Fernando Horta
Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.
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Permitam-me discordar, por Fernando Horta

Permitam-me discordar, por Fernando Horta

Grassa entre colegas historiadores, cientistas políticos, sociais, antropólogos e etc. a ideia de que o “verdadeiro inimigo” da esquerda, nas eleições de 2018, é a chapa Geraldo Alckmin e Ana Amélia. É certo que os colegas que pensam assim têm sondados motivos para tanto. A dolorosa experiência neoliberal ainda está “recente” nas mentes dos latino-americanos. A experiência da financeirização das dívidas, do empobrecimento dos países, do carreamento de recursos em escala imensa para o centro do sistema (EUA e Europa Ocidental). Os efeitos colaterais das políticas da austeridade e subserviência ao capital evocam péssimas memórias. O povo empobrecido e desempregado, famílias à beira do desespero que, por pura necessidade, se submetem a sistemas de trabalho degradantes, mal remunerados e assim aumentam a extração de mais-valia e a concentração de renda. Destruição das indústrias que faziam alguma concorrência às estrangeiras. No governo Collor, por exemplo, o Brasil tinha uma nascente indústria elétrica-eletrônica que simplesmente foi dilacerada com as políticas de “abertura de mercado”. Era mais fácil se comprar uma camiseta do “Los Angeles Lakers” ou do “Chicago Bulls” do que do Flamengo, naquele tempo.

Além do trauma do neoliberalismo, a esquerda materialista se sustenta no ferramental de análise, robusto, do marxismo. Assim, “em última instância” os sujeitos são racionais, tomam decisões auto-interessadas e a questão econômica é definidora. Não há dúvida que os mesmos empresários que apoiaram o golpe de 2016 apoiam Alckmin. É o poder do capital fazendo pender a “democracia” para o lado dos seus interesses. O ferramental explicativo do marxismo é claro em apontar uma relação entre os limites do processo democrático e os interesses de classe. Muita gente boa aponta – com certa razão – estas questões para dar a Alckmin a vantagem sobre Bolsonaro. Ainda, as alianças construídas pelo tucano nos últimos 45 dias deram a ele mais de cinco minutos de televisão, contra apenas oito segundos do candidato fascista.

Não é, assim, sem fortes razões que muitos têm indicado a chapa do PSDB como a grande opositora dos candidatos de esquerda. Há uma “previsão” pelo retorno da bipolaridade PT-PSDB no Brasil e muitos defendem que mesmo esta bipolaridade seria a solução para os nossos problemas políticos. Emulando os sistemas ingleses e norte-americanos, ambos com dois fortes partidos a concentrarem virtualmente todo o conjunto de votos em seus respectivos sistemas, muitos defendem que a estabilidade gerada por um arranjo bipartidário seria uma espécie de “bons ventos” para o combalido, fisiológico e mesmo vil sistema “presidencialista de coalizão” brasileiro. A título de informação, o Brasil tem hoje, registrados, 35 partidos e 28 deles estão no congresso.

Permitam-me, contudo, discordar desta análise.

O que vivemos no Brasil (e no mundo) hoje é o resultado de dois grandes processos agudos, ambos econômicos. Em primeiro lugar a crise de 2008 (e 2010 na Europa) geraram não apenas um prejuízo gigantesco, em termos financeiros e econômicos, como – e mais importante – a percepção por parte significativa da população mundial dos limites do projeto capitalista-liberal e neoliberal. Não apenas o crescimento infinito não é possível num ecossistema finito (e isto leva à destruição do planeta) como, desde a queda da URSS, o capitalismo têm entrado em ciclos cada vez mais agressivos de acumulação de renda. Sem retorno. Não por acaso, universidades em todos os lugares do mundo vêm denunciando esta concentração, seus males e tentando propor soluções.

O individualismo atávico – que ressuscita figuras medíocres como Ayn Rand – é uma resposta à crise econômica. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, diria a sabedoria brasileira, em uma síntese quase total da argumentação de Rand. Este individualismo que se joga contra toda e qualquer forma de proteção coletiva, somado a um sistema econômico em cujo “lucro” se transforma na razão mesma da existência e do tempo das pessoas, provoca uma crise moral sem precedentes. Desde o “Carpe Diem”, como moto do final do século XX e início do XXI, os indivíduos passaram não apenas a se preocuparem em suprir seus prazeres e necessidades imediatas, como passaram também a não se preocupar com as gerações futuras. O resultado destas linhas comportamentais e ideológicas é uma pressão social imensa pela acumulação econômica presente, combinada com um gasto imediato de todos os aprovisionamentos (sejam econômicos ou mesmo financeiros), afinal “a vida é curta” e “o que importa é você”.

Esta dupla pressão, individualista e capitalista, criou um sistema que se expande através do consumo e da corrupção. Alguém poderia argumentar que, desde que o “mundo é mundo”, há consumo e corrupção e onde estaria, afinal, a diferença dos tempos atuais. Não é difícil mostrar que a diferença está na potência. É a primeira vez que chegamos ao ponto de inutilizar o planeta. A concentração de renda já sobrepassou, em termos percentuais, o auge que se encontrava antes da primeira guerra mundial. E nunca os governos estiveram tão submetidos a interesses de uma plutocracia mundial e tão distantes da sua função inicial: de oferecer segurança (material, legal, biológica e etc.) a TODOS os cidadãos.

Se, nas palavras de João Cabral de Melo Neto, em meados do século XX, no Brasil, se morria “de velhice antes do trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia”, no Brasil do XXI se morre de bala antes dos vinte e do coração ou de câncer até os cincoenta. E a fome, para regorzijo dos monstros, voltou.

Neste contexto, para calar as vozes críticas ao capitalismo, para deslegitimar os discursos científicos que apontavam as engrenagens mesmas do sistema como incapazes de trazer um resultado minimamente aceitável para a população, os liberais e o capital liberaram o velho animal aprisionado à sangue, durante a segunda guerra. Primeiro romperam-se com as amarras morais positivadas em todo e cada país do mundo desde 1945: os direitos humanos. Aquilo que garantia que as bestas fossem contidas e seus comportamentos combatidos, foi deslegitimado através de uma junção de anti-intelectualismo e individualismo que nos colocaram em posição de aceitar comportamentos que na década de 60 ou 70 seriam repudiados socialmente em quase todo o mundo.

Em segundo lugar, para assegurar que as bestas-feras tivessem liberdade social para suas manifestações e ações, lançou-se sobre a sociedade medos anacrônicos e imaginários. Na mentalidade do século XXI, o “comunismo” reapareceu, e muitos juram que ele já está instalado no nosso país. Mesmo que se mostre o imenso lucro dos bancos, a defesa peremptória que nossos códigos jurídicos fazem da propriedade privada (mais resolutos do que defendem a vida), e o aumento cada vez mais evidente da extração de mais valia e acumulação privada, uma parte significativa da nossa sociedade segue em dissonância cognitiva e nega a própria realidade: “o Brasil é comunista”.

Nos anos 20 e 30 do século passado, também o mundo se encontrava em situação de crise econômica, crise moral (advinda dos absurdos da primeira guerra) e uma profunda desesperança na capacidade da raça humana de sobreviver a ela mesma. A primeira guerra, é chamada pelo historiador Marc Ferro como “La grande guerre”, e este argumenta que ela foi muito mais importante ao imaginário do século XX do que fora a segunda. Florescia, com todos os acertos, erros e contradições, a experiência socialista da União Soviética. Esta que transformou camponeses crédulos em magias, espíritos e maldições em 1917, na primeira sociedade da História a colocar um objeto em órbita da terra em 1957.

As bestas, afinal, precisavam ser liberadas.

Criou-se um sistema de pensamento social e político de massas, cujo cerne era a ideia de pureza moral de seus membros. O fascismo se tornava auto-referente, esquecendo a realidade. Todo judeu era comunista, segundo Hitler, e Mussolini atualizava a Bíblia para dizer “dois olhos por um olho e dois dentes por um dente”.

