Lula e a política externa de Dilma

Do Valor

Diplomacia de Dilma precisa lidar com Lula

Sergio Leo
10/01/2011 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será um dos desafios da política externa de Dilma Rousseff. A tese é defendida por um conhecedor do Itamaraty, ex-aliado do governo, e as notícias saídas das proximidades de Lula a confirmam. O próprio Lula anunciou que não deixaria a política, e que sua futura fundação tratará de assuntos da África e América do Sul. Na semana passada, fez saber que pretende visitar em breve o amigo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que anda às voltas com pressões políticas e econômicas. Lula não quer sair de cena.

O presidente mais popular da história do país é, também, um dos mais respeitados lá fora, questões com o Irã à parte. Os telegramas da diplomacia americana vazados pelo site Wikileaks mostram que até o Departamento do Estado dos EUA considera legítima, ainda que critique, a ambição brasileira de um perfil internacional próprio, independente. Diplomatas com acesso às mesas reservadas do G20, grupo das economias mais influentes, garantem que a palavra de Lula era ouvida atentamente, em silêncio respeitoso, pelos presentes, do francês Nicolas Sarkozy ao americano Barack Obama.

MassMas se há algo na atuação mundial de Lula que não deixa dúvidas é sua disposição para tratar delicados problemas globais com uma ligeireza vocabular capaz de dar taquicardia ao mais treinado dos diplomatas. A dois dias de deixar o governo, ao apontar a ironia embutida na recessão dos países ricos, antes arrogantes nas recomendações aos países emergentes, Lula não precisava dizer que “foi gostoso” ver a crise que tirou emprego e perspectivas de milhões de trabalhadores na Europa, Estados Unidos e Japão, por exemplo.

Boa parte das críticas ao relacionamento entre Brasil e Irã, também, fundamentou-se em declarações de Lula, como a que atribuía ao chefe de Estado iraniano a condição de “companheiro” e amigo fraterno. Ou a esdrúxula ideia de comparar as denúncias de repressão contra a oposição iraniana a “uma coisa entre flamenguistas e vascaínos”. Os conflitos de rua em Teerã reprimidos violentamente causaram até mortes, e os vazamentos do Wikileaks indicam que poderia ter sido pior: segundo relato da diplomacia americana, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, teria sido esbofeteado pelo comandante da poderosa Guarda Revolucionária após uma discussão em que ele, Ahmadinejad, foi acusado de excessiva complacência com a oposição. 

Lula se considera traído pelos aliados ocidentais que, na avaliação corrente no Palácio do Planalto e no Itamaraty, o estimularam a assumir o papel de mediador na crise envolvendo o Irã e seu mal conduzido programa nuclear. E pensa que o escândalo em torno da iraniana condenada à morte, Sakineh Ashtiani, (outro alvo de declarações impensadas do ex-presidente) faz parte do jogo tradicional de demonizar adversários das grandes potências, como foi feito com o ex-aliado dos EUA no Iraque, Saddam Hussein.

Na verdade, o governo brasileiro desprezou os recados da secretária de Estado, Hillary Clinton, contra a aproximação com o Irã, possivelmente imaginando haver na Casa Branca uma divisão entre o moderado Obama, que enviou uma carta encorajadora a Brasília, e os falcões encabeçados pela ex-senadora. A ousadia brasileira ao tratar de Irã tinha até uma racionalidade compreensível, defendida pelo então ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, com base na tradição de mediação internacional, nos contatos múltiplos do Brasil na cena internacional, nos ganhos políticos que o Brasil teria se conseguisse de fato trazer o Irã à mesa de negociação para conter seu programa nuclear. Se essa racionalidade era ingênua ou muito otimista pode ser motivo de discussão, mas não se duvida que as declarações mal calibradas de Lula a desmoralizavam, inclusive no Brasil.

Entre as razões apontadas por pessoas bem informadas no governo para o desembarque de Amorim, com a chegada de Dilma Rousseff, está a relação ambígua estabelecida entre ele e Lula: o presidente, ao mesmo tempo em que admirava a capacidade e inteligência do ministro, irritava-se profundamente com o desembaraço com que ele o interrompeu, algumas vezes, em encontros com chefes de Estado, para dar opiniões ou dirigir a conversa. Conhecendo-se o tipo de metáforas fora de lugar que Lula usava em público, e mesmo sabendo que o presidente era capaz de traduzir questões complexas de relações internacionais em recados diretos e bem colocados, como fez nas reuniões privadas do G20, é fácil imaginar que as intervenções de Amorim não se davam apenas pelo gosto do protagonismo.

Lula, com seu talento metafórico, seu hábito de personalizar as relações com chefes de Estado, suas ideias próprias sobre como conduzir as relações do Brasil com outros países, promete permanecer em cena durante a presidência Dilma. E a agenda internacional é de tamanho interesse para o Brasil que, apesar das especulações sobre a falta de vocação internacional por parte de Dilma, ela já decidiu, na primeira semana de governo, que viajará, neste ano, a Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Chile, Venezuela, Colômbia, China, EUA e, provavelmente, Turquia. Além da Bulgária, por motivos sentimentais.

Dilma terá de disputar atenções, no palco internacional, com o charmoso antecessor? Será obrigada a explicar declarações ou opiniões eventualmente manifestadas por Lula, ainda visto como grande líder do seu partido e fiador do governo? São questões como essas que acompanharão Lula e Dilma, nos passeios de ambos pelos acidentados caminhos da diplomacia internacional. A primeira parada: Venezuela.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

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Luis Nassif

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