Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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O carro do futuro: alternativas e desafios

Michelle Hallack e Miguel Vazquez
do Blog Infopetro

Hoje há uma grande discussão de como será o carro do futuro em diversos aspectos (desenho, funcionalidades, tecnologias, usos…) e certamente esta indústria impactará fortemente no futuro do mercado energético. Atualmente, cerca de 20% da demanda mundial de energia advém do setor de transporte. Como mais de 90 % desta demanda ainda é concentrada em derivados de petróleo, significa que cerca de 60% do consumo de petróleo mundial depende do setor de transporte. Rapidamente, podemos imaginar o que ocorreria com o mercado de petróleo mundial caso alguma tecnologia substituta realmente consiga deslocar os combustíveis derivados do petróleo.

A distância que estamos deste futuro é uma questão que vale certamente muito mais que um milhão de dólares. Contudo, o que se pode observar é um forte movimento de desenvolvimento de diversas tecnologias alternativas. Algumas destas tecnologias podem se complementar, mas certamente haverá (e já está presente) uma disputa entre as tecnologias por participação no mercado. Por outro lado, os carros baseados em gasolina e diesel buscam inovações para o aumento de eficiência dificultando assim a sua superação. Será que não haverá um carro do futuro, mas sim conjunto de possibilidades? Será que a matriz de combustíveis será diversificada e heterogênea como a matriz elétrica?

Logo, desculpem-nos os grandes amantes das tecnologias automotivas, mas ao contrário do que o título pode levar a crer, não analisaremos a possibilidade de ter os nossos carros dirigidos pelos softwares do Google ou se em breve entraremos voando em um dos carros dos Jetsons. Este é o primeiro de uma série de textos que objetiva discutir o desenvolvimento de combustíveis alternativos. Mais precisamente, a interação entre a indústria da energia (mercado, regulação e política), a indústria do transporte (considerando aspectos da mobilidade urbana) e a promoção de novos combustíveis. 

Este artigo introdutório a série objetiva chamar a atenção para a necessidade de trata o tema de maneira sistemática. Diversos temas relacionados aos combustíveis alternativos (etanol, biodiesel, veículos elétricos, gás natural veicular, células de hidrogeno) foram já tratados em artigos acadêmicos, por órgãos governamentais e mesmo neste blog, embora que isoladamente. A perspectiva que adotaremos aqui, no entanto, objetiva a busca de uma estrutura e de elementos chaves no tratamento das diversas alternativas para o carro do futuro. Tentaremos seguir o conselho de aquela lenda indiana dos cegos palpando parte de um elefante: o cego que palpava a trompa falava que era flexível como uma mangueira, mais o que palpava uma perna achava que era como um poste. Todas aquelas experiências eram verdade, embora que aparentemente contraditórias. Da mesma maneira, tentaremos nesta série combinar diversas experiências para tentar imaginar todo o elefante.

Definição preliminar de combustíveis alternativos

Há uma ampla gama de produtos que são frequentemente tratados como combustíveis alternativos: desde tecnologias hibridas (que aumentam a eficiência dos combustíveis derivados do petróleo) a tecnologias baseadas em células de hidrogênio (ainda sob desenvolvimento do ponto de vista comercial). Abaixo segue uma breve apresentação dos combustíveis alternativos em discussão.

Tabela 1: Sumário dos combustíveis alternativos considerados

Veículos elétricos Veículos elétricos são aqueles que possuem baterias elétricas e são capazes de recarregar estas baterias através de acesso a rede elétrica (plug-in)[2]. A transferência na energia da rede de distribuição para as baterias dos carros necessita, no entanto, de infra-estruturas e coordenação específica para garantir o bom funcionamento do sistema.  Note que os veículos podem ser flexíveis, i.e., permitir o uso da bateria elétrica e do combustível tradicional ou serem completamente elétricos[3].

Células de hidrogênio

As células de hidrogênio são usadas para a produção elétrica, já dentro do veículo. As células convertem a energia química do hidrogênio em eletricidade. Para tanto seria necessário infra-estrutura de produção, distribuição e armazenagem de hidrogênio. Um dos principais problemas do hidrogênio é sua armazenagem no veículo, que não é segura se mantida pressão e temperatura ambiente[4].
Biodiesel O biodiesel é um combustível renovável que pode ser fabricado a partir de óleos vegetais, gorduras animais e através da reciclagem de gorduras utilizadas. O biodiesel quando usado diretamente (sem misturar com outros combustíveis) é chamado de B100. No entanto, atualmente o mais frequente é o uso do biodiesel misturado aos derivados do petróleo como o tradicional diesel.
Etanol Etanol é o combustível obtido da fermentação de açucares. Novas tecnologias têm permitido a produção de etanol através da celulose. Assim como o biodiesel, o etanol pode ser usado como único combustível ou misturado em derivados do petróleo (como a gasolina).
Gás Natural Veicular (GNV) O GNV é uma mistura de hidrocarbonetos leves que, à temperatura e pressão atmosférica, permanece em estado gasoso. Ele é constituído predominantemente por metano.

Fonte: diversas, elaboração própria

Note que os diferentes combustíveis estão em distintos níveis de desenvolvimento tecnológicos e de introdução comercial. Todos eles, no entanto, são alvos investimentos privados e de políticas seja para introdução massiva, seja como parte de projetos pilotos. Todas as tecnologias possuem, assim, certa maturidade, mesmo que ainda estejam sujeitas a pesquisa e desenvolvimento.

Motivações à busca do combustível alternativo

Pode-se de destacar três grandes motivações para a corrida dos países por uma tecnologia alternativa: questões ambientais (como a emissão de gases de efeito estufa), a característica esgotável do petróleo e a concentração em algumas áreas geográficas das reservas de petróleo (o que dependência de muitos países da importação deste recurso).

