O ato de tirar a própria vida, por Jorge Márcio

A cada 40 segundos uma pessoa se suicida no mundo, segundo OMS
 
 
Jornal GGN – Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, a cada ano 800 mil pessoas cometem suicídio, representando uma morte a cada 40 segundos. O suicídio é um dos grandes desafios da filosofia, Albert Camus chegou a destacar que é a única questão filosófica “verdadeiramente séria”. O fato é que a busca por essa saída é algo que jamais cessará na humanidade, como avalia Jorge Márcio no artigo a seguir. Ele expande ainda mais a ideia do suicídio considerando outras formas de perda de vidas, “roubadas, vilipendiadas, extorquidas, humilhadas, miserabilizadas” pelo sistema.
 
InfoAtivo.DefNet
 
O SUICÍDIO E A DOR
 
Imagem publicada – uma pintura que fiz há algum tempo atrás, e a memória me falha, de uma série a partir da foto que fiz de uma estátua de uma madona clássica, grega, e seu filho nos braços… Com tons predominantes em azul, violeta, cinza e fundo em amarelo, o amarelo que usam para simbolizar este mês [setembro] dedicado à prevenção do suicídio, ao Alzheimer e outros padecimentos, desesperos ou temas esquecidos na velocidade em que se apagam as memórias do hoje. A foto, a fiz nos anos 80 em preto e branco. A memória evocada é a dos filhos e nossos filicídios praticados desde a Esparta bélica ontem até às praias da Turquia dos refugiados sírios da guerra suicida de hoje.
 
Este texto é dedicado aos que demolem, demoliram e demolirão todas as arrogâncias, as onisciências e onipotências, mesmo daqueles ou daquelas que o abraçam ou abraçarão em seu último salto vital… em vão ou não…
 
Hoje se fala com maior clareza sobre um tema que já foi negado, proibido e excomungado: o Suicídio. Nos dicionários ainda o definem como o ”ato de tirar voluntariamente a própria vida’’. Mas o que seria esse ”tirar’’, ele pressupõe que ela, a Vida, nos é dada, ou que teria e tem um sentido de valor, seja individual ou societariamente. Continuamos nos interrogando.
 
Desde Albert Camus não mais podemos nos negar a encarar sua relação íntima com outra palavra e experiência humana: a Dor. Camus, em seu Sísifo mítico, nos diz “que não há mais do que um problema filosófico verdadeiramente sério: o do suicídio. Julgar que a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão primordial da filosofia…”. Para a filosofia, desde Epicuro ou Empédocles, já tínhamos as implicações de dor/felicidade, viver in-tensamente, superar a dor do viver ou morrer.
 
Assisti hoje pela TV a campanha de prevenção de suicídios, e a repórter fez a conexão dos termos, temos hoje um grande número de suicídios, principalmente de jovens, que se matam (além dos que são mortos ou ‘suicidados) não apenas pela dor, mas “pela certeza de que ela não cessará”. O que levaria, então, a tantos buscarem o suicidar como saída de algo que não cessa e nem cessará jamais…
 
Segundo a Radio Onu: “…o primeiro relatório sobre prevenção ao suicídio da Organização Mundial da Saúde, OMS, fez um alerta:  mais de 800 mil pessoas cometem suicídio por ano no mundo. Isso representa uma morte a cada 40 segundos”.  Para a OMS desses 800.000 mil são, na maioria, jovens entre 15 e 29 anos que se suicidam por ano. Já em matéria daqui crescem o número para 1.000.000 de suicídios, em estatísticas que merecem atenção, mas também um olhar crítico e bioético. Publicam que temos 25 suicídios por dia no Brasil.
 
Portanto, não bastará um mês, este setembro. Um dia, uma semana ou uma campanha internacional vestindo o amarelo alerta para interromper todas as dores que assolam e se recrudescem globalmente. A produção dos padecimentos, perdas, ruínas, guerras, desfiliações, migrações forçadas, desamparos, depressões, desempregos, trabalhos escravos, gentrificações, pauperizações e desastres econômicos continuam a produzir a serialização de aflitos e de desesperanças no viver. 
 
Morrer se naturaliza e se torna banal. E há os que ainda pregam e legitimam mais armas em todas as mãos…
 
Não há apenas os que suicidam, na concepção do “tirar” a própria vida, muitas delas já foram “roubadas, vilipendiadas, extorquidas, humilhadas, miserabilizadas”, e daí surgem, como diria Artaud sobre Van Gogh, ‘os suicidados pela Sociedade’. Portanto, repensando a visão ainda condenatória do sujeito, há que repensar a ‘culpabilidade e irresponsabilidade’ dos que, moralisticamente, se sentem violentados pelas dores que os suicídios e suicidas causam.
 
No Nepal, lá nas alturas, onde se espera que o espiritual seja tão rico como as neves do Himalaia, após o último terremoto, já meio esquecido pelo Ocidente, de acordo com a matéria Agencia EFE: “O número de pessoas que tiram a própria vida subiu no Nepal, com um aumento do 41,24% nos três meses posteriores ao terremoto que castigou o país em abril, em comparação aos três meses anteriores…”.
 
A maioria, pelos mesmos motivos que afligem a Síria, Ruanda, Haiti, Sudão ou qualquer outro país onde a terra é varrida por bombas, terrorismos ou por tremores, da Gaia ou dos Homens. Há os que são e serão afogados no Mediterrâneo ou no Egeu. Fogem de terrores nas suas terras de origem e se afogam nas águas que podem levar para uma neo escravidão e segregação, quiçá ‘menos’ terrível do que já viviam. Muitos, depois, não suicidarão…
 
A hora é de resgatar o poeta Jonh Donne e repicar os sinos que também dobram por nós, nós que também somos tão tristemente humanos como o menino sírio na praia turca. Nós que também somos suicidados embora naturalizemos nossas cotidianas e quase invisíveis formas de nos matar. Nós que julgamos covardes ou egoístas os que desistem de atravessar outros mares ou quando não há mares, só desertos e solidão.
 
Retomo aqui o binômio do texto, há sempre dor no suicídio. Seja dos que o cometem, seja dos que os padecem, experimentam sem tréguas ou dos que a negam tê-la infligido. Abdulá Kurdi, o pai sírio, assim como eu já o fui, deve ter pensado nesse último refúgio diante da perda irreparável.
 
Aos que não escutam ainda o que é dor do Outro reflitam sobre a frase de uma enfermeira especializada em cuidar e manejar essas dores: “A dor é qualquer coisa que a pessoa que a experimenta diz que é, e existe sempre que essa pessoa diz que existe.” (Margo McCafferty). Talvez isso possa não aliviar e nem diminuir a dor. Com certeza poderá criar o segundo que preciso ter antes de saltar da ponte ou se imaginar nos braços da Dona Morte.
 
Nos suicídios, nos diferentes suicídios, somos ‘refugiados’ da Dor ou de outras dores….
 
(copyright/left jorgemárciopereiradeandrade 2015-2016 favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet e outros meios de comunicação de e para as massas)
 
IN MEMORIAM de AYLAN KURDI (poema publicado no Facebook 03/09/2015)
 
NOS MEUS BRAÇOS, ME DEIXAM NATIMORTO…
 (jorgemárciopereiradeandrade 2015)
 
Nos meus, nos seus, nos nossos braços
Depositam-nos mais um natimorto…
Nasceu como os outros, quase cresceu,
Mas ao mar dos sargaços e dos sarcasmos
Lançados, despejados e quase vivos jogaram…
 
Nos braços hiper capitais
E de capitães de econômicas areias movediças,
São lançadas, como grãos dessas areias, aos milhares, aos milhões,
Muitas outras, muitos Outros, muitas nuas e re-vestidas
Crianças apátridas e filhotes de guerras,
Filhotes, que não são nossos filhos…
 
À distância são e serão primeiro Zoé, coisa e bicho,
Depois, como Homo Belicus, nos dizem que somos Bios, somos gente de bem,
Mas nos tratam como nosso próprio lixo, escombros de bombas e perdidas balas…
 
Já esses/essas que nascem previamente mortos,
Pela falta de preço e apreço, ou royalties bélicos, tão numéricos,
Nas margens onde os crio sem os amar, se tornam Mar,
Oceanos ou barrentos Rios, cheios meninos, meninas naturalmente mortos,
Ou serão eles seus próprios e futuros ontem assassinos¿…
 
TIREM URGENTE-MENTE, ESSES MENINOS OU MENINAS DOS MEUS BRAÇOS!
QUE AS ONDAS DE NOSSA PUREZA SOCIAL
LIMPEM DE NOSSAS PRAIAS E CONFORMES,
ESSES INCONTÁVEIS, POLUENTES E INFAMES…
LIMPEM NOSSOS TELESCÓPIOS, BINÓCULOS,
E/OU LENTES TELEVISIVAS,
 POIS QUE NOSSAS ‘BOAS’ CONSCIÊNCIAS,
SÓ CHOCAM QUANDO OS ENXERGAMOS BEM DE PERTO…
 
Matérias publicadas sobre prevenção de suicídios:
OMS: suicídio causa uma morte a cada 40 segundos no mundo http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2015/09/oms-suicidio-causa-uma-morte-a-cada-40-segundos-no-mundo/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
 
Brasil tem 25 suicídios por dia. Estado lança campanha de prevenção https://www.bemparana.com.br/noticia/404829/brasil-tem-25-suicidios-por-dia.-estado-lanca-campanha-de-prevencao
 
Cresce o número de suicídios no Nepal três meses depois do terremoto http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/09/cresce-o-numero-de-suicidios-no-nepal-tres-meses-depois-do-terremoto.html
 
Preventing suicide: A global imperative http://www.who.int/mental_health/suicide-revention/world_report_2014/en/
 
Suicide OMS http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs398/en/
 
Pai do sírio Aylan: “se me dão agora o mundo, de que serve?” http://noticias.terra.com.br/mundo/asia/pai-de-ayla-afirma-que-agora-nao-adianta-o-mundo-oferecer-a-asilo-a-ele,fbdadf430a83ca837a74cc04d106a04e8ehfRCRD.html
 
LEIAM TAMBÉM NO BLOG:
 
O SUICÍDIO, ADENTRANDO AO MAR E AO NÃO HÁ MAR… http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2014/08/o-suicidio-adentrando-ao-mar-e-ao-nao.html
 
OS NOSSOS CÃES desCOLORIDOS – Nossas “depressões” e o Dia Mundial da Saúde Mental  http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/10/os-nossos-caes-descoloridos-nossas.html
 
CARTAS deVIDAs à DONA MORTE  http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/08/imagem-publicada-foto-do-ator-al-pacino.html
 
A DONA MORTE É GLOBAL, MAS NOSSO TESTAMENTO PODE SER VITAL. http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2012/09/a-dona-morte-e-global-mas-nosso.html
 
CRIANÇAS SÃO MORTAIS! – O Suicidado pedagógico http://infoativodefnet.blogspot.com.br/2011/09/criancas-sao-mortais-o-suicidado.html
Redação

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Caso o impeachment seja

    Caso o impeachment seja revertido, isso acontecerá muito no Brasil, pelo menos vontade alguns terá.

    Principalmente para os que acreditam na Veja e JN

  2. O maior erro é subestimar o

    O maior erro é subestimar o pedido de ajuda de alguém. O mito de que alguém só quer “chamar a atenção” e que não vai realmente se suicidar já ceifou muitas vidas.

  3. Atentar contra a própria vida pode.

    Legalmente, não há obstáculos  a que alguém se mate.

    Mas em países como o Brasil, ainda não se pode pedir a ajuda de alguém para que o interessado consiga morrer – ajudar neste caso é ilegal. Penas são mais brandas se houver justificativa para alguém – doente em estado grave – ser ajudado a morrer.

    Há alguns países como Suíça e Holanda, e alguns estados americanos  onde o suicídio pode ocorrer com ajuda médica. Chamam a isto de suicídio assistido.

    No link abaixo há distinção entre a eutanásia a distanásia e a ortotanásia:

    http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/87732/qual-a-diferenca-entre-eutanasia-distanasia-e-ortotanasia

     

  4. O Propósito da vida humana

    Só uma fé realmente impede uma pessoa de tirar sua própria vida. Para aqueles que acham que tudo termina com a morte, e quer a vida é fruto do acaso, não haveria muito a perder.

    A perda por suicídio só é sentida por quem acredita num propósito Maior para a vida humana, e tirar a própria vida seria como desistir de uma missão apenas por que esta é extremamente difícil, dolorosa, e sofrida. Ou seja, neste caso, dos que acreditam num propósito, é mais honroso enfrentar até o fim a vida humana e fazer o possível para cumprir esta missão, haja o que houver.

    1.   O engraçado e, por outro

        O engraçado e, por outro lado, trágico é que basta essa mesma fé em um “propósito maior” para que certos indivíduos, não só se matem, mas levem junto outros consigo, convictos de estarem cumprindo a vontade suprema daquele que supostamente lhes deu tal missão. A fé pode servir de instrumento para qualquer fim, não importando se este é bom, mal ou sequer absurdo.

       

        Para aqueles que acham só existir esta vida e nada mais, essa condição até pode fazê-los achar que perder a vida não será grande coisa, pois é da liberdade deles o quanto valorizam ou desvalorizam a própria vida. Mas para aqueles que se contentam com esta vida, mesmo achando-a como a única que terão, perceber que não haverá nada além dela mesma não a torna necessariamente sem sentido. Pelo contrário, os mostra que a vida é tudo do que eles podem dispor, portanto fazer dela o melhor que possível, desfrutá-la é o que os resta. Havendo um porvir, por comparação a vida torna-se menos importante, pois que ela seria só uma passagem. Uma missão ou teste em prol do objetivo maior que se encontra além dela. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador