Arbítrio para todos: professor da USP responde ao jornalista Conti

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Via O Escrevinhador, de Rodrigo Vianna

Arbítrio para todos: professor da USP responde ao jornalista Conti

Quando se trata de Lava Jato, é incrível como a imprensa aderiu ao senso comum. Tudo o que promotores, delegados e juízes dizem é tomado como verdade. Tudo o que se diz em contrário é suspeito. Conti deveria entender: nem todo advogado se expressa de forma gongórica, nem todo jornalista se deixa enganar por um sósia.   

Conti, o pensador, precisa ler Kafka

Conti, o pensador, precisa ler Kafka

por Floriano Peixoto de Azevedo  Marques Neto* 

Em texto publicado em sua coluna na Folha de São Paulo, Mario Sérgio Conti (“Diante da Lei”, 19.01.16) tenta desqualificar a nota publicada por uma centena de advogados e professores de Direito sobre a chamada Operação Lava Jato. A nota (clique aqui para ler o texto na íntegra) não imputa  irregularidades a um ou a outro juiz, delegado, procurador, embora isso fosse plenamente possível. São muitas.

Os juristas, entre os quais me incluo, alertam para os riscos de aceitar supressões ou flexibilizações de garantias básicas para punir acusados de envolvimento com atos de corrupção. O objetivo do alerta é  mostrar que os melhores fins não justificam todos os meios.

A ação de juízes e promotores, em consórcio, pode ser funcional para condenação célere e exemplar. Mas retira a imparcialidade do juiz, central ao Estado de Direito. Manter alguém preso, sem julgamento, com base apenas na gravidade da acusação ou na sua posição social, confere eficácia e legitimidade aos agentes da Lei. Mas aniquila a presunção de inocência e o devido processo.

Da mesma forma, adulterar a transcrição de um depoimento, não refletindo tudo que um depoente ou delator disse, torna mais certa e segura a punição. Mas retira a confiança na Justiça, outro valor nas sociedades civilizadas. E, por fim, desqualificar advogados que têm a função de defender quem já está condenado pela opinião pública  nos aproxima dos regimes totalitários.

Não é preciso defender a nota ou seus subscritores. O tempo o fará. Mas o texto de Conti mostra três tendências preocupantes para quem ainda não aderiu à onda lavajatista.

A primeira é que o jornalismo brasileiro parece ter perdido seu atributo mais importante: a capacidade de desconfiar, de fugir do senso comum. Mario Sérgio Conti é bom jornalista. Experiente e experimentado. Está na estrada há muitos anos. Devia ter aprendido a desconfiar sempre, apurar, ouvir o outro lado. Não fosse por dever de jornalista, por experiência própria. Aprendemos com nossos erros. E no caso de Conti o plural não é estilo de linguagem. Deveria ter aprendido com o vexame de publicar a descrição do enterro de uma arquiteta que não morrera (clique aqui e confira). Ou de expor a própria Folha ao constrangedor episódio de entrevistar o sósia do treinador da seleção Brasileira, como se estivesse entrevistando o próprio Felipão.

Quando se trata de Lava Jato, é incrível como a imprensa em geral aderiu ao senso comum. Aceita-se docemente o discurso oficial e laudatório dos protagonistas da operação. Tudo o que promotores, delegados e juízes dizem é tomado como verdade. Tudo o que se diz em contrário é suspeito.

Os jornalistas engajaram-se na elevada missão de punir os envolvidos a qualquer custo. Não se preocupam em olhar o outro lado, em desconfiar do que dizem juiz e procuradores. Não é só o Direito que pode ser vítima deste momento. O próprio jornalismo também.

A segunda tendência é a fuga do debate pelo artifício de desqualificar o antagonista. No artigo de Conti, ela se revela de duas maneiras. A primeira, um tanto vulgar. O texto vem escrito numa caricatura do linguajar forense. O chiste, quando elegante, pode ser uma crítica poderosa. Quando exagerado, fica grotesco (que o diga Chico Caruso e sua infeliz charge sobre advogados).

Nem todo advogado se expressa de forma gongórica. Nem todo jornalista se deixa enganar por um sósia.

A outra forma de desqualificação segue em jogral a senha dada pelos tarefeiros de Curitiba. Conti afirma que a Nota reflete interesses menores. Nas suas palavras, seria fruto da hipocrisia para agradar “homens de bens”.

Sem perceber (ou percebendo, sem entender o que isso representa), o jornalista cede sua privilegiada coluna para fazer coro a uma ideologia: os agentes públicos da Lava Jato são homens de bem, repositórios da esperança de limpar o país. Todos e tudo que seja visto como óbice à consumação desta “missão” é o lado negro da força. Sempre e invariavelmente.  Emula-se um poder sem contraponto, sem contenção. E, pior, sem possibilidade de crítica.

Ser advogado não é demérito. Muito ao contrário. Advogados, por definição, defendem direitos. E são tão essenciais à justiça quanto os jornalistas são essenciais à liberdade de informação. Embora haja bons e maus atuando nas duas atividades. Problema é a imprensa abraçar uma versão dos fatos e desqualificar a outra.

