O mercado enfrenta o buraco negro dos fundos imobiliários, por Luis Nassif

Há quem previu que a mobilização bélica do mercado contra a CVM, deixará no chinelo a fronteira da Rússia com a Ucrânia.

Os fundos imobiliários se transformaram em um problema graúdo, e não apenas no Brasil. Há muitos fundos dos Emirados que adquirem imóveis vazios no centro velho de São Paulo. Depois, declaram em suas carteiras pelo valor médio dos imóveis comerciais de São Paulo, aumentando artificialmente o valor das cotas.

Essa prática se estendeu para os fundos brasileiros, obrigando a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) a agir.

É importante entender a lógica do setor.

Incorporadora de imóvel residencial praticamente não tem dívida. A empresa identifica um terreno, oferece ao proprietário 20% do negócios, monta o stand de vendas, e vende alguns apartamentos na planta – com os compradores tomando dinheiro emprestado na Caixa Econômica Federal ou no Banco do Brasil. Quem carrega a dívida, portanto, é o morador.

Já os fundos imobiliários constroem e compram imóveis ou CRIs (títulos de dívida de recebíveis imobiliários, geralmente de pouca liquidez) com o dinheiro dos cotistas. O valor de suas cotas depende da perspectiva de receita que, por sua vez, é influenciada pelas taxas de juros do mercado.

Quando as taxas aumentam, há uma queda no valor da cota, e vice-versa.

A matemática dos fundos

Confira o exemplo:

1. Determinado fundo rende 2% de juros ao ano. O investidor aceita pagar pelas cotas R $128,49 para ter direito a R $10,00 de rendimentos.

2. Aí a taxa de juros aumenta para 4% ao ano. Se tem outro investimento que ofereça 4% ao ano, o investidor vai exigir o mesmo do fundo imobiliário. O novo investidor aceitará pagar R $111,18 para que os mesmos R $10,00 representem 12% ao ano. Quem comprou cota a R $128,49, se quiser vender, terá que aceitar R $111,18, uma perda de 13,5% no seu patrimônio. 

3. Se a taxa aumentar para 12% ao ano, nesse caso, o valor da cota cairá para R $84,75, uma perda patrimonial de 34%.

O grande problema é que há mais de um milhão de investidores de fundos imobiliários que estão até 34% mais pobres – e não sabem disso.

O desafio impossível

Quando teve início o aumento dos juros, teoricamente deveria haver uma queda no valor das cotas, para se adequar ao novo patamar. 

Mas aí ocorreram duas distorções nos demonstrativos dos fundos.

A primeira, o fato de não estarem submetidos à chamada marcação a mercado. Por essa medida, diariamente as cotas dos fundos devem refletir os novos preços de negociação. Ou seja, se os novos investidores estão pagando R $84,75 pelas cotas, o fundo deverá informar que esse é o valor de mercado da cota. Como não existe, o investidor que adquiriu cotas a R $128,49 só vai se dar conta de que está 38% mais pobre quando for vender suas cotas.

A segunda distorção é a maneira como os fundos fazem sua contabilidade.

O correto seria montar o balanço, levantar ativos e passivos e distribuir o lucro. Eles não fazem isso: valem-se do regime de caixa, sem levar em conta princípios de contabilidade – como, por exemplo, a depreciação dos imóveis, os passivos futuros etc.

A CVM soltou um parecer, então, determinando a marcação a mercado nos fundos e a contabilidade pelo regime de competência. É a única maneira de não iludir os investidores.

Segundo o parecer, ao apresentarem suas demonstrações financeiras, os fundos devem reconhecer adequadamente a segregação dos valores distribuídos entre rendimentos e amortização de capital.

Se isso não ocorre, caso a distribuição dos resultados seja superior à soma do lucro líquido do exercício, com o montante de lucros acumulados (ou reserva de lucros) do exercício anterior, há uma “transação de restituição ou devolução de capital entre o fundo e os cotistas, com a transferência de recursos do patrimônio líquido da entidade para os detentores das cotas do FII”.

Ocorre que, sem seguir a o regime de competência, os fundos não reavaliaram o valor dos imóveis e dos CRIs, e continuam distribuindo dividendos em regime de caixa, não separando o que é recurso de dividendos e o que é dinheiro de cotista novo. Em outros tempos, esse jogo era chamado de Esquema Ponzi.

Aí, entra-se no dilema. A CVM determinou que o maior fundo da categoria, o Maxi Renda (MXRF11), administrado pelo BTG Pactual e gerido pela XP – com 500 mil cotistas -, monte o balanço pelo critério de competência. Fazendo isso, irão derrubar o valor da cota, o fundo vai registrar prejuízo e não poderá continuar pagando dividendos para os cotistas. Mas, se não tem lucro, como permitir que continue distribuindo dividendos? Os investidores estariam sendo enganados e pagariam uma conta pesada mais adiante.

Para conseguir recuperar rentabilidade, com o ingresso de novos cotistas, os fundos teriam que fazer milagres.

Imagine um fundo hipotético, com 10.00 cotistas, uma cota de R $500,00 de valor. A 2% precisaria pagar R $100.000,00 de dividendos. Supondo 150 imóveis, conseguiria isso com um aluguel médio de R $1.000,00 e 66,7% de taxa de ocupação.

Com a taxa de juros saltando para 12%, para manter os mesmos dividendos (com a entrada de novos investidores) teria que alcançar 100% de ocupação e aumentar o aluguel médio em 300% – desafio impossível.