Embora seja evidente que o capitalismo é a base do sistema fascista, o fascismo atacou violentamente o liberalismo político. Obedecer, amar, disciplinar-se, sacrificar-se são verbos todos alinhados com o discurso fascista e que apontavam ao ente escolhido para o referente social. Não mais a pessoa humana, não mais o dinheiro ou o valor econômico, mas uma visão pouco definida de “pátria” que encerrava a ideia de Estado e de Nação. Neste sentido, o fascismo poderia se opor ao socialismo e ao capitalismo financeiro transnacional. Internamente, havia a escolha de quem poderia ou não poderia participar da “pátria”. Este processo de retirada de direitos civis, econômicos e políticos de determinados grupos (entendidos como inferiores ou “traidores”) é característica da montagem da ideia de nação fascista. O fascismo se consolidava como fenômeno de massas enquanto subsumia parte da população aos verbos aceitar e obedecer e matava a parte que disto discordava.

A sensação dos que aceitavam era de um pertencimento a um organismo limpo e virtuoso. Sem corrupção, seja ela moral, política, econômica ou qualquer outra.

Pouco importa se os estudos mostrem que o fascismo era extremamente corrupto, e desvelem hoje as incongruências morais dos líderes que, à época, se apresentavam como fiadores da sociedade limpa. O fascismo não é racional e cria discursivamente a sua realidade, afastando, atacando e matando quem nela não acredita.

No Brasil, Bolsonaro vai desmontar Alckmin e seus cinco minutos de programa. O fascismo brasileiro tem como via de apoio o neopentecostalismo da prosperidade (que se diz evangélico) e estes grupos são bastante mais agressivos do que era a Igreja Católica do entre-guerras. Além disto, o anticomunismo, usado e fomentado pelos liberais para apearem o projeto progressista vitorioso em quatro eleições, é suficientemente elástico para servir-lhes de mortalha. Já pululam nas ruas e nas redes a ideia de que a Globo é comunista, Alckmin é comunista e nem a escolha da proto-fascista Ana Amélia para vice terá a condição de frear isto.

Bolsonaro estará no segundo turno e, sem o carisma de Lula, temo que a democracia não seja suficiente para solucionar os problemas políticos do nosso país. O fascismo, por gênese, não responde aos apelos do capital. Se expande e se fortalece nas disputas diárias entre a racionalidade e o anti-intelectualismo. Se alimenta da mesma violência que exala, num moto contínuo que vimos não ser possível abortar a partir de um determinado ponto. Os liberais soltaram os monstros e aprisionaram o único brasileiro capaz de vencê-los. Por ignorância e pedantismo morrerão comidos pelas feras com as chaves da solução em suas mãos. Ao enfraquecerem a esquerda, os liberais criaram o mesmo arranjo terminou em uma guerra mundial.

O Brasil terminará na violência. O ano de 2018 será longo e penoso. Não vejo a democracia ou as instituições com qualquer força para recolocarem o país nos trilhos. No fim, a direita liberal brasileira, ao dar um golpe em Dilma, condenou-se, e ao Brasil, a enfrentar a violência crua daqueles que se acreditam portadores da pureza e que tomam como inimigos mortais todo o resto da população. O capital deverá ser subserviente ao fascismo ou será atacado e dizimado. Bolsonaro e sua ignorância são um farol alto e claro que une semelhantes pelo Brasil todo. E ele tem 8 segundos de televisão. É muito mais do que jamais teve, já chegou até aqui … 

Fernando Horta

Somos pela educação. Somos pela democracia e mais importante Somos e sempre seremos Lula.

7 Comentários

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  1. De Fernando em Fernando, o Brasil vai acabando!

    Para não levar a conversa muito adiante em texto tão ruim:

    – Entender a direita chamada de moderada (personificada na ala picolé de chuchu) e a direita boçal (personificada em bolsopatas) como coisas diferentes, e que representam perigos diferentes é coisa para calouro de História.