A última tendência preocupante é a mais grave. A tese forte do artigo é a de que os subscritores seriam hipócritas ao criticar prisões provisórias e abusos da Lava Jato. Afinal, diz, no país violações são a regra para presos pobres e desassistidos. Touché. Para Conti, como o país é campeão em arbitrariedades, haveria outro mérito na Lava Jato: agora também os “de cima” são tratados como desfavorecidos. Inauguramos o programa “Arbítrio para Todos”.

O Estado não mais discrimina ninguém, trata todos com absoluto desrespeito aos direitos fundamentais. Teríamos atingido a universalização do abuso. A empolgação de Mario Sérgio Conti em adular os próceres da Lava Jato é tanta que ele nem tomou a cautela de checar qual eram os signatários.

Naquela centena há muitos com atuação forte no Instituto de Defesa do Direito de Defesa, entidade voltada à defesa gratuita dos direitos de presos sem recursos. Vários dos subscritores têm ações e escritos criticando o absurdo de termos quase a metade da população carcerária sem condenação definitiva.  Mas o problema, insisto, não é de mera má prática de jornalismo. O problema é de concepção.

Defender um acusado não é obstar a Justiça. A defesa não é óbice, é parte da Justiça. Chamar a atenção para garantias desrespeitadas não é melar o processo. Apontar que “flexibilizações” na lei penal são um risco a todo indivíduo, não é fazer chicana ou manipular o formalismo.

Desqualificar a defesa é o discurso engenhoso, reconheça-se, dos protagonistas da Lava Jato, a começar pelo seu líder. Grave se torna quando a imprensa abraça a tese e  rebarba qualquer crítica à atuação destes agentes do Estado. Exatamente aqueles que detém poder e, portanto, deveriam ser vistos com desconfiança pela imprensa.

No final da coluna, Conti lembra um texto de Kafka, Diante da Lei. Ao fazê-lo se equivoca, de novo. Quem impede o pobre homem de entrar na lei não é um mero porteiro. É um guarda. Um dos tantos que estão lá para impedir-lhe de chegar à lei. É um agente do Estado.

A parábola é uma forte crítica ao poder e ao arbítrio de quem maneja a lei. Conti não entendeu a parábola. Nela se critica não só a seletividade social da aplicação da Lei. Critica-se o arbítrio do Estado, a opressão de punir sem conferir certeza, garantia àquele passível de punição.

Conti deveria ler Kafka.  Encontraria no Processo uma frase de Joseph K que lhe cairia perfeitamente: “Estava cansado demais para ter uma visão de conjunto de todas as consequências da história”.

==

Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, advogado e professor titular da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco), é um dos signatários da nota de juristas que denunciaram os abusos cometidos pela Operação Lava-Jato.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

20 Comentários

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  1. Não quero ver

    Se ele começara desconfiar vai ter um rombo no seu orçamento. É melhor para o seu bolso não fazer muitas perguntas. Deixa esas angustia para o Kafka que era um deprimido e não sabia gozar a vida.

  2. Sérgios – guardiães ou escravos ?

    Professor Dr. Floriano

    Sérgio Conti é o jornalista equivalente ao juiz Sérgio Moro.

    Etimologicamente, Sérgio tem um significado ambíguo: pode ser “guardião” ou “escravo”.

  3. O Direito é um bem que pertence a todos.
    O sujeito não compreende que o direito do outro é também o seu. E só se da conta disso quando o arbítrio atinge a ele ou um de seus entes mais próximo.
    Quando um operador do Direito faz essa defesa dos DIREITOS, o faz visando os direitos de toda a coletividade.
    E importante frisar que muitos sofreram e até deram a vida para que esses Direitos fossem conquistados. Isso não é pouco.

  4. Belo post professor.
    Belo texto:
    Tomo emprestado do texto do professor:O Estado não mais discrimina ninguém, trata todos com absoluto desrespeito aos direitos fundamentais.

    Da minha lavra: A imprensa descrimina alguns e nós sabemos quem e porquê.

  5. bom texto

    Mais vai cair no lugar comum de tantos outros.

    É o texto de um vendido esquerdista que esta recebendo alguma gratificação.

    Ou pior, outros iram dizer, é mais um que não apoia o combate a corupção, o juiz moro e outros estão tentando salvar o pais dos petralhas de esquerda que estão nos levando a destruição, esse professorzinho deve ser umas um mortandela, e por isso porada nele.

    1. Pela “qualidade” gramatical

      Pela “qualidade” gramatical do seu comentário e de suas argumentações, acho que você sofre de microcefalia aguda e retardo mental avançado.

      1. lamento

        lamento pela minha gualidade gramatical, não sou um grande erudito como voce.

        Mais posso dizer uma coisa recolheço sarcasmo e outras formas de texto e sei interpleta-las, algo que voce talvez não saiba, so estava tentando expor o que a maioria da pessoas iriam dizer.

        Então meu caro acho que quem tem microcefalia é voce que não sabe realmente interpletar um texto e como de espressar.

