Ainda em 2015, Lava Jato ignorava contratos da UTC em governo FHC

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – Quando as investigações da Operação Lava Jato estouraram, em 2015, contratos irregulares e suspeitos ligados a empreiteiros durante o governo de Fernando Henrique Cardoso já foram deixados de fora das apurações.
 
Há mais de dois anos, quando a Lava Jato estava em seu início, reportagem de Helena Sthephanowitz mostrava que a corrupção foi limitada para começar supostamente em 2003.
 
Enviado por Neotupi
 
Lava Jato varreu para baixo do tapete negócio suspeito da UTC.
 
Já estava lá o empreiteiro, a Petrobras assinando contrato no último dia do governo FHC, Ari Ariza, Bonus Banval, etc. Mas para os lavajateiros a corrupção foi inaugurada em 2003.
 
Por Helena Sthephanowitz 
 
 
Para a RBA
 
O risco do seletivismo de cor partidária em investigações é, em vez de combater a corrupção, fortalecê-la, mesmo sem querer, deixando de investigar outros agentes igualmente suspeitos
 
Publicado 06/08/2015
 
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Foto: Arquivo RBA

Entre as polêmicas que cercam a Operação Lava Jato figuram com destaque o menor interesse da Polícia Federal, de parte do Judiciário e da velha mídia, em investigar casos que atingem tucanos. Causa espécie que as investigações praticamente tenham estabelecido uma “data de corte” – o ano de 2003 –, deixando de lado fatos ocorridos dentro e fora da Petrobras antes disto.

Um exemplo claro é um contrato assinado entre a empreiteira UTC e a estatal brasileira no penúltimo dia do governo FHC, dia 30 de dezembro de 2002, no valor aproximado de R$ 56 milhões. Não se pode falar em prescrição, portanto.

Este contrato está vinculado a um processo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por suposta realização de operações fraudulentas e manipuladas com dólar em Bolsa de Valores. Segundo a acusação, foi um tipo de operação conhecida no mercado como “esquenta-esfria”, em que a empresa simula prejuízo para dar saída a recursos que pretende pagar a terceiros de forma sub-reptícia.

O caminho do dinheiro mostrou que a UTC perdeu R$ 1,37 milhão na operação. Quem ganhou foi um dentista que vive em Portugal (ou vivia na época). Mas o curioso foi que, em seguida, o dentista distribuiu o dinheiro para cerca de 20 pessoas e empresas por meio de cheques.

A UTC foi multada em R$ 500 mil pela CVM no final do julgamento administrativo, em 11 de maio de 2010. Os fatos foram comunicados à Procuradoria da República no Estado de São Paulo, mas não há notícias de investigações no âmbito judiciário sobre este assunto, nem por parte da força tarefa da Lava Jato.

Foi o próprio Ricardo Pessoa, dono da UTC, quem ligou esta operação no mercado financeiro ao contrato com a Petrobras. Em sua defesa junto à CVM ele declarou que “a Ultratec (UTC) participou de uma concorrência com a Petrobrás, cuja proposta tinha prazo de entrega no dia 28.10.2002, e valor aproximado de US$ 56 milhões; como a Ultratec tinha parte das despesas em reais e receita de serviços em dólar, e com o valor do dólar em R$ 3,80 aproximadamente, foi tomada a decisão de realizar um contrato de opção flexível de dólar, que protegesse a sua receita da variação cambial, no caso de queda do valor do dólar abaixo de R$ 3,40, ou seja, pretendia assegurar o preço do dólar entre R$ 3,40 e R$ 3,50, valor que lhe foi informado como provável por analistas financeiros de bancos consultado à época”.

Esclareceu que “o contrato foi realizado no valor de US$ 36 milhões, que era o valor correspondente às despesas da Ultratec (…) que o contrato foi assinado com a Petrobras em 30.12.2002 (…) e que o contrato de opções de dólar foi encerrado sem renovação por falta de interessados em fazê-lo e também porque o declarante passou a ter dúvidas quanto a se deveria continuar ou não, pois não sabia se o contrato entre a Ultratec e a Petrobras seria assinado”.

De acordo com a acusação, a UTC comprovou a existência do contrato, porém, não aceitou como razoável que a operação contra riscos cambiais fosse sem registro nem garantia da BM&F, assumindo o risco de crédito de uma contraparte que não sequer conhecia, a São Paulo CV.