Preço do petróleo, mais precisamente a perspectiva do preço, do petróleo é muitas vezes apontada como variável chave para o desenvolvimento de alternativas a este combustível. O preço do combustível tradicional, certamente é a variável que está observando os investidores e muitos policy makers, contudo, pode-se compreender está análise como consequência das reservas de petróleo (e expectativa de produção) por um lado, o que está intimamente ligado com o caráter esgotável do produto. Por outro lado, as análises de preços, também consideram a estrutura de mercado, o que está relacionado com a concentração geográfica do mesmo.

De acordo com a Agência Internacional da Energia[5], o setor de transporte é o segundo maior emissor de CO2 (21%), seguido pelo setor elétrico (41%). Dentro do setor de transporte, o rodoviário é o maior emissor de CO2. Neste sentido, qualquer política seriamente comprometida a reduzir a emissão de gases de efeito estufa passará pela adoção de combustíveis alternativos. Ademais, as questões ambientais vão além das políticas relacionadas ao efeito estufa, grande parte dos problemas relacionados à qualidade do ar em metrópoles se deve também às emissões dos automóveis. Enquanto, o efeito estufa é um problema mundial, cujas externalidades não se restringem geograficamente, a qualidade do ar possuem efeitos na saúde da população local. As políticas de melhora da qualidade do ar, por serem mais localizadas que as políticas em relação à emissão de CO2tendem a serem mais efetivas, pelos menos países mais desenvolvidos.

Somando a estas motivações, vale notar que, visto que a corrida por inovações em marcha a própria disputa pela fronteira tecnológica também se tornou um motor importante para as inovações no setor.

Inexistência de uma trajetória tecnológica definida

A inexistência de uma trajetória tecnológica definida pode ser observada pela heterogeneidade de tecnologias adotadas nos países e das políticas de incentivos. As varáveis que levam e que deveriam levar a adoção ou preferência de uma tecnologia em detrimento de outras é objeto de estudo dos autores. Assim como quais as consequências destas escolhas. Em uma primeira breve observação pode-se perceber que as tecnologias têm diferentes penetrações nos países, e que com isto a composição da matriz de combustíveis dos países começa a se diversificar. Esta diversificação tecnológica permite a competição entre as diferentes opções, o que por um lado incentiva as inovações e disputa pela posição de tecnologia predominante, contudo, por outro lado, este efeito leva uma ausência de standard tecnológico e diminui a escala de produção, como consequência prejudica o desenvolvimento de algumas tecnologias que necessitam de escala.

Breve comparação entre os principais usuários de cada tecnologia

O uso do gás natural veicular (GNV) é especialmente concentrado na Ásia e na América Latina, o gráfico 1 mostra porcentagem de carros de GNV que cada país possui em relação ao total de carros de GNV no mundo. Foram selecionados todos os países que possuíam pelo menos 1% do total de carros GNV no mercado mundial. Na Europa, a Itália é país que vem apostando mais no GNV, chegou a ultrapassar de 20% das vendas de carros novos em 2009 (Campetrini e Mock, 2011)[6]. Os Estados Unidos, com a diminuição do preço do gás natural pode aumentar em breve sua participação no mercado de GNV.  Ao contrário dos Estados Unidos, o mercado de GNV no Brasil (que ainda é um dos mais importantes no mundo) vem sendo impactado negativamente pelos preços desde 2008. O Brasil, que apresentou um expressivo crescimento do uso o GNV entre 1997 e 2007, observou uma retração na demanda do combustível desde então. Diversos fatores devem ser considerados, mas certamente o aumento do preço do combustível é um dos fatores centrais. Note que a análise do impacto dos preços do gás natural na demanda deve levar em consideração o preço dos combustíveis substitutos, que no Brasil deve incluir principalmente a gasolina e o etanol. (…) O texto continua no Blog Infopetro.

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

3 Comentários

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  1. Diesel

    Os novos motores Diesel apresentam um grau de eficiência térmica, com uma tecnologia testada e aprovada para consumo de massa na casa dos milhões que os transformam na próxima alternativa com certeza.

    Isto só será mentira se a tecnologia para transformar fontes alternativas de eletricidade, junto com o desenvolvimento surpreendente das baterias e super capacitores, transformar os veículos elétricos numa opção barata e confiável.

    Quanto as tecnologias, o biodisel é altamente impactante no meio ambiênte e compete com alimentos, logo está fora.

    Células de energia, são baterias alternativas, hoje já descartadas pela substância maravilha, o grafeno, que já possibilitou trasnformar a carroceria de um BMW em um super capacitor, o que aumentou a autonomia do veículo em 20%, mas as projeções são muito mais otimistas, carros elétricos, ou similares hibridos entre motos e carros, com carenagens  totais e autonomia na faixa dos 1.000km entre as recargas, mais ou menos um mês  a cada recarga.

  2. Carro ou combustível do futuro?

    Para mim, o carro do futuro chegará quando, a exemplo da máquina de escrever e computador, houver essa ruptura: ambos (computador e máquina de escrever) escrevem, mas a diferença é gritantes. Carro do futuro versus carro atual: ambos são e serão meio de trasnporte, mas imagino algo totalmente diferente do que vemos hoje. Portanto, a discussão deste post é sobre o combustível do futuro, para movimentar o conceito de carcaça sobre quatro rodas movido por um motor a pistão ou no máximo um rolo de fios que transforma energia elétrica em movimento.

    Escrevo isto porque, desde meus parcos anos ouço e leio sobre o carro do futuro. Isso não existe por enquanto. Isso tá parecido com o foguete inventado no início do século passado e até agora não encontraram nada viável para substituir o conceito das bombas V2 do bigodinho.

    Hoje tô sem paciência.

    Abraço a todos!!!

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