Bancos, supermercados de dinheiro, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Há muito que os bancos pararam de estudar a viabilidade de projetos, seja para empresas por abrir, seja para outras já abertas. Eles só fazem o que já é testado e com garantias de alta liquidez.

Bancos, supermercados de dinheiro

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

No início da pandemia, Campos Neto ofereceu R$1,3 trilhões do Banco Central para os bancos privados emprestarem. A rigor, não chegou um tostão desse dinheiro a quem mais precisava dele, os micro e pequenos empresários que teriam de enfrentar o lockdown. Por que isso aconteceu?

Bancos deveriam ser lojas de dinheiro, vendendo para quem mais precisa dele. Não é isso o que acontece, o cliente possível é o que tem a maior probabilidade de pagar pelo que comprou, o dinheiro. Quanto menor a probabilidade de o cliente pagar, maior fica o preço, de sorte que compra e venda de dinheiro não tem absolutamente nada com a lei da oferta e da procura, mesmo porque essa mercadoria não obedece ao que os economistas chamam de elasticidade, que passo a explicar.

Elasticidade é o reflexo da variação do preço de um bem na oferta ou na demanda. Se o preço sobe, o produtor tenderá a oferecer mais e o consumidor a comprar menos. Se o reflexo for significativo, diz-se que o bem é elástico; caso contrário, se o consumo ou a oferta não se alterarem consoante o preço, é inelástico. Ninguém vai tomar laxante para usar mais papel higiênico por este estar barato, mas vai passar da cachaça ao whisky se seu preço cair. Assim, o primeiro é inelástico e o segundo é elástico. Os economistas costumam medir isso em percentual. A fórmula usa preço e quantidade, de sorte que, quanto menor o preço, menos elástico será o produto. Como o consumo é função da renda, oferta e demanda também variam consoante a ela, seja em portfólio, seja em quantidade.

O dinheiro, como mercadoria, não se comporta da mesma forma. Como seu preço, os juros, é pago com a mesma mercadoria da compra, para que a oferta faça cair o preço de venda, precisa subir mais que muito, estrondosamente, porque o medo de perder é sempre muito maior do que a vontade de ganhar. Traduzindo, mesmo que os bancos tenham rios de dinheiro para emprestar, não vão baixar o preço para mais gente tomar empréstimos pelo simples motivo de que, quanto maior o número de clientes, maior será a probabilidade de alguém não pagar. Contraditoriamente, quanto maior o preço do dinheiro, maior a probabilidade de o cliente não conseguir pagar. A contradição reside justamente no fato de quanto menos confiável for o cliente, maior será a taxa de juros. É mais ou menos como se, quando mais instável for o terreno, menores serão os alicerces. Mais cedo ou mais tarde, a casa vai cair.

Aí entra um agravante, como o dinheiro é comprado do depositante e vendido em quantidade e por tempo determinado, os bancos tendem a fazer vários negócios ao mesmo tempo, com a mesma matéria-prima, multiplicando valores enquanto não precisar devolver o montante ao aplicador. Isso se chama alavancagem. Entendendo melhor, se o depositante comprar um certificado por dois anos e o banco emprestar esse dinheiro para outro comprar um carro em vinte e quatro meses, as parcelas recebidas serão emprestadas para outros clientes, feito uma bola de neve capaz de cobrir os eventuais maus pagadores e, mesmo assim, quitar o certificado na data combinada, sobrando muito dinheiro. Obviamente, isso tem um limite. Se o banco exagerar na alavancagem, a probabilidade de não receber sobe exponencialmente e a casa cai. Aí, não é por falta de estabilidade do terreno, mas por excesso de peso.

É justamente para evitar que a casa caia, gerando uma crise econômica como a de 2008, que entra o acordo de Basileia. Por ele, estabelecem-se parâmetros para evitar, dentre outras coisas, o excesso de alavancagem e que o dinheiro seja emprestado irresponsavelmente, deixando depositantes na mão. Através de um algoritmo, dá-se uma nota e, abaixo de um dado valor, os sócios têm que injetar capital para evitar quebradeira. O resultado disso é que bancos criam produtos de prateleira, ou seja, que não afetem sua nota. Há muito que os bancos pararam de estudar a viabilidade de projetos, seja para empresas por abrir, seja para outras já abertas. Eles só fazem o que já é testado e com garantias de alta liquidez. Assim, a medida de Campos Neto é, no mínimo, ingênua; no máximo, de má fé. Não é possível que ele não saiba de tudo o que se descreveu nesta matéria. Se a intenção fosse evitar uma crise, ao mesmo tempo em que se respeitasse o bizarro teto de gastos, teria quitado os papéis em ordem decrescente de taxa de juros, reduzindo a dívida pública em 20% e seu serviço em mais de 30%, seja pela redução do principal, seja pela redução de seu custo de carregamento. Sobrariam recursos para a manutenção do Bolsa Família, para o auxílio emergencial e, muito provavelmente, não se editaria a PEC dos precatórios. Se incompetência ou má fé, fica para interpretação do leitor.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

