijolinho a partir do qual o Brasil construiria sua atuação comercial no mundo. Pelo contrário, o que se discute é como atuar sem que os compromissos do Mercosul sejam um entrave. O tamanho do Brasil e seus interesses variados fazem com que a agenda comercial do país dependa de uma estratégia multilateral, com o mundo todo, e não amarrada em acordos regionais, resumiu a economista Sandra Rios, coordenadora, com Pedro Motta Veiga, da “força-tarefa” de acadêmicos reunida pelo Ipea.

O óbvio, que as negociações de liberalização comercial da chamada Rodada Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), estão praticamente enterradas, até por falta de interesse da principal economia do mundo, os Estados Unidos, foi reconhecido até pelas autoridades chamadas para o debate no Ipea, o diretor do Departamento de Comércio do Itamaraty, Pedro Estivalet, o secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Márcio Cozendey, e Renato Rezende, da Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério do Desenvolvimento.

O problema é que o mundo não está parado, na falta de um grande acordo multilateral que atenda a prioridades do Brasil, como regular subsídios e reduzir barreiras no comércio de produtos agrícolas, além de garantir acesso a tecnologias sem restrições indevidas ao uso de direitos de propriedade intelectual.

A profusão de acordos preferenciais de comércio derruba tarifas para competidores do Brasil em mercados relevantes, como os vizinhos sul-americanos com praias no Oceano Pacífico, e certas tendências do comércio internacional pressionam o Brasil a deixar a posição de espectador, como a proliferação de medidas não tarifárias (ambientais, de normas técnicas, de segurança alimentar), e a fixação de padrões e normas de compras privados por grandes empresas multinacionais.

O fato de que o multilateralismo estagnou não significa que esteja morto, lembrou Cozendey. Um exemplo disso é a importância do órgão de solução de controvérsias da Organização Mundial de Comércio, ainda hoje uma arma, ainda que limitada, contra barreiras indevidas no comércio. Não à toa, boa parte das recomendações da força-tarefa criada pelo Ipea indica a necessidade de preparação, no Brasil, para influir mais fortemente na criação de regras internacionais ou na aplicação das já existentes.

É preciso lidar, na OMC e em outras esferas internacionais, com as barreiras representadas por restrições a importações inventadas por grandes empresas multinacionais, por exemplo, criar limites mais definidos para aplicação de normas técnicas, trabalhistas, ambientais e outras.

Também é necessário descobrir como lidar com a pesada atuação internacional de bancos públicos e de estatais, de países como Rússia e China (levando-se em conta que o Brasil também tem sua Petrobras e BNDES a defender), como conter subsídios desleais que distorcem comércio… a lista é grande.

Para o governo, como ficou claro no seminário, é a crise internacional que impede avanço nas discussões multilaterais – ainda que países menores, de baixo custo de mão de obra ou sem indústrias a proteger, sigam fechando acordos com países ricos, ou asiáticos, em busca de ampliação de mercados.

Há quem questione essa análise, e aponte na falta de reformas competitivas no Brasil o grande obstáculo a uma ação mais arrojada do país no campo comercial.

Apesar das visões distintas, os especialistas reunidos pelo Ipea alcançaram consenso na maior parte dos diagnósticos e propostas para o Brasil, mas é significativo que tenha havido polêmica na discussão dos efeitos do câmbio sobre o futuro comercial do país.

Para alguns, a questão do câmbio está ligada, na maior parte, a questões internas dos países, como a política monetária no controle da inflação, e deve ser tratada em instâncias como o FMI e o G-20.

Do outro lado, que coincide com a avaliação hegemônica no governo, o câmbio é hoje uma ferramenta comercial de uso generalizado.

“Se não se consideram os desalinhamentos do câmbio, discutir tarifas é uma ficção diplomática”, insistiu a professora da Fundação Getulio Vargas, Vera Thorstensen, que por muito tempo assessorou a missão do Brasil na OMC e hoje é uma das especialistas mais dedicadas a mostrar o brutal impacto das manipulações do câmbio sobre as condições de competitividade da indústria.

É outra discussão em que o Brasil fala língua diferente dos parceiros Argentina e Venezuela. Esses atacaram o problema com controles cada vez mais dramáticos sobre o uso de moeda estrangeira. Pode até haver estratégia comum no Mercosul sobre esse tema, mas no campo tático será difícil fazer o time entrar junto em campo.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras

Luis Nassif

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