João Victor e a tragédia dos jovens negros no Brasil, por Giane Ambrósio Álvares

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Do Justificando

Justiça por João Victor

por Giane Ambrósio Álvares

“Se não escrevo, falho com um pacto

que tenho abertamente com a vida.

E é preciso fazer alguma coisa

para ajudar o homem.

Apesar do próprio homem, ainda é tempo”.

– Thiago de Mello

Arrastado pelas circunstâncias da vida, em busca de aplacar a fome da existência em situação de exclusão, João Victor Souza de Carvalho, treze anos, tinha por hábito pedir alguns trocados em frente à lanchonete Habib´s localizada no bairro da Vila Nova Cachoeirinha, periferia de São Paulo.

Um aborrecimento à mesa posta, um transtorno humano desafiando cotidianamente os critérios de justiça de uma rede de fast-food e do cidadão de bem, pagador de impostos e desprovido de humanidade.

Segundo o comovido relato do pai, João Victor tinha sonhos de uma vida melhor, mas todos os seus sonhos foram brutalmente interrompidos no fim da tarde do último domingo, dia em que a descontrolada e descomunal violência contra os jovens, negros, pobres e desamparados do país faria mais uma vítima fatal.

As circunstâncias trágicas dos últimos momentos de João Victor foram assimdescritos pela testemunha Silvia Helena Croti em seu depoimento prestado à polícia no dia 1º de março, quarta-feira:

“Na data de 26.02.2017, por volta das 19h00 a depoente encontrava-se no local, vendendo balas; que naquele momento percebeu a presença de João Victor, o qual estava correndo na via pública, sendo perseguido por dois funcionários do Habib’s, sabendo tratar-se do gerente (magro alto e branco) e segurança (gordo, estatura mediana e moreno); Em uma esquina com a Av. Itaberaba, viu o momento em que João Victor foi alcançado pelo referido segurança; o gerente mais afastado mandou o segurança conter João Victor; o segurança pegou João Victor pelo pescoço desferindo um violento soco contra sua cabeça; a depoente ouviu quando João Victor disse ao segurança ‘e o meu chinelo’; após alguns instantes o gerente se aproxima; o segurança e o gerente pegam João Victor pelos braços levando-o em direção ao Habib’s; no caminho, a poucos metros do Habib’s, sendo segurado pelo gerente e segurança, João Victor desmaiou; a depoente se aproximou, percebendo que João Victor estava espumando pela boca; o gerente e o segurança do Habib’s deitaram a vítima perto de um poste, permanecendo no local; a declarante pediu uma colher para tentar destravar a língua de João Victor, porém percebeu que o mesmo já estava inconsciente […]”

E, logo depois, o menino morreu.

Nas versões dos fatos apresentadas pela rede de fast-food, porém, o episódio da agressão vem sendo negado. Segundo eles, o adolescente, ao ser repreendido por estar importunando clientes, teria corrido e, em razão disso,“teve um mal súbito”.

Noutra versão, como é de costume, buscou-se transferir para a vítima a responsabilidade por sua própria morte. Funcionários da empresa teriam declarado à reportagem do site G1 que “o menino estava visivelmente drogado e o coração dele não deve ter aguentado” e “o mais provável é que o garoto tenha morrido após correr das pessoas que saíram atrás dele”.

Não é, no entanto, o que revelam incontestavelmente as imagens chocantes divulgadas pela Ponte Jornalismo na tarde de sexta-feira (03/03). No vídeo, vemos o momento exato da extrema barbárie em que o menino de calças arreadas, corpo franzino, meio inconsciente e já quase sem vida é arrastado pela rua por dois homens uniformizados e com características físicas idênticas às dos agressores indicados no depoimento de Silvia Helena Croti. Reprisemos: gerente (magro alto e branco) e segurança (gordo, estatura mediana e moreno).

Quando se trata de cumprir o projeto de encarceramento em massa dos jovens negros do Brasil, nos processos contra acusados da prática de delitos da lei de drogas, em 74% dos casos as únicas testemunhas existentes são os policiais que participaram da prisão e, em 91% destes processos, o desfecho é condenatório.

Por outro lado, no local e no momento dos fatos relacionados à morte de João Victor, embora a testemunha Silvia Helena Croti tenha tentado contar aos policiais militares o que havia acontecido, disseram-lhe que não poderia ser testemunha pois era ‘noia[7].

