A apreciação da denúncia contra Lula, por Sergio Sérvulo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A apreciação da denúncia contra Lula

por Sergio Sérvulo

Observe-se, de início, quão atípica é a denúncia formulada, contra o ex-presidente Lula, pelos 13 procuradores. Atípica, em primeiro lugar, pela sua extensão (149 páginas), e, em segundo lugar, porque grande parte dessas páginas não diz respeito, especificamente, ao objeto da denúncia; ou seja, grande parte dos fatos aí referidos, não tem apoio nas provas produzidas ou indicadas, mas em elementos extra-autos.

Dizem, os 13 procuradores, que esses elementos são referidos para “contextualizar” a denúncia. Acontece que, não sendo necessários à compreensão dos fatos indicados como criminosos, eles são despiciendos, impertinentes, e estranhos aos fins objetivos da denúncia.

Essa narrativa, entretanto, se faz em detrimento do denunciado, tentando envolve-lo na prática de crimes de que não é, ou não foi ainda formalmente acusado. Por exemplo: entidades que lhe são ligadas (o Instituto Lula, a L.I.L.S.) teriam recebido R$55.000.000,00 de empresas investigadas pela “Operação Lava Jato”; desses R$55.000.000,00, R$7.500.000 lhe teriam sido destinados pessoalmente.

Esse procedimento não se pode designar apenas como atípico: ele é ilegal, e injusto; ofende a dignidade do denunciado, rouba-lhe a oportunidade de defesa. Não honra, portanto, procuradores da República, membros de uma instituição à qual, dentre outras finalidades, cabe a defesa da democracia. À parte a inépcia da denúncia (quanto à segunda imputação), esse é o principal pelo motivo pelo qual ela deve ser liminarmente rejeitada pelo Juízo.

Mais do que ilegal, e insidiosa, a pretensa “contextualizão” revela a natureza política da peça acusatória. Como procuradores da República, e conhecedores do Direito, os autores da denúncia não ignoram as normas que protegem o arquivo documental dos ex-presidentes; nem ignoram que inexiste “propriedade de fato”; e sabem que, apesar da devassa que fizeram na vida pública e particular do ex-presidente, não conseguiram surpreendê-lo na prática de um único ato criminoso.

Por isso, ao invés de “contextualizar” os fatos, seu intuito é influenciar a opinião pública e formar a convicção do Juízo com base em elementos extra-autos. Com efeito, encontra-se nessa narrativa um amplo painel pretensamente histórico e científico sobre o governo Lula, passando pela sua eleição, as alianças que lhe deram sustentação, a natureza do “presidencialismo de coalização”, os apoios parlamentares que angariou, o escândalo do “mensalão”, as relações de amizade do ex-presidente com políticos que viriam a ser condenados por práticas de corrupção, e com empresários igualmente envolvidos nessas práticas. Tudo a indicar que, à falta de atos pessoais de corrupção, ele deve ser condenado segundo uma nova teoria criminal, que se poderia designar como “teoria da contaminação”.

O que, à falta de provas, se chamou de “convicção”, é, no fundo, predisposição contra o Partido dos Trabalhadores, e a intenção de exterminá-lo. É a mesma sub-reptícia intenção esboçada por um político catarinense que, num momento de descuido, deixou extravasar sua animosidade contra os petistas, aos quais se referiu, com supremo desprezo, como uma “raça” a ser varrida do cenário político.

Se o julgamento deverá ser político, peço licença para trazer, a estes autos públicos, outra contextualização, cujo principal eixo é a desigualdade e o teor profundamente discriminatório da sociedade brasileira, que tem início na colonização, acentua-se com a perseguição aos índios, exaspera-se com a escravidão do negro, culmina na questão social e o elitismo da república velha, e se debate na resistência ao que é novo; o novo que, brotando na década de (19)30, desabrocha na década de (19)60, e começa enfim a florescer a partir de 2003, quando um operário, nordestino e inculto, é eleito presidente da República.

Pertenço à geração que a ditadura militar impediu de fazer política. Em 1967 ingressei no MDB, e com o fim do bipartidarismo, filiei-me ao PSB. Quando, em 1988, esse partido me apresentou como candidato a vice-prefeito de Santos, em chapa liderada por Telma de Souza, do PT, um parente me advertiu: “- Sérgio, não se misture com essa gentinha.”

Mas eu já trilhava, desde a JUC, os mesmos caminhos percorridos por meu pai, que, não obstante tratado desde jovem, em sua casa, como “sinhozinho”, confraternizava com todas as pessoas, independentemente de sua raça e de sua condição social; que, tendo presidido a Congregação Mariana da Anunciação, onde se reuniam os jovens bem educados da elite santista, alguns anos depois, à frente do Sindicato dos Despachantes, aí acolheu o líder comunista Luiz Carlos Prestes. Foi assim: na campanha presidencial de 1945, em visita a Santos, Prestes não conseguiu da polícia a licença necessária à realização de seu comício. A diretoria do Sindicato, então, permitiu que ele arengasse do balcão de sua sede, situada na praça da República. Outra lição inesquecível: meu pai tinha relações profissionais com uma importante família de banqueiros. Um dia ele me contou, com horror, o que tinha ouvido de um deles: “- Cunha, por quatrocentos réis, eu mato meu irmão”.

Assim como, seguindo seu exemplo, virei torcedor do Santos, também virei libertário.     

