A reforma agrária segundo o INCRA

(Atualizado em 11 de janeiro, às 11h53)

Como trabalho como economista no INCRA, a reflexão sobre a Reforma Agrária para mim é quase uma obrigação.

Acho a avaliação da CPT insuficiente para entendermos como está a questão agrária hoje.

Para tanto gostaria de colocar algumas coisas (publiquei essa análise também no meu blog http://opiniaodivergente.com/?p=358)

1 – É preciso dizer que o INCRA fez muito nestes oito anos. Dificilmente faria mais dentro do atual marco legal e das restrições impostas pela política econômica. Para fazer mais teríamos que trazer para o primeiro plano do debate nacional a questão agrária. Pois esse muito que o INCRA fez foi incapaz de resolver a questão agrária no Brasil. Não chegou sequer a superfície. Aí é que está a questão.

2 – Nenhum país do mundo se desenvolveu sem, em algum momento da história, realizar algum tipo de reforma agrária, a literatura acadêmica é vastíssima a este respeito. As razões normalmente estiveram ligadas a expansão do mercado consumidor interno (no Brasil o Bolsa Família vem respondendo a esta tarefa sem contudo ser uma política estruturante) ou ao rompimento com as antigas oligarquias políticas feudais/semi-feudais (a força política da bancada ruralista mostra que ainda há a necessidade desse rompimento no Brasil).

3 – O Brasil inventou o que eu costumo chamar de “Reforma Agrária perene”, estamos sempre a fazer a reforma agrária. Isto, no meu entendimento, é inconcebível. Reforma agrária tem que ter começo, meio e fim. E tem que ser radical, se não você não realiza as transformações naturais dela decorrentes. Assentar 600 mil famílias em oito anos, como fez o governo Lula, apesar de ser mais do que o que foi feito em toda a história do Brasil, não é reforma agrária. Reforma Agrária seria assentar em oito anos no mínimo, oito milhões de famílias. Depois desta reforma agrária, trabalharíamos apenas com o desenvolvimento do meio rural.

4 – É preciso ainda quebrar alguns mitos que o peso político dos ruralistas inclusive sobre a pauta da cobertura midiática sobre o campo nos impõem. Todos os estudos econômicos, inclusive os do mainstream neoclássico, asseveram que a grande propriedade é ineficiente. Há discussões sobre qual seria o tamanho ideal de uma propriedade rural, mas é certo de que a partir de determinada área há deseconomias de escala. O que corrobora com a idéia proposta pelos movimentos sociais da necessidade de limitação da propriedade rural, e 35 módulos (como é a proposta) não é só uma grande propriedade pelos padrões legais brasileiros é mais que duas. Não à toa que o Olacyr, o Rei da Soja, vendeu suas terras para o INCRA. Outro ponto a ser destacado é de que agricultura é uma atividade capitalista. Não é! É uma atividade de altíssimo risco, sujeita as (dis)sabores da metereologia.

5 – É importante destacar ainda que a grande maioria dos alimentos consumidos no dia-a-dia pelos brasileiros vem da agricultura familiar, a pequena propriedade. Ousaria até dizer que a solução de médio/longo prazo para o impacto dos alimentos na inflação dar-se-ia através de uma reforma agrária que reorganizasse a produção de alimentos do país. Não custa lembrar que inflação de alimentos se dá por um problema de oferta. E a grande propriedade não vai resolver este problema de oferta.

6 – Outro ponto que tem que ser destacado é que apesar de matérias tendenciosas da imprensa (como a de O Globo, sábado 08/01) a reforma agrária não é inimiga do meio ambiente. Pelo contrário, a a diversidade da agricultura familiar é muito mais benéfica que os desertos verdes do agronegócio de grandes propriedades. O desmatamento da agricultura familiar é sim menor que o do agronegóciode grandes propriedades. O problema é que os dados são difíceis de trabalhar e muitas vezes áreas desapropriadas pelo INCRA já com enormes passivos ambientais e áreas desmatadas são mostradas como assentamentos desmatados. A grilagem de terras, inclusive (infelizmente) dentro de assentamentos, é a maior responsável pela destruição das nossas florestas – e muitos dos nossos grileiros compõem a bancada ruralista.

7 – Também é preciso quebrar o preconceito de que o agronegócio é só patronal. As feiras nacionais da agricultura familiar têm demonstrado anualmente o êxito do agronegócio familiar, quem já foi a uma sabe do que estou a falar.

8 – Por fim, se temos como objetivo eliminar a miséria no Brasil, não podemos fazer isto sem discutir reforma agrária. A pobreza e miséria rural, quem conhece sabe, é muito mais avassaladora que a pobreza e miséria urbana. Além dos sem terra acampados, temos trabalhadores submetidos a regimes de semi-escravidão e/ou superexploração como em nenhum outro setor da economia. Temos ainda os “falso incluídos”, os que na visam de muitos já estão incluidos por terem seu minifúndio, mas que é incapaz de prover-lhe um sustento digno e que sequer consegue ter acesso as linhas de crédito do PRONAF.

9 – Isto me remete ao quase derradeiro ponto, não dá para fazer reforma agrária sem crédito e assistência técnica, pois são estas ferramentas que irão garantir uma mudança de paradigma. O desmonte da EMBRATER no governo Collor e de diversas EMATER Brasil afora na era de ouro do neoliberalismo tupiniquim foi trágico.

10 – Para encerrar, nunca é demais lembrar que a aposta no agronegócio para resolver nossas contas externas, sempre me remete aos tempos em que erámos apenas um país primário exportador, é isso mesmo que queremos?

Enfim, são muitos temas que necessitam de um debate aprofundado e que é urgente que o país faça.

Por Rudá Ricci

Gustavo,

A questão é de concepção de desenvolvimento adotada pelo governo federal. Há alguns indícios claros a respeito:

1) A divisão entre MAPA e MDA sugere separação meramente política, que atende segmentos sociais organizados e não uma visão de desenvolvimento integrado do setor;

2) A adoção de ATES é uma segunda ruptura, ou segmentação, agora com a ATER. Para quem não é da área, explico que as siglas dizem respeito a Assistência Técnica e Extensão Rural. Depois de muita luta, conseguimos rearticular uma política nacional de ATER. E o INCRA, infelizmente, resolveu criar uma ATER específica, para assentamentos rurais. O contrasenso que parece mais corporativismo. Veja que a política de ATES é executada, em muitos Estados (cito a Bahia como exemplo) pelo sistema EMATER (no caso, a EBDA). Eu assessorei as EMATERs para elaborar um plano nacional de ATER e esta era uma das queixas;

3) Finalmente, fica evidente pelos dados e declarações, que a política de reforma agrária foi preterida no governo Lula. Foi substituída pela política de desenvolvimento de territórios. Uma escolha das mais coerentes para um governo de conciliação de interesses.

Finalizo para sustentar que reforma agrária é, hoje, plataforma de esquerda. Não há centro-esquerda que a adote. José Graziano, que pleiteia dirigir a FAO, já escreveu em 1985 (publicado na revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária, que coordenei em SP) que a reforma agrária não se sustenta como política econômica. E ele é o braço direito de Lula neste tema.

Luis Nassif

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