“A gente só quer a verdade”

Com essas palavras, o reciclador Marcelo Fernandes de Carvalho, pai de João Victor, lamentou a morte cruel, prematura e injustificável do filho e resumiu o anseio desolado da família da vítima.

A sociedade brasileira, no entanto, deve exigir mais do Estado e de si mesma.

Sabemos que a vida do negro e do pobre não valem nada ou quase nada no Brasil, mas os agentes estatais devem ser cobrados para que cumpram suas funções de investigar, julgar e estabelecer as responsabilidades penais dos envolvidos na morte de João Victor.

As responsabilidades cíveis da empresa em questão também precisam ser perseguidas.

Vale recordar que o desprezo pela dignidade humana por parte da rede de fast-food não vem desacompanhada de um passado recente de desprezo por outros pilares da democracia.

Em março de 2016, depois de desencadear entre seus 22 mil funcionários e em suas 430 lojas campanha convocando clientes a participarem dos protestos realizados contra o governo de Dilma Rousseff, a Justiça do Trabalho determinou que a rede de lanchonetes se abstivesse “de obrigar seus empregados a participarem do evento político, isto é, de trabalharem em qualquer tarefa atinente à campanha ‘fome de mudança’”.

Será necessária uma decisão judicial determinando que o Habib´s se abstenha também de promover o assassinato de garotos pobres que pedem esmolas nas portas de seus estabelecimentos?

Um menino morreu. Uma vida em troca da defesa da propriedade e do bem estar dos consumidores.

Não existem justificativas para as atrocidades cometidas contra João Victor e, como bem nos indaga Bertolt Brecht, “sendo o pão da justiça tão importante, quem, amigos, deve prepará-lo”?

Giane Ambrósio Álvares é advogada, mestre em Processo Penal pela PUC/SP e membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares. 

 

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Redação

5 Comentários

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  1. Vocação pra pau-mandado

    São os subalternos com atitudes como essa que perpetuam injustiças de toda a espécie.

    Uma versão maior e mais variada daquilo que um tal de Fanon escreveu como “mais brancos que os próprios brancos”.

    Pensemos, inicialmente, que a criança foi agredida. E que os autores negaram o que fizeram.

    Habibs nunca mais.

  2. Já detestava os produtos

    Já detestava os produtos dessa loja. Muito ruins. Agora que eu e toda minha família não colocamosmais o pé nessa loja. E por toda minhavia fareipropaganda contra.

  3. Fui a esse lugar se não me
    Fui a esse lugar se não me engano duas ×. Quer dizer ja faço boicote porque detesto o que eles produzem, agora .vou fazer boicote porque matam crianças.Escrever essa frase foi muito doloroso, horrível mesmo.

  4. João Victor não foi arrastado

    João Victor não foi arrastado pelas circunstâncias da vida.

    João Victor foi arrastado por dois explorados pela ganância.

    João Victor deveria ter sido carregado nos braços por um.

    Mas ele foi arrastado pelos dois braços, por dois.

    Dois explorados pela ganância.

    Que vão pagar pelo crime que cometeram.

    Em nome da ganância.

    Não sua, mas dos que os exploram.

    Essa é a realidade nua e crua.

    João Victor foi uma vítima.

    Morreu cedo.

    Antes de se tornar algoz.

    Porque todo algoz social, um dia, já foi vítima.

  5. Este blog
    Também é responsável pela lavagem cerebral a que submetem negros pelo mundo a fim de limitar suas oportunidades na vida.

    O crime em questão não tem qualquer indício de crime racial a não ser pelo fato da vítima ser negra. Mas serviu para aquele artigo de sempre vitimizacao toda uma população de negros do Brasil.

    O objetivo fim desta lavagem cerebral e fazer com que o negro se veja diferente na própria sociedade a que pertence.

    É uma agenda de ódio aos negros que usa a ignorância de alguns e ganância de outros.
    Os movimentos negros são os maiores responsáveis.
    O prepúcio é fazer com que a massa negra fique inviabilizada e separada do chamado Povo.
    Assim o objetivo é o de sempre, dividir para conquistar. O resultado será O Povo brasileiro E os negros do Brasil, da mesma forma como foi FEITO em outros países.
    Entendeu a quem serve este movimento?
    E usam o mesmo mecanismo com todas as minorias.

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