O Projeto Ômega

Artigo no “Valor” de hoje, de autoria de Luiz F. de Paula e José Luis Oureiro, questionando os propalados benefícios do projeto Ômega: 

Do Valor

Projeto Ômega: triunfo financeiro?

José Luis Oreiro e Luiz F. de Paula
29/06/2010 

O Projeto Ômega, que pretende transformar São Paulo num centro financeiro internacional, prevê a criação de um mercado de moedas no país, a liberalização do câmbio e a internacionalização do Real, entre outras medidas (Valor, 19/02/2010).

O plano, que está sendo elaborado pelo setor privado, seria implementado em cinco etapas. Essas etapas foram sugeridas ao governo pelas três entidades envolvidas no projeto: a BM&FBovespa, Febraban e Anbima. Seu ponto nevrálgico, porém, é a conversibilidade do Real, com a correspondente extinção dos últimos resquícios de controles de capitais que ainda prevalecem na economia brasileira.

Os formuladores do plano acreditam que o mesmo trará uma série de benefícios para a economia brasileira entre os quais a criação de cerca de 2,4 milhões de empregos, sendo que cerca de 150 mil a 200 mil desse total no sistema financeiro. Os empregos criados com a implantação do projeto decorreriam do aumento do Produto Interno Bruto (PIB), resultado do maior desenvolvimento financeiro.

Com efeito, espera-se um extraordinário desenvolvimento do mercado de capitais: o mercado bancário cresceria entre 160% e 240%; o mercado de ações, de 25% e 40%; o mercado de derivativos, de 45% e 75%; e o mercado de gestão de recursos, de 50% e 110%.

A partir da experiência histórica de países emergentes que fizeram a liberalização cambial e financeira nos anos 1990 (o caso dos países do sudeste asiático) e na literatura empírica a respeito da relação entre liberalização da conta de capitais e crescimento econômico, não vislumbramos razões objetivas para o otimismo dos formuladores desse projeto. Pelo contrário, a liberalização cambial e financeira que o projeto em consideração prevê pode não só aumentar a fragilidade externa da economia brasileira, como ainda contribuir para uma maior apreciação da taxa real de câmbio, aprofundando assim a desindustrialização da economia brasileira, com reflexos negativos sobre o crescimento de longo prazo de nossa economia.

No que se refere ao alegado efeito positivo que a liberalização financeira traria para o crescimento de economias emergentes (como a brasileira), deve-se ressaltar que a literatura empírica não tem encontrado resultados conclusivos sobre essa relação. Com feito, segundo Eichengreen e Leblang (2002), no artigo “Capital account liberalization and growth: was Mr. Mahathir right?” é difícil identificar um efeito robusto da liberalização da conta capital sobre crescimento, uma vez que tais estimativas são sensíveis ao tipo de amostra e especificações da pesquisa. Nesse sentido, um estudo feito em 2003 por economistas do FMI conclui que: “…um exame sistemático das evidências sugere que é difícil estabelecer uma relação causal robusta entre integração financeira e desempenho do crescimento do produto” (Prasad et al, “Effects of financial globalization on development countries: some empirical evidence”, 2003). As estimativas realizadas pelos autores deste artigo num outro trabalho indicam que países com conta de capital conversível tendem a apresentar reduções na renda per capita.

Acrescente-se ainda que a liberalização financeira tem sido frequentemente associada a uma maior instabilidade, pelo fato de que os fluxos de capitais estrangeiros são fortemente pró-cíclicos, aumentando a amplitude das flutuações econômicas, quando não as causam. Em outras palavras, os desequilíbrios macroeconômicos em países emergentes com conta de capital aberta – tais como elevados déficits em conta corrente, desequilíbrios fiscais, fragilidade do sistema financeiro etc. – podem ser um resultado endógeno da liberalização cambial e financeira, seja em função de um afluxo excessivo de capitais externos seja devido a saídas abruptas de capitais para o exterior. Por exemplo, uma mudança repentina nas percepções dos investidores referente ao risco dos mercados emergentes pode resultar em uma enorme saída de capitais, podendo mesmo minar a viabilidade de um sistema financeiro como um todo.

Um outro efeito da conversibilidade do real seria a apreciação da taxa de câmbio. Com efeito, a retirada dos últimos controles de capitais existentes no Brasil aumentaria a atratividade dos ativos denominados em reais e, dessa forma, produziria uma mudança da composição de portfólio dos investidores internacionais em direção a ativos brasileiros. Isso irá resultar em grandes fluxos de capitais para a economia brasileira, resultando numa forte apreciação do câmbio.

Dada a situação atual de evidente sobrevalorização cambial, a qual se expressa em déficits crescentes da conta de transações correntes e perda de dinamismo da indústria brasileira, tudo o que o Brasil não precisa neste momento é de novos impulsos para a apreciação da taxa de câmbio. Pelo contrário, o Brasil precisa encontrar urgentemente formas de combater a apreciação cambial sob risco de ver aprofundado o seu processo de desindustrialização, iniciado em 1988, com as primeiras medidas de liberalização cambial e comercial, mas reforçado após 2005 devido à manutenção da política de juros altos por parte do Banco Central do Brasil num contexto de liquidez internacional abundante. Acrescente-se, ainda, que tal projeto criaria um “mercado financeiro livre e desregulamentado”, tal como o antigo “euromercado”, que poderia muito bem servir para os propósitos de especulação financeira e cambial (como no caso da especulação cambial que colocou um fim no sistema de Bretton Woods).

Nesse contexto, a implantação do projeto Ômega pode ser vista como a derradeira tentativa do capitalismo financeiro de assumir o comando da dinâmica da economia brasileira, suplantando assim décadas de hegemonia do capitalismo industrial. Se esse projeto for bem sucedido, o Brasil corre o risco de se tornar uma “ilha de bancos” cercada pela produção de commodities por todos os lados.

José Luis Oreiro é professor do departamento de Economia da UnB e Diretor da Associação Keynesiana Brasileira (AKB).

E-mail: [email protected].

Luiz Fernando de Paula é professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ e Presidente da AKB.

E-mail: [email protected] 

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador