O Portal do Planejamento e a luta contra o atraso

Dias atrás, o colunista Merval Pereira, de O Globo, aproveitou a história do Portal do Ministério do Planejamento, para desancar Afonso Almeida, Secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos e responsável pelo trabalho – que busca colocar na Internet documentos e avaliações sobre as políticas públicas do governo.

Ao longo dos últimos anos, Merval tem se colocado como defensor da racionalidade do Estado, das formas de gestão moderna, do uso dos indicadores e das avaliações como forma de controle público – embora sua opinião venha invariavelmente na forma de slogans.

No entanto, por questão eleitoral – alguém lhe soprou que Afonso seria um agente da Dilma infiltrado no Planejamento -, valeu-se de fofocas do meio burocrático para tentar fuzilar uma das mais importantes tentativas de modernização de gestão, que retoma os trabalhos pioneiros de José Paulo Silveira (do programa Avança Brasil, do governo FHC).

Provavelmente, Merval não tem a menor idéia do que existe por trás desses conceitos e desses trabalhos de reconstrução do estado nacional. E parece não se interessar em saber. Se for interessante brandir slogans supostamente modernizantes para atingir o adversário, que sejam brandidos; se for necessário ecoar críticas do corporativismo, que se ecoem.

Abaixo, uma entrevista com Afonso Almeida, para que se entenda a importância do Portal que foi provisoriamente abortado pela mania de escandalização da mídia. E que se aguarde que volte quando passarem esses tempos bicudos e o país puder discutir maduramente virtudes e vulnerabilidades das políticas públicas A gravação, em MP3, está anexada.

Qual é a lógica do portal?

Em função desse país novo que estava nascendo, que é mais dinâmico, com claramente um propósito de melhorar o consumo das populações menos assistidas, ancorado numa agenda forte de infra-estrutura e uma agenda forte de educação com as escolas técnicas, uma agenda forte do conjunto da área social do governo – credito agrícola, reajuste de salário mínimo, Bolsa Família – a gente começou a perceber que tinha que conhecer mais a política pública associada a um país diferente.

 Quando você fala ‘a gente’ está se referindo….

A gente, assim, o ministério, a nossa secretaria. Um debate que nós fizemos na nossa secretaria, que ela tem a responsabilidade de organizar o PPA (Programa Plurianual, que define as prioridades do orçamento a cada quatro anos) futuro não pendurado nos problemas do país, como era antigamente, mas pendurando nos desafios do país. E para pendurar as políticas públicas nos desafios, a gente tem atualizar o conhecimento da burocracia sobre as políticas públicas.

Na Esplanada não identificávamos nenhuma burocracia de Estado que tivesse a preocupação de consolidar o conhecimento sobre as políticas públicas, engatada na própria política. Porque uma coisa é você conhecer, avaliar, como o IPEA, ou conhecer de pesquisar, como o IBGE. Mas não o exercício de conhecer e engatar na política –  olha, o conhecimento, o estado da arte dessa política é essa, os desafios políticos são esses, e o melhor caminho para implementar esses desafios é aquele outro.

Então, nasceu daí a ideia não de criar o portal, mas de adquirir o conhecimento. Foi ficando tão forte, o conhecimento, no nosso entender, tão profundo, que a gente chegou na ideia do portal.

O que é essa estrutura que você tem nessa secretaria, e qual é a missão dela?

A secretaria é a, de certa forma, um pouco do definhamento do antigo SEPLAN (secretaria de planejamento), da  época em que o (José Paulo) Silveira implantou o PPA (Avança Brasil. Com o tempo, ela foi derivando para uma aproximação burocrática com o orçamento.

Só que com o tempo, você não pode fazer apenas análises quantitativas do que você tem no país, mas também análise qualitativa. Por que importa você ter análise qualitativa? Por exemplo: se eu adquiro 1 milhão de livros, e compro todos eles e coloco no estado de São Paulo, estou fazendo, executando,  uma boa política pública? Eu não estou, porque não necessariamente o estado de São Paulo está necessitando daquele 1 milhão de livros.

Então, um debate que foi sendo esquecido com o tempo, foi a questão da regionalização dos gastos. Hoje nós não temos nem no SIAFI (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal) nem em nenhum lugar, qualquer instrumento que diga onde que a administração pública está depositando seus produtos. Se você aperta, pergunta e tal, você pode conseguir de um ministério ou outro, mas isso não está organizado.

Se não está organizado, e a gente não pode fazer política pública às cegas, que é fazer política pública sem considerar a dimensão territorial.

Outro aspecto importante, que com o tempo a gente foi deixando de lado, é a questão do risco. Olha, como é que você executa política pública sem pensar no risco da sua inexecução ou da sua execução parcial? Não, você tem que considerar o risco. O que quê é o risco? Por exemplo, se um brasileiro abre um hotel na beira de estrada, ou um posto de gasolina, e depois a gente fica cinco anos se manter aquela rodovia, a gente está interferindo na economia de forma equivocada. Porque a gente tem que oferecer a condição mínima para o país funcionar.

Então o aspecto do risco é um outro importante. E um, que não deriva desses dois, é a nossa articulação. a forma tal que a gente gere os produtos certos, pra eles serem depositados nos lugares certos, e nas horas certas. Que a gente gere esses produtos, e ao mesmo tempo a gente faça a articulação federativa. Porque, senão, estados e municípios geram produto numa direção, a gente gera produto em outra direção. E você não consegue ter eficácia e efetividade naquilo que você está pretendendo, mesmo que tenha eficiência

07’09”

Agora quando você monta um diagnóstico desse, quais as fontes de consulta que vocês recorrem?

Toda a experiência da Secretaria, dos vários PPAs que ela já administrou, a literatura, e o debate constante que a Secretaria tem sobre políticas com os ministérios, no debate com a Educação, com o PAC, na Agenda Social. Agora, por exemplo, no debate de territorialização, nos fizemos um trabalho muito bacana , foi criar categorias de municípios, oferecer para a Casa Civil, para a gente sair do PAC exclusivo de Infraestrutura, mas pensar também em creche. Olha, se a gente não pensar em creche, entrega o recurso para o Ministério da Educação, e ele aloca as creches onde quiser. Não, vamos territorializar isso. Se nós vamos ter praças do PAC, praças da Juventude, UPAS e tal, como é que a gente vai organizar? A gente ofereceu uma territorialização, certo?!

A gente dividiu os municípios país em três grupos, e procurou fazer com que esse grupos funcionem.

O TCU tem feito uns relatórios interessantes, analisando os fins de cada programa, a lógica… Vocês, de certa maneira, trocam informações sobre essas lógicas?

Sim. Sempre que o TCU faz relatórios, nós lemos um relatório de avaliação… Por exemplo, todo ano a gente faz avaliação da estratégia de desenvolvimento prevista no PPA, todo o Congresso recebe, o TCU debate conosco. E a gente acompanha o TCU.

Qual é o problema? Como isso está difuso, às vezes o próprio órgão de controle não dá conta de perceber a dimensão do que está acontecendo. Porque num país dinâmico, com a força que a gente está se inserindo na economia mundial, nós ainda não achamos a mão de como fazer essa avaliação. Avaliação com que objetivo? Avaliação para organizar o orçamento do ano seguinte. Porque como na avaliação os resultado exigem indicadores que nem sempre nós temos apuração dos seus registros a tempo e à hora, isso acaba não se refletindo nos orçamentos seguintes.

Então quando aquela avaliação começa a ter efeito e vira um diagnóstico, já passou a hora de alocar, e já perdemos o tempo de alocar no eixo, ou no estrato correto, social ou espacial.

O que é sua estrutura hoje? Quantas pessoas, qual a formação?

A minha Secretaria, hoje, tenho até um amigo meu que trabalha na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), Ricardo Bierchoffer, que diz: a sua Secretaria é um luxo. Porque nós temos aproximadamente cem servidores. Não devo ter aqui um único servidor que não seja da estrutura do Estado de alguma forma. Não lembro de nenhum. Pode ser um, ou outro. Tem um dá Petrobras, outro do Banco do Brasil. Mas todo mundo de alguma forma é vinculado à administração. E tenho gente com mestrado, graduado, com doutorado, e as pessoas especialistas em suas áreas.

Eu divido a secretaria em quatro grandes áreas: uma é o Departamento de Planejamento Strictu Sensu. É um departamento que vai pensar o planejamento. Não vai pensar o planejamento da área social, de infraestrutura. Mas o planejamento em si. Ele é dividido em duas gerências: uma de Gestão Estratégica, que tenta em perseguir os números, as principais projeções, inclusive projeção do PAC; e uma Gerência do Conhecimento, que vai organizar o conhecimento das políticas públicas.