Por isso, minha contextualização da denúncia se faz a partir de Antonio Vieira, José Bonifácio, Luiz Gama, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Gilberto Freire, o marechal Rondon, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, dom Helder Câmara, Florestan Fernandes, dom Paulo Evaristo Arns.

(Chega-me, neste momento, a notícia de que o juiz Moro, como se esperava, aceitou a denúncia. Isso é, em parte, o tema do próximo editorial).

Sergio Sérvulo da Cunha é dvogado, autor de várias obras jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de gabinete do Ministério da Justiça. (site:  www.servulo.com.br).

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. Vendo tudo isto me lembro de

    Vendo tudo isto me lembro de um livro que pode ajudar na compreensão dos fatos. “Confissões de um assassino  de economias”  .

  2. Como se tornar perseguido no país da impunidade

    Gostaria de saber quem ocupava a vaga do Lula no powerpoint antes de 2003. 

    Outra dúvida… no caso de Aécio com Furnas e os 23 milhões de Serra, Eduardo Cunha… por acaso eles todos faziam parte da “quadrilha que Lula chefiava”?

    Depois que Lula saiu do governo e Dilma assumiu… ele continuou encabeçando o Powerpoint ou foi a Dilma.

    A mídia distorceu algumas falas de Lula se comparando a Jesus Cristo… mas o que está acontecendo é exatamente colocar uma pessoas para pagar por todos os pecados… e ele ser condenado pelo povo que o salvou. O powerpoint é a cruz.

  3. CURSOS DE DIREITO FECHADOS

    Depois de ler o artigo e contextualizá-lo com outras informações fora dele, o que aliás é vício da denúncia, melhor mesmo é fechar os cursos de Direito do Brasil. Como diz o autos, a denúncia é atípica e ilegal pela sua extensão, com tantos penduricalho que não possibilita sequer a defesa efetiva do pretenso acusado. Não ter apoio sequer nas supostas provas indicadas, por ter  suporte em fatos estranhos à própria denúncia. Recorre à fatos com participação de terceiros ainda não comprovados. No samba do crioulo doido fala-se até do “presidencialismo de coalização”, do “mensalão”, coisas que junto com a pólvora coram inventados por Lula. É de uma extensão tão grande, que poderia trazer como réu para a mesma ação até Fernando Henrique Cardoso…

     

    1. Não são somente os cursos de

      Não são somente os cursos de direito que viraram lojas de diploma: toda essa industria de concursos ir-res-pon-sá-vel já passou do tempo de ser confrontada (digo eu que já “passei” e deixei de passar em várias seleções públicas).

      Há um outro detalhe nas corporações jurídicas (e tenho amigos juizes e promotores que podem confirmar que digo isso há mais de vinte anos): o sistema de avaliação, as provas, não-têm-na-da-a-ver-com-o-di-a-a-di-a-do-tra-ba-lho; são charadinhas formuladas pra satisfazerem veleidades e espertezinhas intelectuais (sic) dos organizadores, e nada mais.

      Há casos anedóticos, até. Sugeri certa feita para conhecidos que já estavam no terceiro ou quarto concusrso que “formulassem”(respeitosamente, sempre) questões para seus professores de cursinhos ou para seus chefes, muitos desembargadores ou promotores (que, em alguns casos, já haviam participado de bancas, inclusive): nenhum respondeu certo.

      Essas provinhas não avaliam grandes coisas.

  4. diretas

    Com as estensas coberturas do fora temer pela midia corporativa internacional. Considerando a quem essa mídia serve e quem a controla.

    Com a quase certeza da inelegibilidade do Lula.

    Estamos prontos para uma Diretas Já, antes do fim do ano.

    Prontos para eleições “limpas” e “democráticas” de um Macri tupiniquim.

    Apertem os cintos!

  5. Crime?

    Qual foi o crime praticado pela Dilma para ser cassada por um bando de ratos? Qual o crime praticado pelo Lula para ser cassado como um leproso por um bando de nazistas, sujos, mal caráter e seguidores de seitas malucas? Assim como o julgamento da Dilma foi político e ela foi cassada,  o julgamento do Lula também é político, portanto o ele será preso. Será que ele tem dúvidas a respeito do desfecho?

  6. Páuer pinti: foi preciso

    Páuer pinti: foi preciso desenhar pra platéia “entender” que Lulla era culpado. Melhor seria uma trilha sonoro e procuradores vestidos de capitão américa e outros heróis da liga da justiça…

  7. Se tivesse lava jato na França
    Vejo agora , na TV francesa,que a índia assinou contrato para a compra de 36rafales.

    O primeiro ministro indiano foi recebido pelo hollande no Eliseu para celebrar o contrato.

    Se houvesse um procurador PowerPoint na França, hollande estaria ferrado por esse “ato de corrupção”

  8. Apenas para contextualizar

    O politico Catarinense, foi o mesmo que envolvido no caso BANESTADO, quando questionado por um membro do Ministério Publico, gritou : Cale-se!!!!!!!.

    Mas sendo justo  nada posso falar sobre este político, pois segundo Moro tudo que se passou no BANESTADO está dentro da lei e não necessita contextualização

  9. Mais atípica do que a ação

    Mais atípica do que a ação mensalão foi, impossível. E mesmo assim foi todo mundo em cana, quer dizer, petistas e aliados.

    Então, não se iludam.

    Fico impressionado como nenhum ministro nomeado por lula/dilma diz nada sobre as arbitrariedades da lava jato. São no mínimos uns igratos. 

    Já o gilmar é diferente, qq mensão a aecio e aliados é berra e arquiva tudo.

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