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  1. Caso 01 – Há muitos anos, na década de 80, passei uma temporada morando com meu pai. Ele saía durante o dia, e eu, que trabalhava como autônomo, ficava em casa. E, entre outras coisas, recebia a correspondência dele. Uma vez por mês, vinha um envelope grosso, pesado mesmo, do American Express Card. Eu pegava, e deixava na mesa do quarto dele. Na segunda vez, fiz a mesma coisa, dando de cara com o envelope anterior, no mesmo lugar, intocado. Na terceira vez, o que mudou? Nada. Deixei o terceiro envelope, grosso, pesado, junto aos outros dois, igualmente intocados. Alguns dias depois, fomos ao Carrefour, que ficava em frente ao condomínio em que ele morava. Compramos algumas coisas, e lá foi ele, pagar com o American Express. Eu já antecipava a humilhação decorrente da recusa do pagamento, principalmente para ele, tão ligado às aparências, quando vi que o funcionário lhe entregava a guia do comprovante do pagamento para assinar. Já em casa, mostrei a ele as faturas do cartão, e perguntei, como ele ainda podia usar o cartão, se há três meses não pagava? Ele me deu algumas explicações, pouco convincentes, e diante da minha insistente curiosidade juvenil, e sem muita paciência, disse: “Se você usa o cartão, e paga, eles ganham, se você usa, e não paga, eles não perdem”.

    Caso 02 – Em meados dos anos 90, em dificuldades financeiras, deixei sem pagar uma fatura do Mastercard, no valor de R$ 600,00. Nunca recebi uma cobrança sequer, apesar de ter permanecido na mesma residência e com o mesmo número de telefone, por cerca de quatro anos a partir desta data. Nenhuma correspondência, nenhum telefonema. Já na década seguinte, recebi finalmente o que pensei ser uma cobrança, de uma financeira que havia comprado aquela dívida ao Mastercard. E que propunha, mediante a módica quantia de R$ 60,00 – 10% do valor nominal da dívida, sem os juros – a quitação daquele débito. A financeira existia, o número do CNPJ era válido e estava regular, portanto eu descartei a hipótese de fraude ou golpe. E não paguei nada.

    Caso 03 – A mesma situação do caso 02, alguns anos depois, só que com o Banco do Brasil. A diferença é que, nesse caso, nunca recebi correspondência nenhuma, nem de cobrança, nem de pagamento com desconto. Escaldado pela situação anterior, não me preocupei em quitar o saldo negativo deixado. Admito minha irresponsabilidade na condução de minha vida, na ocasião, mas, ao mesmo tempo, estava cada vez mais convencido da verdade daquilo que meu pai dissera. De qualquer forma, algum tempo depois, trabalhando em outra empresa, fui ao BB, onde essa empresa possuía conta, para fazer um cadastro para acessar, via internet, a conta da empresa, da qual eu era o encarregado financeiro, numa época em que ainda era possível “ostentar” tal posição sem diploma de curso superior na parede. O gerente que me atendeu, muito atencioso, digitava meus dados normalmente, quando, delicadamente, girou o monitor de seu computador, para que eu não pudesse ver o que estava nela. Livrei-o do constrangimento, narrei-lhe o que se passara, e perguntei se aquilo seria impedimento para que eu fosse cadastrado como usuário da internet da empresa. Ele disse, não. Então perguntei por que nunca fora cobrado, e ele apenas sorriu, e disse: “Deixa prá lá. Você está incomodado com isso?”

    De forma alguma, cidadão.
    Esses casos aconteceram comigo. Fora os outros de que tomei conhecimento, entre amigos e conhecidos, e os que leio por aí, cada um mais estapafúrdio. As pessoas físicas se consomem, arruínam suas vidas e famílias, e os Bancos e financeiras seguem publicando seus balanços, com resultados cada vez mais bilionários.
    Admiro os textos do Melchert. Satisfazem-me, em minha ignorância e ingenuidade no tocante a assuntos financeiros.
    Mas acho que ainda não nasceu a pessoa capaz de me convencer que bancos, em algum momento, alguma circunstância, debaixo de qualquer catástrofe mercadológica ou natural, perdem alguma coisa. Bancos quebram, certamente, mas é uma questão de autofagia, entre eles. São como uma célula cancerosa, que devora todos os nutrientes por perto, matando as pobres células em torno, menos espertas, e incham, incham, incham até se transformarem em um tumor maligno.
    Esgotado o atual hospedeiro de sua natureza de sanguessuga, é só partir para outro. É o que não falta por aí.
    Eles nunca perdem. Nada. E antes que me chamem de teórico da conspiração, deixo bem claro que “Eles” tem nome: BANCOS E GRANDES CORPORAÇÕES.
    No dia em que as pessoas se convencerem de que os políticos são meros moleques de recado dessa gente, talvez a consciência humana experimente um despertar.
    Mesmo lento e doloroso, será um despertar.

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