Daí, tenho um departamento de Infraestrutura, que cuida da Infraestrutura, um departamento hoje que tem muita força no PAC, acompanha todos os projetos do PAC. Nós fazemos aqui toda a liberação dos recursos do PAC, de todos os empreendimentos. É um filtro burocrático.

Nós temos um departamento da área Social, e um departamento da área Econômica e Especiais, como Turismo, Ministério de Desenvolvimento da Indústria e Comércio, Agricultura, etc, etc.

A que quê você atribui essa reação contra o conteúdo do portal? Às eleições ou tem brigas burocráticas no meio?

É lógico que anima à mídia criar polêmica com o governo. E é legítimo que ela fique animada. E é legítimo que na burocracia nós tenhamos divergências. Mas a mídia entrou no debate mais preocupado com a questão eleitoral, se a gente estava de alguma forma patrulhando os comentários técnicos, se isso não era partidarizar trabalho técnico…. Quando a mídia entrou por aí, é….ofereceu um caminho que pode anular a oportunidade que a gente ofereceu com muita honestidade.

O que a gente queria oferecer nesse portal? Apenas os debates legítimos. Por exemplo, reforma agrária: os índices de concentração de terra no Brasil ta bom. (15’45”) Acho que não tem ninguém que ache ilegítimo esse tipo de observação. Ou assim: a educação é um problema que deve se dividir com estado… a União não deve se envolver com ensino básico…com pré-escola, não sei o quê, tal… Era uma interpretação antiga, mas que hoje está vencida. Até, por orientação do nosso presidente, a União sempre que pode, está apoiando, em níveis de ensino inferiores.

Então, quando nós oferecemos isso, nós falamos: olha, que oportunidade para melhorar o conhecimento das políticas públicas de todo mundo!

A gente recebe ligação do pessoal do IPEA que fala: pô, mas quem que fez isso? A nossa burocracia. Porque nós estamos acostumados a sempre que precisamos de um documento sobre determinado assunto, a contratar um consultor, tal, a contratar fora. Não, nós recorremos a nossa burocracia, e a resposta dela foi muito boa.

Então, tem o aspecto da hora, de alguma contaminação por conta do ambiente político. Só que daí nós não podemos estragar a oportunidade por causa do debate. E, posso dizer, aí tem no campo do ilegítimo…aí queria fazer o seguinte comentário: é possível, veja bem, você imagina um documento de 3 mil páginas que um jornal pegue uma linha? Então, 3 mil páginas, nós devemos ter aí 60 ou 80 mil linhas, daí o jornalista pega uma linha, e aquela linha vira manchete. Porque é possível. Às vezes a pessoa te troca palavra…

18’01”

Você acha que passado esse período eleitoral o país estará maduro pra encarar uma discussão consistente sobre os problemas de governança?

Espero que sim. Quando tem esses movimentos, quando corre um debate agudo como esse, ele começa como um choque. Depois, nossa pretensão, é que isso vire paisagem. De forma tal que chegue um secretário executivo num ministério e fale: qual é à base da sua política? “Esse aqui é um documento gerado no mês passado, participaram esses atores”.

Ele organiza o documento, ele é dividido em dez sessões, ele organiza, inclusive a legislação está toda associada com link, a bibliografia correspondente, a territorialização correspondente. E aí uns documentos, lógico, uns documentos melhores, outros piores. Mas a gente fez um esforço de…em.

Olha, essa forma, ela é lógico que interessa pro país todo. Porque nós não podemos, Nassif… Quer ver uma questão que parece em vários documentos? Ninguém comenta isso, porque não há interesse. Nós temos hoje uma fragilidade institucional muito forte em cerca de 5 mil municípios. O que é essa fragilidade institucional? É quando eu pego o ciclo de execução da política pública, desde da sua formulação, implementação, monitoramento, avaliação e controle. Esses 5 mil municípios, aproximadamente, tem grande dificuldade de lidar com isso de forma burocrática. Então as prestações de conta ficam mal feitas, os projetos ficam mal feitos, as obras ficam inacabadas.

Então, pra mim é obvio que a gente precisa dar tratamento pra essa relação institucional pra esses municípios. Porque o déficit que temos hoje está migrando, a cada ano, pra essas regiões mais pobres.

Se a gente não buscar uma solução institucional pra esses municípios, de alguma forma, é lógico que a gente não vai superar o déficit que está apontado.

Parece uma coisa simples, mas ele é simples e ela é rica, porque ela nunca foi formulada desse jeito. Então ela aparece em vários documentos.

Mas ninguém está querendo discutir isso.                  

 

 

Luis Nassif

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