A CVM investigava apenas operações no mercado de capitais e que nada tinham a ver com a Petrobras, usada apenas como “álibi” para Ricardo Pessoa justificar em sua defesa. Mas à luz de hoje esta vinculação merece melhor esclarecimento.

Pelo menos três fornecedores da Petrobras já disserem terem combinado o pagamento de propinas para o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, entre 1997 e 2003. A SBM Offshore, em investigação na Holanda e na Procuradoria da República do Rio de Janeiro, antes da Lava Jato. Outra empresa citada foi de nome Progress, e desta não há notícias se existe investigação. A última foi a Rio Marine, do delator Mário Goes, que disse ter combinado com Barusco o pagamento de propina no início dos anos 2000 e só não foi paga porque o contrato não vingou.

Também está mal explicada a história de que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa tenha sido indicado pelo ex-deputado José Janene do PP para pagar propina ao partido, se ele fosse completamente neófito nesta área.

Os diretores e gerentes corruptos da Petrobras eram funcionários de carreira, que ocuparam postos destacados antes de 2003. Há claras evidências, inclusive no próprio noticiário da época, de que casos de corrupção na Petrobras não foram inaugurados em 2003. O caso de Barusco é prova concreta. Ignorar o que se passou em 2002, 2001, 2000, em uma investigação ampla compromete a própria imagem do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Polícia Federal.

O risco do seletivismo de cor partidária em investigações é, em vez de combater a corrupção, fortalecê-la, mesmo sem querer, através de outros agentes, mas que não são investigados.

Há poucos anos, no Rio de Janeiro a polícia começou a combater áreas dominadas pelo narcotráfico, porém apenas de uma facção criminosa. O resultado foi apenas o fortalecimento de outras duas facções. Em outro caso, um ex-chefe de Polícia Civil acabou processado por perseguir um grupo criminoso que explorava máquinas de caça-níqueis enquanto outro grupo concorrente expandia os “negócios” sem ser incomodado. Aqui, faz-se apenas uma analogia nas possíveis consequências, guardadas as grandes diferenças, porque não há motivos conhecidos para questionar a honestidade pessoal dos investigadores e não cabe comparar partidos políticos com exploradores de caça-níqueis.

No próprio caso Banestado, as atuais autoridades da Lava Jato reconheceram que o doleiro Alberto Youssef utilizou-se de delação premiada para eliminar concorrentes e voltar a operar sem concorrência.

No caso do mensalão, se tivessem investigado e punido gente do PSDB com o mesmo rigor que puniram os petistas, os tucanos teriam maior interesse em votar uma reforma política de verdade, transformadora e moralizante, em vez de apoiar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em sua agenda antirreforma. É a sensação de impunidade que leva o PSDB a persistir em manter vícios do sistema político, acreditando que ajuda a eliminar concorrentes.

Os governos petistas chegam a ser criticados por seus próprios apoiadores pelo que chamam de “excesso” de republicanismo, pois dizem que tornou-se o único governo no mundo que criou uma polícia política contra si mesmo.

De fato os governos petistas agiram de forma republicana, como deve ser uma república, respeitando indicações do Ministério Público, não exercendo controle político na Polícia Federal, não aparelhando o Poder Judiciário. Espera-se que estas instituições também sejam republicanas, sem proteger tucanos e sem perseguir petistas. Sem dois pesos e duas medidas.

Velho conhecido

Responderam a este processo administrativo na CVM empresas e agentes do mercado financeiro conhecidos de outros escândalos, como a Corretora Bonus Banval (que operou no valerioduto), Luis Felippe Índio da Costa, que veio a ser preso depois por suposta gestão fraudulenta do Banco Cruzeiro do Sul, e Ari Ariza, citado na própria Lava Jato como agente autônomo de investimento que trabalhava com Alberto Youssef.

Em recente entrevista à Rede TV, a ex-contadora do doleiro Alberto Youssef Meire Poza disse: “O Ari (Ariza) sempre disse que ele e o deputado Eduardo Cunha são bons amigos. Inclusive, depois de deflagrada a Operação Lava Jato, um mês e meio atrás, eu estive com o Ari (…) Ele me falou: ‘Meire, se você precisar de alguma coisa, eu posso falar com o deputado Eduardo Cunha”, afirmou.