    São ambas as facções soluções para usos diferentes, de acordo com a farsa ideológica que se quer criar a e disseminar, Fernando!

    São coisas complementares. Quem age sem lógica sistêmica são as forças anti-sistêmicas (nós!).

    Não à toa, como diagnostica o próprio texto (ruim), uma coisa (a direita besta fera) deriva sempre do ocaso dos ciclos da chamada direita liberal seus influxos de capital para início de novo ciclo de aumulação.

    No meio do caminho, quando a turma não aguenta mais tanta peia no lombo, aí deixam os chamados moderados do centro e da esquerda reformarem um pouco da coisa com tempero keynesiano.

    Só o tempo de ganharem fôlego em cima da contradição insolúvel que se abaterá no republicanismo de esquerda e sua incapacidade de rezar para deus (o social) e para o diabo (o capital), ou será que é o contrário?

    Depois ele fecha o texto (ruim) falando que o Brasil acabará em violência.

    É piada isso ou cinismo mesmo?

    Em qual país pacífico o Fernando mora?

    Bonita camisa Fernando.

     

  2. O capital nunca se curvou ao fascismo

    Os liberais foram subservientes ao fascismo, não o capital. O capital, como forma social (valor que se valoriza) nunca se curvou ao fascimo, muito pelo contrário: fascistas e nazistas foram instrumentos eficazes de expaanção do capital em seus países, ao desafiar os liberais da época e implementar programas econômicos keynesianos (fordistas) em seus paśes.

    Aliás o sucesso do fascismo na época se fundament em dois pilares: a construção da identidade nacional pura pela via da exclusão do outro (judeus, eslavos, deficientes, homossexuais); o sucesso econômico das medidas keynesianas implementadas por Hitler e Mussolini.

    A conjuntura agora é outra. O fascimo está ressurgindo, mas como neofascismo. Na Europa e nos EUA há uma tentativa de construção de uma identidade racial, mas na América Latina, o fascismo é mais difuso e o outro não é marcado geneticamente pela raça e sim socialmente: o comunista, o petralha, o gay.

    Outra diferença é que os fasacistas não tem mais como propor nem executar políticas econômicas de base keynesiana, pois a crise global do capital veda esta alternativa progressista. A tendência hoje é muito mais caótica, principalmente nos países subdesenvolvidos, onde

    1. Qualquer governo neoliberal fará a econnomia afundar mais rápido e com mais intensidade, perdendo rapidamente sua sustentação política;

    2. Os governos progressistas podem, no máximo, se tornar governos de adminsitração de crise, com sua ênfase na proteção social, uma vez que as políticas keynesianas de crescimento e industrialização não funcionam mais. Mais cedo ou mais tarde, tais governos perdem a legitimidade (como o PT) por não cumprir a promessa do tão sonhado desenvolvimento;

    3. Os governos neofascistas, sejam de cunho mais liberal ou progressista, além de irracionais e conturbados, não podem frear a crise capitalista, pelos mesmos motivos dos neoliberais e progressitas.

    A única saída é a emancipação do capitalismo, mas as pessoas estão tão impregandas da cultura capitalista que não conseguem ter esta consciência de que o sistema está se tornando inviável, para além de qualquer reformismo.

    Aliás o sucesso dos fascistas reside aí: como nenhuma linha política apresenta solução no âmbito do capitalismo e na impossibilidade psíquica de se reconhecer que o problema real é o próprio capitalismo (seja ele neiliberal ou progressita), as pessoas passam a um estágio de fuga desesperada, que se exprime como delírio coletivo neofascista. Buscam se refugiar no moralismo e descarregam suas frustrações, medos e ódios em bodes expiatórias: comunistas, petistas, favelados, nordestinos, gays, banqueiros, corporações, haitianos, árabes, chicanos etc.

    1. Sua análise é perfeita.
      A

      Sua análise é perfeita.

