Escola Militar é o avesso da educação cidadã, por Marcelo Mattos

A militarização de escolas públicas enfraquece o desenvolvimento das dimensões formativas que constituem uma educação de qualidade, como participação, criticidade e liberdade que a cidadania pressupõe

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Marcelo Mattos

“A gente não precisa que todo mundo seja soldado,mas todos nós precisamos ser cidadãos”.Prof. José Sérgio Fonseca de Carvalho

O nosso grande escritor Carlos Drummond de Andrade, além do exercício diário de magnífica lavra poética, também escrevia semanalmente nos grandes jornais. Numa época em que existia uma grande imprensa e jornalistas, logo após os vestibulares de 1977, o nosso poeta maior publicou uma crônica onde questionava a exigência da matéria em concursos e currículos escolares de Organização Social e Política do Brasil (OSPB)  “num país onde não existe nenhuma organização social e tampouco política“.

Passadas décadas após o fim da nefasta ditadura militar de 1964 nos defrontamos com uma encruzilhada insana, com a implantação de escolas cívico-militares no país sob a justificativa enfadonha de claro conservadorismo moral e disciplinar, do autoritarismo com base hierárquica e um civismo amorfo, embolorado. Com o golpe de 2016 abriu-se a antessala para o avanço de um intenso processo autoritário através da militarização do Estado, com cargos estratégicos sendo ocupados por militares e a sua incorporação às escolas públicas. Segundo o TCU, em julho de 2020, o número total de militares ativos e na reserva ocupando cargos civis no governo Bolsonaro era de 6.157 e que o referido número representava um aumento de 108,22% em relação a 2016, sobretudo nas áreas da Saúde e Socioambiental.

O presente projeto de instalação de Escola Cívico-Militar (instituído pelo Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares/Pecim – Decreto 10.004, de 05/052019) é baseado nas “práticas pedagógicas e nos padrões de ensino dos colégios militares do Comando Exército, das polícias militares”, ferindo um conjunto de normas que regulam a educação pública, como a Constituição FederalaLei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Plano Nacional da Educação (PNE).

O MEC em parceria com o Ministério de Defesa já implantou o Pecim em 53 escolas no ano de 2020 e ampliou para 74 escolas em 2021, tem a expectativa de implementar o Programa em mais de 200 unidades escolares até 2023, com a promessa que cada unidade receba o valor de R$ 1 milhão. É preocupante a expansão da militarização do ensino público: entre 2001 e 2018, houve um salto de 06 para 78 escolas militarizadas, sendo que, apenas entre 2015 e 2018, houve a militarização de 51 escolas – um aumento de 212%. Em 2019 outras 70 escolas foram colocadas sob gestão de militares nos estados. (ANDES Dossiê “Militarização do governo Bolsonaro e intervenção nas Instituições Federais de Ensino” ).

A defesa da escola pública democrática  A escola pública é de responsabilidade privativa do Estado e não pode se submeter ao alinhamento compartilhado e militarizado cujas diretrizes anacrônicas podemos tomar como base o atual governo federal, cujos militares são avalistas de um governo genocida e de uma política negacionista no descaso no combate à pandemia de Covid-19, com 563 mil mortes, mais de14 milhões de desempregados e cerca de 50% da força de trabalho ativa em empregos precários, o desmatamento de florestas, mortes de indígenas.

A substituição de educadores e servidores, aos quais se exige uma formação pedagógica e estatutária por militares, não apenas desvaloriza a profissionalização docente, como também desqualifica a escola pública como espaço de direitos e o exercício da cidadania.

A instalação dessas escolas cívico-militares representa um profundo golpe às redes públicas de ensino e principalmente ataque aos valores das liberdades democráticas, constitui-se como uma tática eleitoreira e de manipulação do medo, cuja intenção objetiva impedir o pensamento crítico dos jovens pobres e adestrá-los como mão de obrademonstrando que tais escolas acabam sendo a rota da exclusão e/ou uma passagem para o encarceramento, privando os jovens trabalhadores do acesso à cultura e à socialização do conhecimento.

A cooptação das forças policiais e escolas cívico-militares – A instalação das escolas cívico-militares conservadoras, impondo uma ruptura com as experiências em defesa da instituição pública de ensino iniciadas no período de redemocratização do Brasil, é parte da escalada autoritária bolsonarista de cooptação das polícias militares para a efetiva Militarização do Estado, onde a curto prazo, policiais podem suprir a necessidade de contratação de orientadores educacionais e dividirem a responsabilidade da gestão da escola. A médio e longo prazo, os PM´s poderão assumir completamente a direção das escolas e substituir parcialmente os professores regentes.

O cenário que se apresenta é da ascensão do alinhamento do ideário de extrema direita ao governo federal, em alguns governos estaduais e municipais, no Congresso Nacional, apontam para uma conjuntura absolutamente recrudescida, e pela escalada neofascista.

Escolas Cívico-militares em São Paulo  Sancionada pelo governador João Dória, a Lei 17.359/21, o projeto teve como autor o Deputado Ten. Coimbra (PSL), um recém-formado militar desconhecido e inexpressivo, eleito na onda abjeta do clichê bolsonarista-de-caserna. Segundo o citado parlamentar, que faz uma verdadeira peregrinação, uma cruzada marcial pelas cidades para forçar a implantação dessas escolas militarizadas, excludente e obscurantista, São Paulo será o Estado com o maior número de Ecim em instituições de ensino da rede pública estadual do Brasil.

Como sabemos, as experiências democráticas constroem-se por meio da participação livre, pautada dentro de uma agenda pública, senso crítico e nos espaços de exercício da cidadania. Somente uma pedagogia de resgate de uma escola pública fundada em princípios de liberdade democrática conduzirá às ações para um país devastado pelas desigualdades e pela falta de oportunidades educacionais para crianças e jovens.

A militarização de escolas públicas enfraquece o desenvolvimento das dimensões formativas que constituem uma educação de qualidade, como participação, criticidade e liberdade que a cidadania pressupõe.  

Marcelo Mattos é advogado, funcionário público aposentado, pesquisador em música, cultura caiçara e literatura.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

1 Comentário

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  1. A função da mídia patronal e burguesa não é informar, e sim formatar corações e mentes conforme seus interesses. Os donos do dinheiro grosso controlam também o ensino. As pessoas não sabem o que está acontecendo, e sequer sabem que não sabem. Quem controla o passado (Historia e outras Ciências Humanas) detém o poder no presente e determina o futuro! (Adaptações livres de Chomsky e Orwell)

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