Midia, mercado e Focus, por Delfim

O ex-Ministro Antonio Delfim Netto tentou, por anos, uma cruzada para tentar dar racionalidade às expectativas de mercado. Presidiiu o Conselho de Economia da FIESP, convidou para membro alguns eméritos “cabeças de planilha”, empenhou-se em defender ajuste fiscal e política de metas inflacionárias, mas não apenas isso, visando erodir o pesadíssimo véu de ortodoxia que impedia qualquer discussão mais racional.

Aparentemente, jogou a toalha. Nos últimos tempos, passou a insistir em tese em que vimos batendo há tempos:

1. A ideologia e os interesses de grupos sempre se sobreporão à teoria econômica. Primeiro se definem os interesses; depois, a teoria que melhor se adequa a ele.

2. O poder de influência da velha mídia é parte intrínseca do modelo, pois é o que dissemina e legitima as expectativas que são geradas pelos departamento econômicos do mercado, Enquanto não houver uma mídia competitiva, não se sairá desse impasse.

3. A pesquisa Focus deveria, no mínimo, refletir as expectativas do setor bancário como um todo, e não apenas dos departamentos econômicos – com interesses muito mais arraigados na tesouraria, nos juros, do que no desenvolvimento econômico domo um todo.

 

Folha de S.Paulo – Antonio Delfim Netto: Iguais ao mundo
– 13/04/2011

ANTONIO DELFIM NETTO

Iguais ao mundo

O problema da inflação no Brasil é o mesmo de muitos países emergentes (e de alguns emergidos em estado de imersão).

Ainda que seja claro que a taxa de juros é um poderoso meio de controle do consumo e do investimento, é claro também que sua potência depende de muitos fatores, em particular da intensidade com que ela reduz o valor dos ativos (quando não indexados).

Por outro lado, parece que ela é o único instrumento capaz de acalmar os instintos diabólicos dos “falcões” do sistema financeiro e influir na sua construção das “expectativas” inflacionárias. Há dois fatos reconhecidos:

1º) As “expectativas” de inflação são um dos mais poderosos determinantes da inflação realizada.

2º) No Brasil, tais “expectativas” (distribuídas e avalizadas pelo boletim Focus, do Banco Central) são basicamente as mesmas do setor financeiro. Temos um processo de cruzamento endogâmico no mínimo suspeito.

Não adianta ficar triste ou reclamar. Essa é a vida. Trata-se de mais uma manifestação do processo perverso que pode por em xeque a democracia: quem controla a mídia acaba impondo a sua vontade! É por isso que é preciso uma mídia competitiva, agressiva, investigativa, diversificada, inteligente e ativa.

O grande inconveniente do mecanismo atual é que o BC acaba sancionando e oficializando uma estimativa de inflação que é a do próprio setor financeiro. O ideal é que uma estimativa tão restrita fosse distribuída pela Febraban [Federação Brasileira de Bancos] em nome dos intermediários financeiros.
O BC pode, e deve, estimular e financiar uma instituição independente séria a produzir um “frame” e um “questionário” adequados e estimar, com métodos estatísticos realmente robustos, as expectativas de inflação da sociedade.
Tudo isso não deve ilidir o fato de que estamos mesmo com pressões internas e externas muito complicadas, que produziram um aumento da taxa de inflação e desestabilizaram as “expectativas” ancoradas nos 4,5% dos últimos anos, o que leva os agentes a tentarem se proteger restabelecendo o processo de indexação que durante algum tempo os protegeram no passado.
Mas hoje todos sabemos que a indexação generalizada é só um instrumento para acelerar a inflação. Quando todos estiverem momentaneamente protegidos, a taxa de inflação instantânea será infinita!
O problema é grave e complicado e, por certo, não pode ser resolvido mecanicamente, manobrando apenas a taxa de juros. Sua solução exige cumprir o programa fiscal, o uso de medidas macroprudenciais e, acima de tudo, a eliminação de vez de todo resíduo de indexação que ainda intoxica a nossa economia.


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

Luis Nassif

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