Banco Central se perde na análise da atividade

Do Estadão

Contradição entre ata e relatório irrita analistas

Segundo especialistas, relatório do fim de junho apontava alto risco para inflação; ata mostrou preocupação menor

Leandro Modé, de O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – A maior crítica de economistas de mercado à ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada quinta-deira é o tom contraditório em relação ao Relatório de Inflação publicado no fim de junho. Em conversas com analistas nos últimos dias, integrantes do Banco Central (BC) têm rebatido os ataques.

No relatório, cuja redação terminou no dia 18 de junho (a divulgação foi no dia 30), o BC escreveu, por exemplo, que “o balanço de riscos relacionados às perspectivas de inflação evoluiu desfavoravelmente desde a divulgação do último relatório (publicado em 31 de março)”. Em outras palavras, o risco de aceleração da inflação era maior em junho do que em março.

Na ata de quinta-feira, a autoridade monetária faz afirmação totalmente distinta. “Desde a última reunião (do Copom, em 8 e 9 de junho), reduziram-se os riscos à concretização de um cenário inflacionário benigno, no qual a inflação seguiria consistente com a trajetória de metas”. Ou seja, o risco de a inflação fugir da meta era menor no dia 20 de julho do que nos dias 8 e 9 de junho.

O que, afinal, teria mudado entre os dias 18 de junho (data em que o relatório terminou de ser escrito) e a realização do Copom – exatamente um mês depois – que justificasse a redução do ritmo de alta da taxa básica de juros (Selic)?

A visão da autoridade

O BC tem apresentado aos especialistas várias explicações. A principal delas diz respeito à forte desaceleração da atividade econômica, expressa pelos indicadores divulgados após a publicação do relatório de inflação.

O argumento da autoridade monetária é o de que, no segundo trimestre, a economia brasileira cresceu transitoriamente abaixo do potencial – um movimento exatamente contrário ao que ocorreu no primeiro trimestre, quando chegou a estar superaquecida, na visão do BC.

Essa acomodação entre abril e junho é explicada pela retirada dos estímulos fiscais concedidos pelo governo – sobretudo o IPI menor para a aquisição de veículos automotores – e pelos efeitos iniciais do aperto monetário implementado pelo BC a partir de fevereiro. No fim daquele mês, a autoridade aumentou os depósitos compulsórios dos bancos – o que, na prática, equivale a uma elevação do juro.

A isso se somam as incertezas em relação ao cenário externo, principalmente sobre a expansão da economia dos Estados Unidos – além das dúvidas que já existiam acerca da recuperação da atividade na Europa.

O BC também tem argumentado que o estouro da crise global provocou mudanças na forma de atuação das autoridades monetárias no mundo. A ideia é reagir rapidamente aos primeiros sinais de mudança de cenário.

Na visão da autoridade monetária, como a economia internacional ainda está bastante volátil, essas alterações súbitas devem ocorrer com frequência.

A explicação não convence a todos. Um analista que pede anonimato reclama. “Para entender o que o BC vai fazer com o juro, terei de ler jornais, em vez de acompanhar os relatórios de inflação e as atas do Copom.” 

Comentário

A análise do Relatório de Inflação do Banco Central é necessariamente prospectiva. Como juros levam tempo para fazer efeito, a única utilidade do relatório é estimar de quanto será a inflação nos próximos 6 ou 12 meses.

Em maio estava claro para quem tem um mínimo de percepção, que não se repetiria o ritmo de crescimento da economia no primeiro trimestre. Cansei de expor os pontos centrais que mostravam que, depois do salto do primeiro trimestre, haveria uma desaceleração no ritmo.

Ocorre que leva algum tempo para o ritmo da atividade ser captado pelos indicadores. Enquanto a atividade se desacelerava, o BC estrava sentado em cima de estatísticas que refletiam o passado, sem olhos para enxergar o que ocorria à sua frente. Tudo isso porque suas consultas se limitam aos economistas de bancos, jamais à prospecção da atividade real.

Luis Nassif

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