Assange, Snowden e Ellsberg, por Walnice Nogueira Galvão


Pela ordem: Deniel Ellsberg, Julian Assange e Edward Snowden
 
Uma robusta tradição de desobediência civil consiste no vazamento de informações confidenciais (e ilegais) que o Estado moderno armazena para usar contra seus cidadãos. O fito é enganá-los, manipulá-los, forçá-los a fazer o que os prejudica, levá-los ao suicídio se necessário. Julian Assange e Edward Snowden, ainda refugiados no exílio, têm dignos precursores em seu país.
 
Como os Estados Unidos são a mais poderosa nação do planeta, nada mais natural que seja lá que faça sentido operar tais vazamentos. Um dos casos mais notórios é o de Daniel Ellsberg, cujas credenciais são impecáveis: economista por Harvard e marine com estágio no Vietnã. Foi ele o pivô do grave incidente que ficou conhecido como “Os papeis do Pentágono”. Este analista militar da Rand Corporation fez um trabalho no Pentágono em 1971, durante a Guerra do Vietnã, e começou a ficar, primeiro espantado e depois indignado com a discrepância entre o que o governo dizia e as estatísticas que lhe vinham às mãos. Enquanto o governo afirmava desacelerar o esforço bélico para concluir  a guerra apesar das vitórias, os dados  mostravam que, ao contrário, empenhavam-se numa escalada, investindo recursos cada vez maiores para camuflar as derrotas. Em vez de pôr fim ao conflito, portanto, preparava-se uma hecatombe crescente.
 
Hesitou, prevendo o que viria pela frente. Ninguém acreditaria nele; ninguém respaldaria a publicação de papeis secretos que arriscava botar todo mundo na cadeia; ninguém atribuiria confiabilidade às fontes – pois, quem poderia garantir que não eram falcatrua?  E, pairando sobre tudo, o medo das represálias dos órgãos de segurança, sempre provocando acidentes suspeitos e execuções por baixo do pano. 
 
Ainda assim, Ellsberg copiou clandestinamente 7 mil documentos, procurou contato com um dos jornais mais importantes e mais sérios do país, o New York Times, e começou a contar  a história. Antes, assediou senadores que eram notoriamente contra a guerra, como Fullbright, mas foi repelido. Os papeis comprometiam as administrações anteriores de Kennedy e Johnson, bem como a atual, de Nixon. 
 
O New York Times começou a publicar os documentos em série. O governo sustou a publicação. O jornal apelou para a Suprema Corte, que lhe deu ganho de causa. 
 
Descoberto, Ellsberg foi acusado de traição sob o Ato de Espionagem e julgado como réu de uma pena de 115 anos. Mas, à medida que o julgamento prosseguia, os desmandos do governo, com provas sujas obtidas inclusive por escuta ilegal do FBI, foram surgindo. E ele acabou por ser absolvido, para alegria de seus fãs no mundo inteiro, a essa altura constituindo uma torcida atenta à justiça do processo. Em seu próprio país, contavam-se entre seus aliados os progressistas e os críticos em geral, os estudantes, os religiosos, o Black Power, os hippies. 
 
Nunca desmentiu sua garra de ativista. Até hoje, ultrapassados os 80 anos, vive protestando e sendo preso – por manifestar-se contra as armas nucleares, contra as invasões do Afganistão e do Iraque, contra a política externa que criminaliza o Irã.
 
Por isso, mesmo em meio a um vasto movimento nacional e internacional de protesto, devemos principalmente a Daniel Ellsberg o fim da Guerra do Vietnã – que, sem razões de peso, lá do outro lado do mundo, vitimou três milhões de vietnamitas, a maior parte civis, contra a perda de 25 mil soldados americanos.
 
À época, tornou-se best-seller planeta afora um documentário contra essa guerra, Corações e mentes, em que aparecem entrevistas de Daniel Ellsberg. O filme fez muito pelo esforço antibélico e foi agraciado com o Oscar. Todavia, e curiosamente, afora o livro Os papeis do Pentágono,não rendeu mais nada no cinema. Só várias décadas mais tarde surgiriam dois filmes, um de ficção, chamado The Pentagon papers (2003), e um documentário, The most dangerous man in America (2009). 
 
Ambos vindo bem a propósito para retirar do olvido tão portentosa proeza deste precursor de Assange e Snowden.
 
 
Redação

5 Comentários

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  1. … Da missa a metade…

    Mundo afora, deve ser algo horripilante a sujeira que os USA espalham para tirar vantagens financeiras e econômicas. Temo que jamais saberemos… Da missa a metade.

  2. Seu Excellente Artigo

    Como o escritor, editor, e publicista do Argentum Post, eu lhe quero a congratular por este excellente artigo.

    A proposito, como você muito provavelmente deve estar ciente, a expressão ” …the most dangerous man in America…” é de Henry Kissinger, o secretario de estado mais pernicioso e criminal dos EUA.  Se houvesse genuida justiça êle estaria na prisão perpetua.   Em Paris, do Hotel Statler Hilton aonde estava hospedado, êle teve que escapar pela porta traseira e escapar da França, pois foi avisado que a policia estava se dirigindo ao hotel com a documentação necessaria para o indiciar pêlo “desaparecimento” de Franceses no Chile depois to golpe de 11 de Setembro de 1973 pelo General Fasciista Pinochet.

    Peter Kornbluh, a quem conheço e morra  em meu bairro perto de Washington, DC descobriu uma carta de Kissinger a Pinochet que foi erroneamente declassificada, e nessa carta Kissinger afirma ao Pinochet que não se preocupe pelas criticas de membros do congresso dos EUA com respeito `as violações de direitos humanos depois to golpe do estado, pois a Casa Branca (Nixon) e o Departatmento de Estado (Kissinger) gostam oque Pinochet esta fazendo…

    Sinceramente,

    Alfred Gluecksmann

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