      A maior causa das falhas de análise da atual situação ocorre porque muitos analistas não percebem que estamos vivendo a grande crise do capitalismo.

      Como a sociedade não enfrentou as contradições do sistema capitalista, essas contradições se tornaram cognitivas. Afinal, se o capitalismo funciona (como o dogma neoliberal afirma), porque existe tanta pobreza e desigualdade? Ora, a culpa só pode ser dos comunistas!

      Acredito que temos duas vias de saída a longo prazo:

      – O modelo de desenvolvimento chinês. Que está longe de ser perfeito e totalmente humano, mas pelo menos aparenta ser mais sustentável e menos violento que o modelo ianque (é o melhor que temos pra esse século, infelizmente).

      – A conscientização da geração Y. A grande maioria da geração Y tem que lidar com uma contradição gritante de sua existência: é a geração mais bem formada e pior empregada da era moderna. Embora uma parcela dessa geração tenha comprado o discurso da extrema direita para explicar essa contradição, a outra parcela está percebendo que a única alternativa que restou é o socialismo.

      1. Permita-me discordar.

        Gilberto, duas questões que imagino que você erra:

        – Primeira, o capital não tem crise, esse é o modelo de funcionamento, com fluxos e influxos dedicados ao vai e vém para concentrar riqueza, alavancá-la e claro, a cada ciclo (que você chama de crise) expurgar enormes contingentes de qualquer acesso a qualquer forma de riqueza ou benefício.

        – Segunda, o modelo chinês não é, ou pelo menos não temos elementos de análise para tal afirmação, menos violento. Como modelo gestor planificado capitalista, o modelo chinês apresenta apenas um modelo de violência diferente, mas creio, que não pode ser classificado como melhor ou menos pior.

        Sem superação do capitalismo, não há saída menos pior.

  3. Cenário fúnebre

    A violência é um atributo do fascismo. A II Guerra é uma prova inconteste disso.

    Assim que as idéias fascistas envenerarem metade da sociedade (já são 15%), tudo que for diferente será violentamente eliminado.

    Penso que a nossa elite escravocrata aplaudirá, como fizeram com Hitler.

  4. Análises devem ser apoiadas em fatos e não em discursos.

    Analisar o fascismo pelo discurso de seus líderes é uma falha que muitas pessoas de boa formação intelectual o fazem, por exemplo, falar que o fascismo é em teoria anticapitalista e antiliberal é cair no falso discurso que os grandes líderes fascistas empregaram para chegar ao governo e enganar uma parte da pequena burguesia europeia.

    Falar que o fascismo era uma forma centralizada de poder para eliminar o liberalismo político dando a este um extra a mais que justifique o apoio de políticos que também se dizem liberais, mas não adotem abertamente políticas fascistas de partido único é simplesmente desviar a atenção dos inimigos.

    Para não ficarmos numa argumentação também baseada em discursos vamos a exposição de fatos, que contrariam esta visão adotada inclusive por intelectuais progressistas, e mostram que apesar dos líderes fascistas fazerem um discurso antiliberal e antidemocrático o objetivo real dos governos fascistas era simplesmente da continuidade do capitalismo sem a necessidade do voto plebiscitário.

    O primeiro fato a ser registrado, é que diferentemente das falas atuais dos neoliberais contra o fascismo por estes últimos como o fascismo algo que atrapalharia o mercado, os grandes líderes do liberalismo teórico da época, como Ludwig von Mises, apoiaram descaradamente os regimes nazi-fascistas.

    Von Mises em 1927, ou seja, cinco anos após os fascistas chegarem ao poder na Itália, que ele se manifesta num livro em que elogia o fascismo através da seguinte frase:

    “Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes que visam o estabelecimento de ditaduras estão cheios das melhores intenções e que a sua intervenção salvou por um momento a civilização europeia. O mérito que o fascismo conquistou por si só viverá eternamente na história.”