Segundo Poza, Ari Ariza e Youssef se conheciam há bastante tempo. Ela disse que Ari pediu a emissão da nota fria de R$ 1,2 milhão, forjada em 24 de outubro de 2014: “Depois de deflagrada a Lava Jato, eu estive com o Ari – até porque ele tinha preocupação com essa nota da GFD – e ele disse que se eu precisasse de alguma coisa, ele poderia falar com o deputado Eduardo Cunha”, contou.

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

7 Comentários

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  1. A lava-jato se queimou sem precisar

    Vários crimes aconteceram + de 8 anos antes da operação começar (i. e. prescritos), com menos provas e mais antigas (difíceis de recuperar e lidar). Então, ao investigar, era só priorizar os principais crimes de Petistas junto com os crimes + relevantes da era FHC do PSDB/DEM e cia, e de gente da direita nos governos do PT que recebiam propina pra não investigar o governo corretamente.

    Ai, DD e cia podiam até vir a público provocar a esquerda dizendo que não denunciaram os crimes da era FHC pro Moro por estarem prescritos, terem menos provas. Denunciar os laranjas do Aécio e cia e falar p/ esquerda que eles são imparciais. Neste caso, deixariam pro Moro o dever de negar por motivos técnicos, quando houvesse.

    Mas, a gente sabe que os corruptos de estimação da direita foram deixados pra “depois”, p/ não “queimá-los” ou derruba-los (que seria uma ajuda indireta aos inimigos da lava-jato, o PT).

  2. Existe apenas desfaçatez.

    Se quisessem investigar, não estariam deturpando a Zelotes para perseguir o filho de Lula. Basta investigar os parentes e agragados de  FHC, Reichstuhl, David Zilberstein e finalmente o especialistas na área de termoeletricas , o filho de FHC. Bastaria ler o livro privataria tucana, e investigar a riqueza da filha de Serra. Bastaria ver as ligações de figuras como Arminio Fraga e tantos outras raposas que tomaram conta das uvas. Investigar o Estado de São Paulo seria  tão simples pois tudo é muito explícito.

    Bastaria ter inclusive tomado atitudes no caso Banestado, com o mesmo Youssef.  O judiciaŕio , e a PF e MPF não tem  desculpas para nada disto. Quanto aos seguidores destes senhores, devem repetir o mantra, que tudo era business.  Nossa elite e parte de uma classe média adoram ladrões de casaca. Quanto a esta parcela que parece liderar o judiciário, a missão sempre foi criar a crise para que a entrega do país, e o fim dos direitos socias e trabalhistas seja mais fácil.

    Não é preciso inumerar a quantidade de documentos e provas documentais contra estes que eles defendem. se horje vão atras de Geddel e de alguns outros, é porque os interesses individuais destes contrasta de algum modo com os interesses de tantos outros. Não é preciso achar uma mala  para perceber que o filho de verdureiro Serra e sua filha se tornaram multimilionários. Mas o judiciário prefere ir atras de reitores e professores.

  3. Ultratec?

    no governo FHC era a única que fechava contratos na Petrobras e na Eletrobras para empregados temporários ou terceirizados………………………o empregado recebia x e dos cofres das empresas saíam 4x

  4. De nada servem caminhőes de provas
    De nada servem caminhőes de provas contra os amiguinhos da Globo…..o problema deles ė Lula, contra o qual falsificam documentos para serem usados como provas…

  5. O ignorante que ingorava

    Para crucificar Lula e o PT, DD delimitou 2003 o ano de início das investigações da Lava Jato. No entanto, mesmo diante de graves denuncias envolvendo o tucanato, DD, o Divino Deus, incumbido que foi para executar a Divina Providência, profetizou para a fiel assunção de todas as ovelhas de seu rebanho que o simples fato do PSDB ser oposição ao PT justificaria tal situação. Assim foi feito e assim será.     

  6. Disputa de quadrilhas

    A Farsa a Jato entregou o patrimônio nacional à sanha dos assaltantes tucanos de sempre. Mas é claro que o bando da Farsa levou a parte dele por fora, como de praxe.

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