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Do Opera Mundi

Conflitos entre público e privado marcam início do novo governo espanhol

Ministros nomeados por Mariano Rajoy têm estreitas ligações com grandes empresas

Stella Bozilo | Madri 

Um ex-diretor do banco Lehman Brothers no comando da economia. Um acionista de companhias petrolíferas como ministro do Meio Ambiente. Um ex-diretor de uma fabricante de mísseis como ministro da Defesa. Esse é o perfil de apenas parte do polêmico novo governo da Espanha, liderado pelo conservador Mariano Rajoy (PP), que começou na prática nesta terça-feira (27/12), com a abertura da 10ª. Legislatura das Cortes Gerais Espanholas, presidida pelo Rei Juan Carlos

Lá estavam os novos ministros e secretários de Estado, que foram alvo de críticas na imprensa e nas redes sociais por suas relações estreitas com o setor privado. Dos 13 ministros nomeados, três vêm diretamente da iniciativa privada e tiveram que se desvincular das empresas e fundações para as quais trabalhavam a fim de evitar o conflito de interesses.

Efe

Três dos 13 ministros de Mariano Rajoy (centro) vêm diretamente da iniciativa privada; especialista vê problema ético

No dia 22 de dezembro, os internautas espanhóis levaram a hashtag “#Ministros” aos assuntos mais comentados do Twitter. A maioria dos comentários era sobre o novo titular da pasta de Economia, Luis de Guindos, que foi diretor da filial ibérica do banco Lehman Brothers entre 2006 e 2008. O banco esteve no epicentro da crise financeira de 2008, que começou com as hipotecas subprime dos Estados Unidos.  

O jornalista Miguel Ángel Noceda, que escreveu um perfil de Guindos no diário El País, alertou que o novo ministro deveria renunciar aos cargos de conselheiro na companhia elétrica Endesa, no grupo de comunicação Unedisa e do Banco Mare Nostrum. Guindos pediu demissão dessas empresas há poucos dias e também estará afastado da direção do Centro de Setor Financeiro da Pricewaterhouse Coopers e na IE Business School em Madri. Guindos trabalhou para a PwC logo após a quebra do Lehman Brothers em 2008 e, em 2010, entrou para a IE.

Outras áreas de conflito

O Ministério da Economia não é o único sobre o qual paira o risco de conflito de interesses com o setor privado. O novo ministro da Defesa, Pedro Morenés, acaba de afastar-se da diretoria da empresa de mísseis MBDA, com instalações nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália. Outro fato que chama a atenção na biografia de Morenés é seu cargo de assessor na Instalaza S.A., ocupado até o mês passado. Segundo a ONG norte-americana Human Rights Watch, a empresa fabricou as bombas de fragmentação que foram usadas por Muamar Kadafi contra a população líbia no começo deste ano.

O novo ministro da Cultura, Educação e Esporte, José Ignácio Wert, é outro que cortou vínculos privados. Ele era um dos comentaristas do programa de rádio Hoy por Hoy transmitido pela Cadena SER, líder de audiência na Espanha no período da manhã. Também era diretor da Inspire Consultores, empresa que atua nas áreas de administração e comunicação.  

Um caso particular é o do recém-empossado ministro da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente, Miguel Arias Cañete. Apesar de atuar no setor público há vários anos (seu último cargo foi o de deputado por Madri em 2008), Cañete tem 326 mil euros em ações da empresa petrolífera Ducar, de acordo com sua declaração de bens apresentada ao Congresso Espanhol. Além disso, está casado com Micaela Domecq y Solís-Beaumont, cuja família de origem nobre comanda o setor agropecuário na região de Jerez de la Frontera na Andaluzia. Segundo o articulista Alejandro Inurrieta do diário digital Cuarto Poder, a família recebeu 3,6 milhões de euros em subsídios estatais nos últimos anos.

Dentro da lei

Casos como os dos novos ministros enquadram-se na Lei Espanhola de Regulação de Conflitos de Interesses, de abril de 2006. É o que explica Manuel Villoria, um dos diretores da ONG Transparencia España, dedicada ao combate à corrupção no país, e professor do Instituto Universitario Ortega y Gasset, em Madri. A lei prevê o afastamento dos novos representantes públicos de sociedades privadas e também estabelece que os novos dirigentes com ativos financeiros superiores a 100 mil euros devem repassar sua administração e gestão a entidades financeiras registradas na Comissão Nacional do Mercado de Valores.

O professor comenta que, apesar de abrangente, a lei possui algumas limitações no âmbito prático. É regra que as declarações de patrimônio de ministros e senadores sejam publicadas no Diário Oficial do Estado. No entanto, as declarações referentes a interesses e atividades – onde constam, por exemplo, as perspectivas profissionais posteriores ao cargo público – são entregues à Seção de Conflitos de Interesses, subordinada ao Ministério da Fazenda e Administrações Públicas, e ali permanecem arquivadas, longe do alcance dos cidadãos. O órgão em questão tem a função de analisar os possíveis conflitos de interesses dos altos funcionários públicos a partir das declarações periódicas e das denúncias que recebe.

Outra informação mantida em sigilo por esta Seção é a declaração de repasse de ativos financeiros no caso das cotas que excedem o que é permitido por lei a cada representante público. Villoria comenta que esses sigilos seriam quebrados se fosse aprovada a nova Lei Espanhola de Acesso à Informação, que segue há meses tramitando no Congresso Nacional.

A Seção de Conflitos de Interesses apresenta ainda mais uma debilidade, de acordo com o professor: está sujeita às pressões políticas do ministério ao qual pertence. Villoria comenta que, para um subdiretor-geral do Estado, pode ser complicado exigir satisfações e pedir punições a ministros e senadores, que estão em postos hierárquicos mais elevados. “Temos uma lei que é exigente, um órgão de controle que não é independente e nem sempre há as sanções devidas”, completa.    

Mais independência e controle

Além da independência política da Seção de Conflitos de Interesses, Villoria acredita que seria um reforço à ética pública na Espanha o mecanismo de controle parlamentário dos novos ministros como o que existe nos Estados Unidos. Este mecanismo prevê que os novos titulares norte-americanos compareçam ao Congresso para explicar suas atividades no setor privado e suas expectativas nos novos cargos.

Para o professor, o conflito de interesses com o setor privado é um dos principais perigos que emerge com o novo governo espanhol, junto com a incapacidade de se tomar as decisões necessárias contra a crise e a radicalização política à direita.

Luis Nassif

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