Depois da bonança, conheça os efeitos do tsunami cambial

Jornal GGN – Alguns fantasmas da economia nacional, que pairavam em outras terras por dez anos, ressurgiram nas últimas semanas. Preocupado, o governo tomou medidas de emergência para conter o impacto do dólar, junto ao Banco Central. Especulações, previsões, cenário nebuloso em relação à valorização da moeda. Mas como e quando pagaremos essa conta, após a ligeira recuperação norte-americana e a redução da compra de títulos pelo Federal Reserve?

“Quando tudo parecia padronizado, parecíamos viver um conto de fadas de expansão e crescimento”, explica a professora da Escola de Administração da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Celina Ramalho. “Tínhamos um cenário de isenção de sistematização da balança comercial. Com a desvalorização do dólar, o cenário favorecia as exportações. O governo tinha como sustentar o índice de inflação até o cumprimento da meta. Importavam-se produtos com facilidade, e o mercado interno era suprido por esses bens – em particular, os de consumo semiduráveis e duráveis internos das famílias, já que o mercado nacional não é suficiente.  Mantínhamos as exportações para manter os preços. A medida também favorecia os investimentos, uma vez que eram bens de capital”.

Mas, passada a sombra da crise nos Estados Unidos e na Europa, o real em queda, a inversão do câmbio e o dólar valorizado, é hora de contabilizar aquilo que deixou de ser feito, no período de bonança. E pagar a conta. “No curto prazo, precisaremos de mais reais para comprar o mesmo produto a preço internacional, e a moeda estrangeira precisa de menor valor para consumir o produto nacional – e essa é a notícia boa. A ruim: não temos esturtura produtiva para atender ao volume maior. O consumo baseado em importados vai deixar de ser facilitado pois os produtos chegarão com valor mais alto. Os preços no atacado elevados e o produto em estoque mais caro chegam à metodologia de inflação do varejo. Moeda cai, inflação sobe, piora o padrão de consumo da população – sobem os preços, diminui oferta, preços mais altos. Uma parcela menor terá acesso a bens de consumo e para investimentos internos, que dependem de capital, tudo fica mais caro”.

Para os especialistas, a situação prejudica bastante a economia brasileira no longo prazo. E o que foi classificado como marola, agora toma ares de “tsunami”, deixando escombros, conforme lembra a professora Celina. “É preciso entender de economia e de geografia para entender esses movimentos”.

Lição de casa

Era previsível. Historicamente, desde os anos 70, a política de correção dos EUA já mexe nos padrões do tesouro nacional. Injetando moeda, a dívida pública norte-americana cresceu nos 50 anos anteriores. Criando títulos, em algum momento a situação estoura. A gota d’água foram as hipotecas, uma “receita de bolo” muito parecida. “O que estava anacrônico era o câmbio anterior. Durante um período o Brasil ficou com sua moeda muito valorizada em relação ao dólar. O câmbio serve pra ajustar diferenças de produtividade e inflação entre os países. Tivemos uma situação artificial de câmbio, o que prejudicou a indústria nacional e distorceu os fundamentos econômicos. Agora, quando a crise financeira começa a passar , começamos a voltar ao normal. Já é interessante analisar: não é que o dólar subiu artificialmente, mas sim, a situação anterior. Essa mudança vai afetar toda a economia. Temos problemas com a inflação, muitos produtos finais e insumos para produção industrial são importados, commodities agrícolas, minerais, energia (petróleo), tudo cotado em dólar. Olhando positivamente para o cenário, isso torna nossos produtos exportados mais baratos lá fora – podemos até exportar mais”, explica Alcides Leite, economista e professor da Trevisan Escola de Negócios.

Essa situação “anormal” pós-2008, com o sistema financeiro internacional quebrado, fez surgirem medidas para amenizar riscos de uma recessão. O Fed adotou uma agressiva política de juro zero para redução de liquidez. Mas, embora direcionada aos EUA, não se concentrou e transbordou ao redor do mundo todo. Situações macroeconômicas emergenciais atingiram os emergentes e também o Japão. “A liquidez quer azeitar o sistema financeiro a cada país, mas se espalha pelo mapa. Os Brics receberam uma quantia astronômica de recursos, em investimento estrangeiro direto e em ações e títulos. Natural que esse fluxo de liquidez tenha amenizado a taxa de câmbio. Além disso, ela foi direcionada para o setor de commodities, inflando o preço das agrícolas e metálicas. Como exímio exportador de commodities, o Brasil também recebeu essa liquidez”, explica Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Consultoria.

Porém, para o analista, os países que fizeram a lição de casa com esses investimentos estão sentindo menos o efeito em suas contas externas e também internamente. “O Brasil está sofrendo porque teve uma mudança na política macroeconômica, mais intervencionista, e isso deteriorou a percepção internacional. O crescimento do PIB tem sido decepcionante e atinge em cheio os países receptores”.

O PhD em economia, professor e pesquisador do Insper, José Luiz Rossi Jr., no entanto, acredita que isso não vai mudar as contas externas brasileiras – e que nem mesmo o Fed será tão “radical” assim nos cortes propostos. “ O programa de recompra de ativos ainda pode ser utilizado durante algum tempo. O Fed não vê necessidade, a situação dos bancos é melhor, e, por isso, desejam parar com a política de estímulos. Mas mesmo com o Brasil tentando conter as mudanças e crescendo 2% com renda per capita menor que a dos Estados Unidos, sinto que não seremos tão prejudicados como se profetiza pelos mercado. O efeito será bem menor do que todos estão imaginando, bem menos contundente ou dramático, apenas alterará nosso perfil de consumo”, conclui.

Redação

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