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Transição energética: O papel do fundo soberano no Brasil

Os objetivos dos FSRs são multifacetados, indo desde a formação de poupança intergeracional até a estabilização da economia

Blog: Democracia e Economia  – Desenvolvimento, Finanças e Política

Transição energética: O papel do fundo soberano no Brasil

por Fernanda Feil, Fernando Amorim Teixeira e Luiz Fernando de Paula

A reconfiguração do cenário econômico global nas últimas décadas, evidenciada por transformações marcantes no sistema monetário internacional, teve como uma de suas resultantes a emergência dos Fundos Soberanos de Riqueza (FSR) como elementos cruciais dessa nova ordem. Esta emergência encontra suas raízes tanto na crise dos balanços de pagamentos dos anos 90 quanto no auge dos preços das commodities na década de 2000, neste caso levando a discussão de como fazer um melhor uso de tais recursos. A criação desses instrumentos de gestão intertemporal de recursos está intrinsicamente ligada à função do dólar na precificação das commodities, bem como à flutuação desses preços desses produtos no mercado internacional.

Os FSRs, administravam cerca de US$ 8 trilhões em ativos em 2021, conforme dados do Sovereign Wealth Fund Institute, configurando-se como poderosos mecanismos econômicos nas mãos das nações. Posicionados na intersecção entre as políticas monetária e fiscal, podem contribuir tanto para a esterilização da moeda doméstica através da reciclagem externa – de modo a evitar uma apreciação excessiva na taxa de câmbio – quanto serem mecanismos de estabilização de receitas fiscais, tendo regulamentações próprias em termos de objetivos e regramentos para aplicações e retiradas de recursos.

Os FSRs podem desempenhar um papel de intermediários entre iniciativas políticas e a administração técnica e econômica, figurando no rol de expedientes implementadores de políticas públicas. Com isso, tais fundos podem cumprir papel estratégico da gestão mais eficaz de recursos para o progresso econômico e social de um país.

Os objetivos dos FSRs são multifacetados, indo desde a formação de poupança intergeracional – convertendo riqueza presente em riqueza futura – até a estabilização da economia por meio da esterilização dos efeitos inflacionários dos fluxos de câmbio (dado que pode evitar a volatilidade excessiva da taxa de câmbio) e da volatilidade dos preços das commodities. Esses fundos, via de regra, almejam a diversificação de carteiras de ativos, explorando oportunidades para maiores retornos associados a mudanças conjunturais.

Em um contexto mais amplo, os FSRs podem estar em consonância com interesses de projeção geopolítica dos países detentores, especificamente quando se voltam a adquirir e/ou ter participação em empresas estratégicas. Por fim, os FSRs podem ter propósito de desenvolvimento, uma vez que tais recursos podem ser direcionados para financiar investimentos domésticos de longo prazo. Em particular, esses fundos têm a capacidade de investir em áreas que são frequentemente consideradas excessivamente arriscadas ou de prazo muito longo para investidores privados.

No Brasil, destaca-se o Fundo Soberano do Brasil (FSB), criado em 2008 com uma contribuição inicial de 7,9 bilhões de dólares. O FSB, extinto em 2019 no governo Bolsonaro, objetivava fomentar investimentos domésticos e internacionais, além de mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e impulsionar projetos estratégicos. Além disso, o país possui o Fundo Social do Pré-Sal (FSPS), criado em 2010, que tem o objetivo de financiar programas e projetos nas áreas de cultura, desenvolvimento social e regional, ciência e tecnologia e meio ambiente.

A transição energética é um processo que demanda investimentos substanciais, o que coloca os Fundos Soberanos em uma posição de destaque para contribuir no desenho de políticas voltadas ao seu financiamento. No entanto, a efetiva utilização desses fundos para a transição energética requer clareza de diretrizes políticas e estratégicas. Estas diretrizes devem contemplar, por exemplo, o aumento da alocação de recursos dos FSRs para projetos de pesquisa e desenvolvimento em energia renovável, infraestrutura para produção e distribuição de energia e programas de formação de mão de obra especializada na área.

O investimento em pesquisa e desenvolvimento representa um desafio significativo, dada a natureza incipiente de muitas tecnologias de energia renovável. Portanto, é imperativo que sejam destinados investimentos consideráveis para tornar estas opções competitivas e viáveis. Os FSR têm o potencial de financiar tais iniciativas, o que exige uma administração estratégica dos recursos e uma priorização da inovação no setor energético.

Outro desafio considerável está na infraestrutura e na formação da mão de obra. A transição para uma matriz energética mais limpa requer infraestrutura adequada e força de trabalho qualificada. Nesse sentido, alocar recursos para infraestrutura de energia renovável e para programas de treinamento de trabalhadores permitia endereçar respostas à desafios logísticos e financeiros.

É crucial garantir a implementação de mecanismos de governança robustos e a participação da sociedade civil na fiscalização da utilização dos recursos do fundo. Além disso, é essencial que haja transparência e prestação de contas na gestão desses recursos.

Por outro lado, essa situação também propicia uma série de oportunidades. Investir em tecnologias de energia renovável tem o potencial de estimular a inovação, promover o crescimento econômico, gerar empregos e fomentar o desenvolvimento de novos setores industriais.

Além disso, ao apoiar a transição energética, o Brasil pode avançar significativamente para cumprir seus compromissos com o Acordo de Paris, contribuindo, portanto, para os esforços globais de mitigação das mudanças climáticas.

Em resumo, a gestão estratégica dos fundos soberanos focada no apoio à transição energética no Brasil pode ajudar o país a superar os desafios inerentes a essa transição, bem como a aproveitar as oportunidades que ela oferece.

Por fim, é importante ressaltar que a transição energética deve ser vista não apenas como um desafio, mas também como uma oportunidade. A promoção de energias renováveis pode gerar empregos, tende a contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa, promover o desenvolvimento regional e fortalecer a economia do país.

Adicionalmente, os Fundos Soberanos em conjunto com os Bancos de Desenvolvimento podem atuar em complementariedade na estruturação e financiamento de projetos voltados para o desenvolvimento socioeconômico e sustentável de uma nação. Ambos desempenham funções vitais em abordar desafios de desenvolvimento a longo prazo, principalmente em contextos de transição energética.

Os Fundos Soberanos têm o potencial para desempenhar um papel estratégico na transição energética no Brasil. Contudo, para que isso ocorra, é necessário que exista uma clara diretriz política e estratégica, bem como mecanismos eficazes de governança e participação social. Além disso, é essencial que haja transparência e prestação de contas na gestão desses recursos. Neste sentido, a transição energética representa uma oportunidade para repensar o papel e a gestão dos Fundos Soberanos no Brasil, alinhando-os com uma visão de futuro mais sustentável e inclusiva.

Fernanda Feil – Professora credenciada no Programa de Pós Graduação em economia da UFF e pesquisadora do Finde/UFF

Fernando Amorim Teixeira – Doutor em economia pela UFF, pesquisador Finde/UFF e  membro do GT-Reindustrialização da REBRIP

Luiz Fernando de Paula – Professor de Economia do IE/UFRJ e coordenador do GEEP/IESP-UERJ.

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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF

Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp

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