Sâo 684 fundos no mercado, 399 listados em bolsa, com patrimônio líquido de 1,6 trilhão, 1,5 milhão de investidores

Há quem previu que a mobilização bélica do mercado contra a CVM, deixará no chinelo a fronteira da Rússia com a Ucrânia. Mas se a CVM recuar, estará atropelando os direitos de 1,5 milhão de cotistas de serem devidamente informados sobre o valor efetivo de seu patrimônio.

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. Não há fraude no sistema financeiro. O sistema financeiro é, em si, uma fraude
    Sua mercadoria, o dinheiro, não existe. É um direito futuro. Acreditar em dinheiro é a mesma coisa que acreditar que sua alma um dia irá ao paraíso.
    A moeda do corretor é outra.
    É a fé do investidor.
    Isso compra, para ele, tudo que o pequeno investidor sonha para si.
    Um fica no sonho, e o outro no gozo do que adquiriu.

  2. Com este Golpe os Fundos Europeus, mas principalmente NorteAmericanos não compraram 2/3 do Brasil? Ainda ouço a doutrinação (quase centenária) de Mirian Leitão: ” Precisamos exterminar o Risco Brasil. O Brasil precisa honrar sua palavra. Respeitar Contratos. O Investidor só virá com garantias sólidas e bla´, blá, blá…Ainda hoje, estamos baseando as Privatarias do Território, Soberania, Futuro Brasileiro garantindo ao “Dinheiro de Nuvens Estrangeiro”. Agora acrescido do Dinheiro de Internet em “itcons” da vida. Somente tendo o cérebro atrofiado por 92 anos de uso do cabresto. Não existe outra explicação. Não aprendemos com a história, nem com o óbvio. Depois de falidos estes fundos fazem como a ENROM que comprou a Energia Elétrica do Brasil, mas principalmente do Sudeste, um dos maiores mercados mundiais. Falimos, mas agora somos os proprietários. Querem de volta, comprem por 20 vezes o valor que pagamos. Somos a Pátria da Surrealidade. Ainda estamos discutindo a solidez dos Fundos Imobiliários e entregando a Pátria a esta aventura? Pobre país rico. 1 Neurônio apenas que funcione nem cérebro atrofiado por 92 anos de escuridão. Mas de muito fácil explicação. .

  3. Não se desqualifica um texto por eventuais erros ortográficos, o mais importante é saber transmitir o que quer dizer, e o artigo é respeitoso e faz indagações dignas de reflexão.

  4. Os valores patrimoniais são informados periodicamente. Dividendos, oficialmente, só são pagos por ações. Os Fundos Imobiliários pagam rendimentos mensais derivados do regime de caixa, de acordo com a lei que os regulamenta. Os investidores minimamente organizados sabem diferenciar a renda mensal (proventos gerados por alugueis, por exemplo) do ganho de capital (diferença entre os preços de compra e venda das cotas, descontando ainda as taxas cobradas pela B3). Não por acaso, os Fundos Imobiliários são considerados ativos híbridos.

  5. O Luis Nassif, falou várias m… gigantesca, isso aqui não é assim não. Não é Fundo (Gestor) que diz o valor do imóvel. Eles são obrigados a contratar uma empresa terceirizada, uma consultoria independente que faz a avaliação do imóvel no mínimo uma vez ao ano!

    Incorporadora de imóvel residencial praticamente não tem dívida. Não sabe de nada do mercado, não conhece p… nenhuma. Se ele estudasse um pouquinho sobre a bolsa e as empresas desse setor que quebraram ou deixaram de existir, ele não se atreveria a dizer uma bobagem dessas, vá estudar PDG, Gafisa e até dificuldades que a Cyrella teve.

    Quando as taxas aumentam, há uma queda no valor da cota, e vice-versa. Falou outra bobagem macro aqui! Comparou Renda Fixa a FII (sabemos que não é bem assim). Historicamente e do ponto de vista da correlação, os FIIs são muito mais sensíveis a uma mudança de Juros nos risco das NTN-Bs e no IMA-B 5. Não somente na Selic pura e simples!

    A primeira, o fato de não estarem submetidos à chamada marcação a mercado. Olha a outra bobagem enorme que falou aqui. Como você faz marcação a mercado de Prédio, Galpão logístico e Shopping?
    Por meio dos relatórios de reavaliação patrimonial anual (mínimo) e também pelo custo de reposição!
    O cara mistura preço de mercado com valor patrimonial!

    A segunda distorção é a maneira como os fundos fazem sua contabilidade. Nassif não se deu ao trabalho de ler a Lei 8.668 que regulamenta os fundos e entender que a distribuição é pelo fato gerador em caixa e não contábil.

    Disse que os Fundos não reavaliam os imóveis, misturou resultado contábil com caixa e pior, falou de dinheiro de aluguel com recurso de cotista novo. Mano do céu!

    Esse cara é um irresponsável!

    Só escreva do que você entende… e olhe lá!

    1. Prezado,
      primeiro passo, um bom curso de interpretação de texto. Vamos às questões:
      1. O preço de um imóvel – ou de qualquer outro ativo – corresponde à receita que pode gerar trazida a valor presente pelas taxas referenciais de juros. Só um ignorante para achar que o preço de um imóvel corresponde ao custo de reposição.
      2. A Selic impacta todas as taxas do mercado. O que interessa é seu movimento de alta ou baixa.
      3. A matéria falava justamente da decisão da CVM de trocar a distribuição de resultados pela contabilidade e não pela geração de caixa.
      4. Se o fundo contabilmente dá prejuízo, e continua distribuindo dividendos, é evidente que está avançando sobre o principal. E se não há uma contabilidade pelo critério de competência, fica muito mais difícil separar os recursos da geração de caixa (com prejuízo) do dinheiro novo.

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