    Após esta frase ele critica o fascismo com outra:

    “Mas embora sua política tenha trazido a salvação no momento, não é do tipo que poderia prometer sucesso contínuo. O fascismo era uma emergência improvisada. Para visualizá-lo como algo mais seria um erro fatal.”

    Os liberais utilizam estas frases extraídas do livro “Mises, L. von, 1927. Liberalismus, G. Fischer, Jena.” Para dizer que ele era antifascista, para isto eles contraem o tempo dizendo em suas publicações que o livro foi editado logo após a ascensão do fascismo ao poder.

    É interessante ressaltar, que entre a subida de Mussolini ao poder em 31 de outubro de 1922, quando é nomeado o 40º primeiro ministro da Itália pelo Rei Vítor Emanuel III até a publicação do livro que ele num verdadeiro morde e assopra contra o fascismo italiano, passaram-se quase cinco anos (1922=>1927).

    Os neoliberais da atualidade simplesmente distribuem a responsabilidade de von Mises com o resto da grande capital que apoiou o fascismo desde o seu início. Dizendo inclusive que até 1933 havia na imprensa Imperialista internacional, elogios ao fascismo.

    Para reforçar mais a simpatia de von Mises aos fascistas, é importante dizer que até 1934 ele atuou como conselheiro do governo austro-fascista de Engelbert Dollfuss e a sua fuga e exílio na Suíça se deve não as suas convicções pró-fascistas, mas sim pelo seu medo de como Judeu ser perseguido pelo antissemitismo de Hitler. Os fatos tornam claro que o fascismo era não só tolerado, mas também aplaudido, pelos liberais da escola Austríaca.

    Outro fato inegável da tendência liberal dos governos fascistas foi desnudado com dados objetivos levantados pelo pesquisador espanhol-catalão Germà Bel, da Universidade da Catalunha, que nas suas publicações sobre as privatizações no governo fascista italiano “From Public to Private: Privatization in 1920’s Fascist Italy” e no governo alemão “Against the mainstream: Nazi privatization in 1930s Germany”. Tanto num dos trabalhos como no outro fica claro e inequivocamente demonstrado (os trabalhos são baseados em dados contábeis, não em suposições teóricas), que tanto na Itália Fascista como na Alemanha Nazista, a reprivatização do patrimônio público na Itália como na Alemanha foi maior do que os programas de privatização modernamente levados a cabo pela ditadura de Pinichet no Chile, considerado erroneamente como o primeiro grande programa de privatização do mundo.

    Germà Gel no seu texto sobre a Alemanha nazista chega a escrever:

    “privatizations in Chile and the UK, which began to be implemented in the 1970s and 1980s, are usually considered the first privatization policies in modern history, … none of the contemporary economic analyses of privatization takes into account an important, earlier case: the privatization policy implemented by the National Socialist (Nazi) Party in Germany. … Although modern economic literature usually fails to notice it, the Nazi government in 1930s Germany implemented a large-scale privatization policy”.

    Germà Gel, inclusive detalha que grande parte dos déficits tanto da Alemanha Nazista como da Itália fascista foram cobertos pelos recursos das privatizações.

    Em resumo, a ideia da diminuição do papel do Estado tem início nos movimentos fascistas e não ao contrário que os liberais tentam passar, que os estados fascistas eram intervencionistas na sua política econômica.

    Um terceiro e fundamental fato que demonstra a tendência privatizante e “laissez faire” dos governos fascistas é demonstrado quando em fevereiro de 1942, quando Albert Speer, o arquiteto de Hitler, assume o ministério do armamento ele descreve em sua biografia que a indústria alemã, ao contrário da britânica, não estava voltada totalmente para a guerra, bens de consumo eram produzidos como em tempo de paz, as fábricas trabalhavam em horário único para maximizar seus lucros. A surpresa de Speer começa no dia de sua nomeação, quando ele visita a noite uma das maiores fábricas de armamento alemãs e para sua surpresa não tinha ninguém trabalhando.