        1. E ainda presunçoso….

          Tire-me fora de sua maioria.

          A propósito, permita-me uma observação: “você não é um grande erudito”. Você esta longe de chegar perto do minimamente letrado.

          Mas sobretudo, poupe-nos de sua prepotência baseada, deduzo pelo nível dos argumentos, em reportagens do JN e afins.

          Leia muito, 3 a 4 horas por dia (hoje, quase tudo esta disponível na internet), por vários anos (8,9, 10 anos ou 49 anos e contando como eu) e descobrirás que não podemos simplesmente sermos soberbos e charmar alguém de “professorzinho”. A humildade e respeito são bens dos homens sábios.

          Finalmente, um conselho: quanto mais sabemos e estudamos mais ignorantes (pelo menos os que tem autocrítica) se acham.

           

           

           

          1. Cara

            pensa um pouco, se este post estivesse no site brasil 247, as pessoas estariam dizendo tudo o que escrevi e coisa pior, 

            Voce se pos fora desta maioria, mais esta maioria é a realidade atual em que vivemos, onde pessoas como este professor se tornam alvos faceis ao odio iracional dos outros, que veem ele como inimigos, a serem abatidos, e humilhados, pois ele é uma voz que destoa da maioria que acha que moro e os seus são os donos da verdade e da justiça.

            Se voce acha que meu conhecimento é apenas de JN, voce esta engana ou pior, voce não conhece a realidade de pessoas que se dispoem a defender o governo, lula e o PT, na rede social, são chamados de coisas de baixo calão ou pior.

            Quanta a dizer que professorzinho, não foi por uma conotação ofensiva, foi para dizer que ele seria chamado disto em outros sites.

            Ler muito, não é sinal de conhecimento ou sabedoria, como voce mesmo demenstra, saber interpletar o que uma pessoa diz deve ser dificil, mais tente um pouco, no alto de sua sabedoria, voce vera que nem tudo o que as pessoas dizem deve ser visto de forma literal, ou ao pe da letra. 

    2. Chama o Superman
      Equívoco tolo e corriqueiro: “o juiz está tentando salvar o país”.
      Muito filme americano e lavagem cerebral dá nisso, acreditar em salvadores da pátria.
      Qual a tua capa preferida?

  6. Todo jornalista, assim como juristas, deveria ler O Processo…

    Excelente contraponto ao artigo parcial de Mario Sérgio Conti. Deveria ser publicado na propria Folha. Mas que nada, estão muito ocupados publicando cada vez mais asneiras, tolices, futilidades e inverdades.

    1.  Pois é; agora se sabe  que

       Pois é; agora se sabe  que quem dirigiu a seleção naquele jogo fatídico foi o sósia, que empolgado com a confusão do reporter, sequestrou o Felipão e comandou o time. 

  7. Professor

    temo lhe confidenciar que recomendaria ao ignóbil pseudo jornalista ler Kafka.

    Todavia, corre-me um frio na espinha de imaginar que o “digníssimo” considere O Processo uma comédia.

    Em tempo, a saber: Kafka não era deprimido nem tampouco não sabia aproveitar a vida. Pelo contrário, sabia e muito bem.

    Porém, era portador de doneça letal e dolorida (tuberculose laríngea) que lhe impedia de se alimentar devido a dormas não lhe impedia de fazer amor.

    Perdido por um perdido por dez, o mundo ganhou um observador e crítico assaz e voraz do poder e da hipocrita sociedade.

    Louve-se Kafka!

     

     

     

  8. o zé k, do processo de

    o zé k, do processo de kafká,    é  tb ima vítima dos agentes perseguiidores,

    busca proteção da     lei.há um porteiro, mas este ó último  deles,

    há um monte de porteiros até  chegar à justiça….

    a turma do    moro       eliminou    os porteiros e colocou no lugar os

    amigos dele e os procuradors colocaram os que convergem à mesma ideologia 

    deles e aos mesmos interesses que

    movem   a   todos eles.

    aí a justiça    é rápida   e cruel….

    se é nimigo, se não é tucano, partido de muitos ali…

    se é favor do governo popular,

    os quais são todos contra, conforme viu-se na última campanha eleioeral   pra presidente…

    se tem esse  perfil, o cara que é investigado não tem saída….

    vai direto em cana….

    o zé k do kafka sofre muito mais, acaba morto no final…

    os zés do moro     não terão nem alguém para resgatá-los nem  como 

     personagens de tragedias  do            direito

    pois não há mais direito a ser preservado….

    só resta           os sem noção da grande mídia a incensarem o abominável undamentalismo jurídico….

     

     

     

     

     

  9. se o conti ler kafka numa

    se o conti ler kafka numa dessas se transforma em jornalista;

    ou num inseto…

    “quando certa manhã sérgio samsa acordou de sonhos  intranquilos,

    encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso” 

     

  10. !

    (…). A parábola é uma forte crítica ao poder e ao arbítrio de quem maneja a lei. Conti não entendeu a parábola.(…).

    Conti, apenas, quer prestar contas da incumbência que recebeu.

    Não precisa entender nem o que escreve!

     

     

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