Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

E o Verbo se fez carne de celebridade em “Antiviral”

 

Em um futuro próximo, a relação com as celebridades será tão obsessiva que todos desejarão entrar em “comunhão biológica” comprando vírus e enfermidades exclusivas dos famosos e comendo carne processada com células de seus ídolos. Assistindo ao filme canadense “Antiviral” (2012) percebemos que o diretor Branon Cronenberg (filho do conhecido diretor David Cronenberg) sugere o elemento religioso por trás da nossa civilização das imagens e das celebridades. Mais precisamente, o mistério do “dogma revelado” (a misteriosa união entre o Verbo e a carne representada por Jesus Cristo) estaria motivando todo o culto fetichista pelas imagens na atual indústria do entretenimento, mas dessa vez não mais por meio de uma comunhão simbólica através da hóstia e vinho, mas agora por meios tecnológicos e mortais.

Na Bíblia o Evangelho Segundo João nos oferece dois versículos que são fundamentais para entendermos os mecanismos arquetípicos presentes na atual cultura das celebridades repercutida pela civilização das imagens: “E o Verbo se fez carne”, diz o versículo 14 do capítulo primeiro; “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne. Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a comer a sua própria carne? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos”, versículos 51-71 do capítulo 6.

Se o pesquisador em Midiologia, o francês Regis Debray, estiver certo de que há uma linha de continuidade entre a civilização das imagens atual e os Concílio de Nicéia no ano 787 que estabeleceu o mistério da Encarnação de Cristo (o Eterno que se tornou carne, o Infinito que se tornou finito) e a representação do Invisível por meio de imagens, então Hollywood deveria erguer uma estátua em homenagem a São João.


O cristianismo é a única das três religiões monoteístas que ousou mostrar imagens antropomórficas do Criador e a “visão beatífica”, o êxtase da contemplação por meio das imagens. E o culto de Jesus Cristo que permitiu tratar o Eterno como fosse uma pessoa utilizando cinzel ou pincel. Com Javé ou Maomé no comando da cultura Ocidental, certamente não teríamos Hollywood, cinema, fotografia e toda a civilização das imagens. Pelos menos não na configuração atual, como culto fetichista de celebridades.

Brandon Cronenberg no filme “Antiviral” vai ao âmago dessa natureza religiosa de toda sedução pelas imagens: se no cristianismo a comunhão com Cristo é feita de uma forma simbólica por meio da Eucaristia, aqui a comunhão com a “visão beatífica” das celebridades será radical, por meio de uma estranha “comunhão biológica” graças a uma tecnologia de embrulhar o estômago. Com sequências bizarras e ideias excêntricas, Brandon Cronenberg segue os passos e os temas do seu pai David Cronenberg (as mutações do corpo através do desenvolvimento tecnológico) e nos apresenta a angústia radical dos fãs em, de alguma forma, conectar-se com uma suposta essência sagrada ou metafísica contidas nas celebridades.

E a angústia dos fãs será a própria angústia religiosa da fé, a angústia diante do mistério seminal atualizado através da civilização das imagens: como um espírito pode tomar um corpo? Como o Infinito e Eterno se mostra para nós de forma inversa, como carne finita? Que estranho mistério é esse sobre o qual foi construída toda a cultura Ocidental das imagens e da representação?

O Filme

Em um futuro próximo, o culto às celebridades assumirá grandes proporções ao ponto de surgirem uma série de produtos e serviços de apoio a essa obsessão. Como não poderia deixar de ser, o poder aquisitivo determinará a separação entre fãs comuns e aqueles que buscarão uma comunhão “real” com as celebridades.

Os mais ricos buscarão a “comunhão biológica” oferecida pela Clínica Lucas – “para o apreciador da Verdade”, diz o seu slogan. A Clínica promete inocular em seus clientes micróbio e vírus de enfermidades contraídas por celebridades. Dessa forma, o fã experimentará uma relação carnal com seu ídolo por meio de uma doença.

Syd March (Caleb Landry Jones) é um dos vendedores da clínica, responsável em colher amostras de sangue da celebridade (isso se transforma em uma fonte de renda a mais para os famosos) e levar para a clínica. Por meio de uma máquina chamada console ReadyFace, os micro-organismos são protegidos contra cópia ou pirataria: a enfermidade será exclusiva do comprador, tornando-a não-contagiosa.

Secretamente Syd faz parte de um mercado negro de vírus de celebridades onde o código anti-pirataria é quebrado e as enfermidades são vendidas. Um submundo violento e que oferece produtos bizarros como carne processada a partir de células de celebridades. A comunhão biológica chega às raias do canibalismo! Em sequências bizarras são mostrados laboratórios em porões onde são cultivados “jardins de células” para, mais tarde, serem vendidos “bifes de celebridades” – coisas nojentas como carne feita a partir de verruga genital de um famoso.

Mas o principal objeto do desejo do mercado é mesmo os vírus das celebridades. Enquanto a carne de celebridade é vista como algo mais grosseiro, a conexão viral é investida com um significado mais espiritual e divino.

Mas Syd que ser mais do que um traficante de vírus. Ele inocula nele mesmo um pouco de cada amostra para também alcançar essa comunhão até que sua sorte muda drasticamente: obcecado pela modelo alemã Hannah Geist (Sarah Gadon – o sobrenome é simbólico, “Geist”, “espírito” em alemão) inocula o vírus dela em si mesmo antes de comercializar a amostra, para depois descobrir que a modelo morreu e que o vírus de Hannah pertence a uma sinistra conspiração que envolve disputas por territórios no mercado negro.

Syd está com os dias contados, adiando a sua morte com um antivírus, enquanto corre contra o tempo para entender a conspiração e encontrar um antídoto.

O mistério do Dogma Revelado e as imagens

Para Regis Debrays em seu livro “Curso de Midiologia Geral” a atual cultura das imagens e das celebridades é atualização de uma questão teológica central: o mistério do dogma revelado da chamada “união hipostática” entre o Verbo e a Carne, entre Infinito e finito, representado na figura de Jesus Cristo. Se for verdade que a Igreja Católica foi a primeira máquina de crença baseada na irradiação de imagens e o Concílio de Nicéia a primeira estratégia midiológica da História, Cristo foi a primeira celebridade mundial, o modelo seminal de criação de imagens para culto e adoração fetichista que se perpetua de forma secularizada na indústria do entretenimento.

>>>>>>>>>>>> Leia mais>>>>>>>

 
 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador