Boulos na TV: entre a mensagem e a campanha, por Luis Felipe Miguel

Boulos na TV: entre a mensagem e a campanha

por Luis Felipe Miguel

Vou explicar um pouco melhor o que me desagradou na estreia de Boulos na TV.

Vejo muita gente criticando a linguagem da campanha de Boulos, o uso de memes, as referências à cultura da juventude urbana bem situada (o “Boulospalooza” etc.). Para mim isso não é um problema, desde que haja material para atingir outros públicos. E o horário de propaganda eleitoral é, evidentemente, um espaço privilegiado para isso – alcançar outros públicos.

Não custa lembrar, para desestabilizar um pouco nossa própria visão de mundo da bolha: 97,2% dos lares brasileiros têm televisão, mas mais de um terço dos brasileiros continuam sem acesso à internet (dados de 2018).

Boulos tem um tempo escasso, o que em si mesmo é um problema. Seria necessário identificar a mensagem central a ser passada – para despertar a atenção, para motivar a curiosidade política. Algo, creio eu, que marcasse a chapa Boulos-Guajajara como porta-voz de um projeto socialista. E que apontasse sua diferenciação em relação ao projeto do PT. Sem essa diferenciação, por que não apoiar diretamente Lula/Haddad?

Em vez disso, o PSOL usou seus 14 segundos para exibir o endosso de um artista famoso ao candidato. Não sei avaliar o quanto brilha Wagner Moura no star system brasileiro, mas sem tempo sequer para que o candidato apresentado aparecesse por conta própria, o programa se resumiu a um truque desgastado e despolitizante.

Parece que “campanha eleitoral é assim”, então se estamos em campanha eleitoral temos que fazer assim. Penso naquela ideia de “representação do eu”, do Goffman. Se sou candidato, então tenho que representar um candidato, isto é, me portar de acordo com a compreensão corrente de como candidatos se portam. O candidato que quer encarnar novas formas de viver a política fica numa situação ambígua, sujeito a pressões contraditórias, e não é fácil encontrar seu caminho.

Penso em outro vídeo, que recebi por whatsapp faz uns dias e que reproduzo aqui. É bem produzido, traz uma mensagem interessante. Mas o discurso final de Boulos me incomoda (“no dia 1º de janeiro de 2019 vamos promover uma ocupação e um despejo em Brasília”…). É o clichê do candidato: acenar com a certeza da vitória, apresentar o triunfo na eleição como o momento da grande mudança. É isso o que se espera de alguém como Boulos, que sabe que tem chances de vitória irrisórias e cuja candidatura faz sentido exatamente porque a eleição não esgota a luta política?

Não sou marqueteiro nem estrategista de campanha. Sou apenas um cientista político que apoia a chapa Boulos-Guajajara por ver nela muitas qualidades que, no entanto, sua propaganda não consegue revelar.

Luis Felipe Miguel – Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades. Pesquisador do CNPq. Autor de diversos livros, entre eles Democracia e representação: territórios em disputa (Editora Unesp, 2014), Feminismo e política: uma introdução (com Flávia Biroli; Boitempo, 2014).

 

Luis Felipe Miguel

5 Comentários

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  1. Pra mim o Boulos só tem um

    Pra mim o Boulos só tem um defeito, estar no partido errado. Como pra muitos, o Psol abriga em sua maior parte, e claro que o Boulos não faz  parte dela, a esquerda que a direita gosta. exemplo dissso? Luciana genro. Esta moça toda vez que quer ter seu nome citado na grande mídia, faz aquilo que todo golpista faz, ataca Lula e o Pt. Isto não é correto de jeito nenhum, pois não a vejo ganhar as páginas da mídia podre pra xingar os entreguistas. Por exemplo, os sabotadores de curitiba. Estes, inclusive, são elogiados por ela. Uma pessoa minimamente independente de pensamento não pode não ver sabotagem e perseguiçao política dos caras de terno preto das araucárias. Este comportamento dela deve ter um pouco de complexo de Édipo. Aguma coisa do tipo” O Cara não indicou meu pai. Acabou indicando a Dilma”. Posso estar enganado, mas acho que é por aí.

  2. *

    Não importa se a figura do Wagner Moura , ou a forma do Boulos de se colocar na campanha seja passível de alguma observação. O problema maior são esses exíguos 14 segundos para que qualquer candidato consiga dar a sua mensagem e fazer a sua campanha. É um tempo totalmente antidemocrático que chega a ser pornográfico. Na época do “meu nome é Eneas”, que em míseros segundos falava qualquer coisa; o que chamava a atenção é que ele era uma figura caricata, não a mensagem. Isso criou um desserviço para a democracia levando as pesoas acharem que se um partido tiver um tempo de 10 vezes “meu nome é Eneas”, ele conseguiria apresentar todo o programa partidário, e se tivesse 20 “meu nome é Eneas” um partido marxista faria a exposição d’O Capital tranquilamente. 

    Campanha política se faz nas ruas, em debates frequentemente acalorados e atualmente, mesmo com a interferencia das plataformas, na internet. Esse processo de assepsia, de despolitização e de criminalização da política vem sendo incubado nos últimos anos, ao ponto de grupos de direita atacar sindicatos, exposições , diretórios do PT e recentemente nas barcas Rio-Niteroi um policial imbecil (desculpe a redundancia) abusou da sua dose de truculência para impedir uma vereadora do Psol de fazer campanha.

    Se acharmos que devemos nos curvar a qualquer quantidade de segundos pois isso é a realidade, estaremos escancarando mais uma vez uma porta para essa direita estupida ( perdoe mais uma redundancia).

    É forma da campanha imposto por um tribunal que é totalmente dispensável (TSE) que devemos reagir. Um candidato com mordaça não fala, com camisa de força o seu corpo não se expressa.

  3. Devia usar o trecho “o povo ocupar o Planalto” na tv.

    Também achei que Boulos explorou mal seus 14 segundos na TV. Falar apenas em lutar contra privilégios fica muito vago, muito genérico. Não empolga e o telespectador mal entende sobre o que de fato está falando.

    O Wagner Moura poderia aparecer, mas bastava 1 segundo dizendo “Eu voto Boulos”. Com os 13s restantes dava para encaixar o trecho desse video acima (cortando as pausas dá para encaixar em 13s):

    (…) que é despejar aqueles tranqueiras que estão em Brasília. Tirar aquela corja de lá. Tirar o Temer de lá e ocupar o Palácio do Planalto, com o povo tomando aquele palácio.

    (Esse trecho começa nos 1m55s aproximadamente do vídeo acima)

    Para completar deveria incluir o texto de um endereço de rede social para quem quiser conhecê-lo melhor. Não precisa gastar tempo falando, é só colocar escrito sobre as imagens.

    Note que colocando esse trecho a mensagem de ocupação do planalto é de empoderamento do povo, de ocupação dos poderes pelo povo, em oposição à política opressora atual e às “instituições que funcionam” (contra o povo). Não fica a mensagem de “Boulos vai vencer” e sim do “povo vencer”. Serve para fortalecer qualquer candidatura popular e serve também e serve para chamar voto para eleger bancadas de esquerda.

    A retórica do Boulos é vibrante, empolgante, mobilizadora. É isso que dá para tirar de 14s de TV. Se o eleitor simpatiza com o candidato por causa de um discurso desse, o resto o eleitor procura saber, seja nas redes, seja no boca a boca entre amigos. É claro que com uma candidatura que ainda não é de massa, com 14s, Boulos não vai atingir todo o espectro do eleitorado, mas atingirá o público jovem e adulto indignado (não me refiro a coxinhas irremediáveis) que se afastou da política. 

  4. O Fantástico Mundo de Boulos
    “Eu quero deixar um recado. Você, banqueiro. Você, empresário milionário. Você, juiz que recebe auxílio-moradia tendo casa. Não vote em mim, porque eu vou cortar seu privilégio!”

  5. O Fantástico Mundo de Boulos
    “Eu quero deixar um recado. Você, banqueiro. Você, empresário milionário. Você, juiz que recebe auxílio-moradia tendo casa. Não vote em mim, porque eu vou cortar seu privilégio!”

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