“Lua de sangue”: lendas mitos sobre o eclipse lunar

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Incas, mesopotâmicos, hindus, povos ancestrais da América e África: todos construíram interpretações sobre os eclipses. Vale conhecê-las — mas, também, contemplar o fenômeno em si mesmo…
 
 
Por Daniel Brown
 
Tradução: Inês Castilho
 
Em Outras Palavras
 
Milhões de pessoas tiveram a oportunidade de ver um eclipse lunar  – evento popularmente conhecido na mídia como “lua de sangue” – nesta sexta-feira, 27 de julho. Visível para a maior parte do mundo – somente a América do Norte e Groenlândia deverão perdê-lo – ele deve ser o mais longo deste século, de modo que houve muito tempo para dar uma olhada.
 
Durante o eclipse, a Lua cheia se move em direção à sombra da Terra lançada pelo Sol e fica momentaneamente escurecida. Alguma luz do sol ainda alcança a lua, refletida pela atmosfera da Terra, iluminando-a com um brilho que vai do cinza ao vermelho-escuro, dependendo das condições atmosféricas.
 
Como professor de astronomia, o termo “lua de sangue” é um problema para mim, já que sugere algo diferente de um eclipse lunar e evoca a imagem de uma lua cintilando em vermelho-púrpuro, o que não é de modo algum verdadeiro. Mas, como astrônomo cultural que sou, vejo que expressa algumas formas interessantes pelas quais a sociedade moderna cria suas histórias sobre o céu.
 
O eclipse lunar tem fascinado culturas em todo o planeta, e inspirado mitos e lendas curiosos, muitos dos quais retratam o evento como um presságio. Isso não é surpresa, visto que qualquer coisa que interrompa os ritmos regulares do Sol ou da Lua têm forte impacto sobre nós e nossas vidas.
 
Maldade da lua
 
Para muitas civilizações antigas, a “lua de sangue” vem com intenções demoníacas. O povo inca interpretava o colorido vermelho profundo como um jaguar atacando e comendo a lua.  Acreditavam que o jaguar voltaria então sua atenção para a Terra, de modo que as pessoas gritavam, agitavam suas lanças e faziam seus cães latir e uivar, esperando fazer barulho suficiente para afastar o jaguar.
 
Na Mesopotâmia antiga, um eclipse lunar era considerado um ataque direto ao rei. Dada sua habilidade de prever um eclipse com razoável precisão, eles colocavam um procurador do rei enquanto durava o fenômeno. Alguém considerado dispensável (não era um cargo popular…) representava o monarca, enquanto o verdadeiro rei se escondia e esperava o eclipse passar. O rei substituto então desapareceria, convenientemente, e o velho rei era reconduzido ao trono.
 
Algumas lendas hindus interpretam os eclipses lunares como resultado do demônio Rahu beber o elixir da imortalidade. Deidades gêmeas, o Sol e a Lua logo decapitavam Rahu, mas como ele havia tomado o elixir, sua cabeça permanecia imortal. Buscando vingança, a cabeça de Rahu caça o Sol e a Lua para devorá-los. Quando os alcança temos um eclipse – Rahu engole a Lua, que reaparece em sua cabeça cortada. Para muitos povos na Índia, um eclipse lunar traz má sorte. Água e comida são protegidos, e são realizados rituais de limpeza. Mulheres grávidas não deviam comer ou fazer serviços domésticos, de modo a proteger a criança não nascida.
 
Uma face mais amistosa
 
Mas nem todos os mitos sobre o eclipse são marcados por tais maldades. As tribos de nativos americanos Hupa e Luiseño, da Califórnia, acreditavam que a Lua estava ferida ou doente. Depois do eclipse, precisava então ser curada, seja pelas esposas da Lua ou pelos homens da tribo. Os Luiseño, por exemplo, cantavam canções de cura para a lua escura.
 
Muito mais edificante é a lenda do povo Batammaliba, do Togo e Benin, na África. Tradicionalmente, eles viam o eclipse lunar como um conflito entre o Sol e a Lua – um conflito que o povo precisa encorajá-los a resolver. É, portanto, um tempo em que antigas disputas devem ser colocadas de lado – uma crença que permanece até hoje.
 
Nas culturas islâmicas, os eclipses tendem a ser interpretados sem superstição. No Islã, o Sol e a Lua representam respeito profundo a Alá. Por isso, durante um eclipse são cantadas preces especiais, inclusive a Salat-al-khusuf, uma “prece para o eclipse lunar”. Ambas pedem perdão a Alá, e reafirmam sua grandeza.
 
Uma história ilusória
 
Voltando ao sangue, o cristianismo equiparou o eclipse lunar à ira de Deus, associando-o frequentemente com a crucificação de Jesus. É notável que a Páscoa seja o primeiro domingo depois da primeira lua cheia da primavera, assegurando assim que um eclipse nunca cairá no domingo de Páscoa, que marca, potencialmente, o Dia do Julgamento.
 
O termo “lua de sangue” foi popularizado em 2013, após o lançamento do livro Quatro Luas de Sangue, do pastor John Hagee. Ele promoveu a crença apocalíptica conhecida como “profecia da lua de sangue”, destacando uma sequência lunar de quatro eclipses totais que ocorreram em 2014 e 2015. Hagee nota que os quatro caíram em feriados judaicos, o que aconteceu apenas três vezes antes – cada um deles, aparentemente, marcado por maus eventos.
 
A profecia foi rejeitada por Mike Moore (secretário geral dos Testemunhas Cristãs para Israel) em 2014, mas o termo ainda é usado regularmente pela mídia e tornou-se um sinônimo preocupante de eclipse lunar. Diante disso e das duradouras superstições, é inútil para os comunicadores da ciência tentar lembrar que não há nada a temer na chamada “lua de sangue”. O fenômeno pode ser impressionante e o mais longo do século, mas é simplesmente um eclipse.
 
Assim, ao usar o termo “lua de sangue” estamos combinando superstição com ciência, do mesmo modo que a lenda hindu de Rahu fornece uma descrição lendária da mecânica orbital lunar. A “lua de sangue” atrai interesse para o céu e eclipses lunares, mas ao invés de esperar julgamento e destruição, melhor vê-los na linha da interpretação islâmica – como uma ilustração monumental dos movimentos fascinantes e reais do nosso sistema solar.
 
De modo que minha sugestão é: observe cada eclipse lunar como a maneira do céu se revelar a você. Dê a ele seu próprio nome, seu próprio significado, e usufrua dele com seus amigos e família. Penso que assim verá que o termo “lua de sangue” não faz justiça à maravilha que está observando.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

3 Comentários

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  1. beleza de post, parabéns e muito obrigado pela aula…

    post repleto de informações interessantes sobre como o céu já afetou, afeta e ainda afetará por muito tempo as habilidades intelectuais e emocionais dos seres humanos

  2. Lua de Sangue

    Prática semelhante a dos Incas ocorria com os tupinambás dos séculos XVI e XVII. 

    Conhecedores do eclípse da Lua, “jaceí-puiton”, quando ela surgia vermelha como sangue, os tupinambás acreditavam que era por conta de uma estrela vermelha chamada Jaguar que seguia ao seu encalço para devorá-la. Acreditando que iriam morrer quando viam a Lua assim, nessas acasiões, todos os homens pegavam seus bastões, voltavam-se para ela, batendo no chão com toda força e gritando: “eicobé cheramoin goé, goé, goé… eicobé cheramoin goé”. “Boa saúde, meu avô, au, au, au… boa saúde meu avô”. E as mulheres acompanhavam com gritos, choros e lamentos.

     

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