A participação chinesa nas licitações

Do Valor

Governo quer frear China em licitação pública

Sergio Leo, de Brasília
22/07/2010

Preocupado com a crescente competitividade de produtos da China nas licitações públicas, especialmente nos ministérios da Saúde e da Defesa, o governo vai chamar representantes da indústria, em setores como o têxtil, o farmacêutico e o de calçados, para definir uma “margem de preferência” ao fornecedor nacional. Essas margens serão fixadas na regulamentação da medida provisória editada nesta semana com alterações na legislação de compras governamentais. Segundo a medida, o governo pode optar por preços de fornecedores nacionais até 25% superiores aos dos concorrentes internacionais.

Manufaturas e serviços com inovações e avanços tecnológicos desenvolvidos no país poderão ser beneficiados com margens de preferência ainda maior que os 25% previstos. Além disso, o governo poderá definir como “estratégicos” bens e serviços de tecnologia de informação e comunicação que só poderão ser fornecidos por empresas que desenvolverem no país a tecnologia fornecida, como já se faz em outros países, como nos Estados Unidos, com encomendas do Pentágono.

Outra novidade da medida, a ser regulamentada nos próximos meses, é a permissão a instituições de ensino superior federal e centros tecnológicos para contratarem obras e comprarem sem licitação, por meio de fundações de apoio à pesquisa, equipamentos, materiais e outros insumos. As compras terão de se destinar a laboratórios para atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica.

AmeA medida provisória, anunciada em maio dentro do pacote de medidas de apoio à indústria, foi justificada pelo governo como uma forma de reproduzir, no Brasil, o tipo de preferência aos fornecedores nacionais adotado por Estados Unidos, China e Colômbia, entre outros países, usando o poder de compra governamental para incentivar investimentos e geração de empregos. Os empresários nacionais em setores como o têxtil se queixam de que não conseguem competir com fornecedores asiáticos, que têm apoio oficial e condições de produção mais favoráveis que as do mercado brasileiro, submetido a alta carga tributária, juros elevados e câmbio valorizado.

Os ministérios da Defesa e da Saúde já vinham trabalhando em propostas próprias de mudança na lei de licitações para dar competitividade aos fornecedores nacionais. No Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Ministério da Educação conseguiu explorar os limites da lei para dar preferência a fornecedores nacionais de uniformes, móveis e outros materiais de uso.

No FNDE, entre outras medidas, as compras passaram a ser feitas em lotes menores, com exigências de padrões técnicos específicos, de acordo com os órgãos nacionais de metrologia, o que reduziu o interesse dos concorrentes estrangeiros. Mas os responsáveis pelas compras do governo se queixavam da falta de amparo legal para dar preferência a fornecedores nacionais, especialmente pequenas e médias empresas, como explicitado na política industrial do governo.

O Exército chega a prever compras superiores a R$ 105 milhões anuais em uniformes, segundo argumentou o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao determinar aos assessores a elaboração de uma proposta para compras do setor, que ele pretendia ver concluída ainda no ano passado. Jobim foi alertado para o problema há cerca de um ano, quando uma licitação de cerca de R$ 10 milhões foi vencida pela empresa que optou por usar o tecido chinês, muito mais barato que o similar nacional. Essa tem sido a norma na compra de uniformes para as Forças Armadas, segundo os responsáveis pela medida provisória publicada terça.

O limite de 25% de preferência para os fornecedores nacionais foi fixado por insistência do Ministério da Fazenda, e o decreto de regulamentação da medida provisória fixará limites de acordo com estudos setoriais ainda em preparação. O governo prevê também a cobrança de “compensações” comerciais, industriais ou tecnológicas por parte dos fornecedores beneficiados, sob a forma de facilidades de financiamento, por exemplo. Segundo um técnico que participa das discussões, não há interesse em adotar, sem sérios ajustes, os estudos preparados pela própria iniciativa privada, que reivindica margens muito maiores que a de 25% – em têxteis, por exemplo, os empresários alegam que necessitam margens superiores a 30% para competir com os chineses. 

Indústria festeja, mas especialista acha que medida pode ser contestada

João Villaverde, de São Paulo
22/07/2010 

Quando instituída, a Medida Provisória (MP) que dá prioridade ao produto nacional nas licitações de compras públicas será a “Buy Brazilian Act”, diz Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), em referência ao “Buy American Act”, lei aprovada pelos Estados Unidos em 1933, durante a recuperação do pós-crash de 1929. “Em economia, especialmente no campo industrial, temos sempre de olhar com atenção para o que vem dos EUA, porque eles se industrializaram com estratégias desse tipo”, diz Almeida, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O apoio da indústria, contudo, não é partilhado por outros segmentos. Além do risco de aumento de preços, a medida poderia ser contestada nos organismos multilaterais de comércio.

Para Almeida, a medida é acertada porque desarticula as “desigualdades de competição” entre o produto nacional e o importado. “A principal diferença é que o governo não paga Imposto sobre Produto Importado (IPI), o que deixa o competidor estrangeiro com um produto mais barato”, diz ele. A ideia de colocar um teto de preço de até 25%, portanto, fica “no meio do caminho” entre “a diminuição de desigualdades e o incentivo à ineficiência”. Segundo o Valor apurou, a medida divide analistas industriais, especialistas em comércio exterior e políticos.

Segundo José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a MP será contestada “tão logo receba o decreto presidencial”. O país é signatário da Organização Mundial do Comércio (OMC), cujo regimento interno incentiva a participação de todos os países em licitações públicas. Além disso, por fazer parte do Mercosul, o Brasil também não pode inibir que empresas argentinas, uruguaias ou paraguaias disputem licitações do governo. “A OMC e o Mercosul vão criticar a medida brasileira, que, pior de tudo, vai atrapalhar futuras negociações bilaterais ou mesmo acordos com os países da União Europeia, que poderão usar essa medida como subterfúgio”, diz Gonçalves, que foi ministro da Indústria e Comércio em 1998.

Para o especialista em relações exteriores, o país precisa “se habituar com uma economia aberta e competitiva, onde estrangeiros podem ter produtos mais baratos, reduzindo inclusive os gastos públicos, que serão mais elevados com um equivalente nacional mais caro”, diz Gonçalves.

Segundo Luiz Paulo Vellozo Lucas, presidente do Instituto Teotônio Vilela, órgão de discussões políticas do PSDB, a medida vai encarecer os produtos nacionais, além de desestimular a competição. “O instrumento é muito bom, pois compras públicas de fato estimulam o desenvolvimento econômico, mas não nas mãos de gente sem preparo para tanto. Do jeito como as coisas foram levadas na compra dos jatos franceses, que não transferem tecnologia nem geram empregos, e na alteração da Lei do Petróleo, temo que essa MP incorra no erro de sempre, isto é, de direcionar as compras públicas”, diz.

Para Paulo Francini, diretor de Pesquisas Econômicas da Fiesp, a ideia de países privilegiarem sua produção industrial doméstica por meio de contas públicas “é mais antiga que andar a pé”. Para Francini, trata-se de expediente “usado incansavelmente por todos os países que se industrializaram”, não constituindo, portanto, medida antiquada ou heterodoxa. “A China têm os melhores equipamentos e os mais baratos. Mas alguém acha que ela supre as compras do governo americano? Claro que não. A Embraer só existe porque as Forças Armadas compravam seus jatos e aviões”, diz ele. 

Luis Nassif

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