    O último parágrafo mostra que no meio de um esforço de guerra, quem coordenava a produção eram os próprios industriais sempre tentando maximizar seus lucros. Estas afirmações são demonstradas fisicamente pela produção de armamentos na Alemanha que começa a crescer significativamente somente em 1942, enquanto na Inglaterra e USA isto começa um ano antes.

    Conforme pode se provar por dados financeiros e físicos, além do apoio de liberais as causas fascistas, o DISCURSO FASCISTA de um Estado forte e centralizado só serviu para impedir que houvesse uma oposição de esquerda ou no mínimo democrática, pois em termos econômicos a dominação do capital sobre o Estado foi clara e inequívoca, só perdendo esta característica em 1942 quando os países do eixo começam a ficar com problemas de abastecimento de equipamentos militares devido a uma gestão da produção desse tipo de produto comandada pelo grande capital.

    Uma análise focada no discurso e não em fatos, pode fortalecer candidatos de extrema-direita que diferentemente dos toscos candidatos como Jair Bolsonaro ou Cabo Dalciolo, pregam aos quatro ventos ideologias neofascistas evangélicas enquanto os verdadeiros neofascistas de outras denominações religiosas, como os apoiados pelas Opus Dei que se eleitos aplicarão a mesma política regressiva com apoio mais consistente de uma direita nacional e internacional mais sólida e com capacidade de governar.

     

  5. Analogias históricas são boas

    Analogias históricas são boas mas são só analogias. Uma análise marxista é uma analise concreta da situação concreta. Com isso quero dizer que o neofascismo é fascismo, mas não é o mesmo da década de 1920 e 1930. Não há um revolução proletária nas costas muito menos a vista; o fascismo nasceu como resposta a democracia de massas a universalização do voto, hoje temos uma democracia de massas mas que foi absorvendo elementos do fascismo como as técnicas de manipulação, cujo modelo é a ‘democracia’ americana.

    Acho os neofascistas não irão acabar com a democracia tal como existe e implantar uma ditadura do partido único. A manipulação se sofisticou muito desde a década de 1930 – imagine Goebbles no Facebook, – o capital compra facilmente quase qualquer governo diretamente ou pela divida publica. Os que não o agradam ele derruba com golpes ‘dentro da lei'(devidamente ‘interpretada’), sem guerra, sem armas. Ou seja quase todos os partidos são um partido único!.O neofascismo usa os recursos desa democracia manipulada para ganhar o jogo, inclusive influenciando todo o espectro politico ‘democrático’ – isso já acontece na Europa e estamos vendo acontecer nessa eleição no Brasil! O ‘discurso contra a democracia manipulada e a favor de uma democracia real hoje é da esquerda – resurso a plebiscistos, participação popular nos governos, liberdade de imprensa(em lugar da liberdade de empresa de midia), etc. Acho que os neofascistas no Brasil vão fazer o mesmo que estão fazendo no resto do mundo: aumentar a manipulação e diminuir a participalção efetiva e consciente da maioria da população até restar só uma casca democrática cada vez mais fina com conteúdo cada vez mais autoritário.O pior dos mundos.

    E o fascismo hoje não precisa assumir um discursos e muito menos práticas anti-capitalistas – no máximo antiglobalista e isso dependendo do local. Não é preciso assumir esse discurso porque não há uma revolução trabalhadora atrás e nem a vista. O neofascismo pode assumir o neoliberalismo se não no discurso, pelo menos na prática – veja a poltica economica interna do Trump!; não precisa fazer arremedo de estado de bem-estar (só para os escolhidos, é claro!).

    Li uma reportagem no The Gruardian em que o pesquisador do Credit Suisse que apontou para a enorme concentração de renda no mundo afirmava que os seus clientes – os mais ricos do  mundo – sabiam disso e que isso pode provocar uma revolta mundial. Mas não espere que eles façam reformas e concessões para deter a possivel revolta, eles não precisam mais fazer isso. O que eles querem é mais liberalismo economico, autoritarismo (pseudo)democrático e conservadorismo social.Isso é o neofascismo.

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