Milton Pedrosa, o pioneiro da literatura de futebol no Brasil, por Cesar Oliveira

Já editor de livros de futebol, descobri que Carlos Pedrosa era filho de Milton Pedrosa, o fundador da Editora Gol, a primeira especializada em livros de futebol no Brasil

Milton Pedrosa, o pioneiro da literatura de futebol no Brasil

por Cesar Oliveira

“Temos então que este esporte, hoje nacional, ainda não foi capaz de interessar os autores brasileiros na medida correspondente ao prestígio e à penetração que alcança nas camadas da população brasileira. Suscitar o problema e estudar as causas do fenômeno, parece-nos tarefa interessante para os que ocupam com as questões relativas ao desenvolvimento cultural em nosso País, de um modo geral, e, em particular, com o que se refere ao futebol e suas implicações vida brasileira”
(Milton Pedrosa, na introdução de sua obra-prima “Gol de letra: o futebol na Literatura Brasileira”)

Durante um bom tempo de minha vida profissional, trabalhei como redator de propaganda, convivendo com algumas pessoas que me davam grande prazer. Carlos Milton Romano Pedrosa (1939-2014) foi um desses.

Era um sujeito absolutamente sensacional, sobre quem se criaram muitas lendas. Era distraído, mas um gênio. Escrevia com facilidade, criava como poucos, ganhava prêmios e nem ligava muito. Era amigo com todo mundo. Nunca o vi elevar a voz ou demonstrar irritação com alguém. Acho que Ziraldo se inspirou nele para criar Jeremias, o Bom.

Pedrosa, como ficou mais conhecido, arrumava tempo, em seu atarefadíssimo dia a dia para três coisas imprescindíveis em sua vida: jogar futebol de salão na Associação Cristã de Moços, fazer terapia e arrumar trabalho para quem precisasse de trabalho.

De certa forma, ele era quase uma “agência de empregos”. Um papel na sua mesa sempre em barafunda, servia para anotar quem precisava de trabalho e quem oferecia trabalho. E, assim, dezenas de publicitários cariocas devem a ele — inclusive eu — o leite das crianças, porque ele trabalhava nisso com o mesmo empenho com que criava excelentes anúncios.

Uma vez, cheguei Associação Cristã de Moços, na Lapa, no Centro do Rio de Janeiro, para malhar, e lá estava o Pedrosa, encostado na parede, esperando sua vez de entrar na pelada. Eu estava numa luta encarniçada contra o desleixo a que havia relegado, inadvertidamente, a minha vida e, na ACM, detonava os muitos quilos a mais. Quando meu viu, com o seu humor característica, Pedrosa soltou essa:

— Cesar Oliveira! Não te vejo há uns vinte quilos!…

Um dia, já trabalhando juntos, ele me disse, de supetão:

— Você faz terapia?

Do alto das despesas inerentes aos quatro filhos, respondi:

— Oh, meu amigo! Eu não tenho dinheiro pra isso…

E ele, de bate-pronto:

— Faz, que o dinheiro pinta!

Fiz… e pintou.

Já editor de livros de futebol, descobri que Carlos Pedrosa era filho de Milton Pedrosa, o fundador da Editora Gol, a primeira especializada em livros de futebol no Brasil. Liguei imediatamente pra ele. Papo foi reto e prático, como sempre era com ele:

— Pedrosa, você é filho do Milton?

— Sou — respondeu, tranquilo.

— E cadê os livros do seu pai? Quero reeditar tudo o que ele fez! — propus

E ele:

— Fala com minha irmã; ela é quem está com tudo.

Liguei para o número que ele me deu e Vânia me atendeu com a gentileza que parece ser a marca registrada da família. E me convidou que fosse à casa dela, para conversarmos.

— Para que você quer os livros do meu pai?

Expliquei que era editor de livros de futebol, que o pai dela era isso e aquilo, que havia produzido livros notáveis e que eu queria reeditá-los, dentro das minhas nanicas possibilidades.

A resposta foi imediata. Juntou tudo o que podia, me deu um monte de livros e disse que iria arrumar o resto para mandar para mim. E fez isso.

O jornalista Milton Pedrosa (1911–1996) nasceu em Mossoró, no RG do Norte, onde se formou professor primário, com apenas 18 anos. Três anos depois,  mudou para o Rio de Janeiro e, logo na sequência, para Belo Horizonte, onde se tornou advogado e jornalista. Na década de 1940 publicou seus primeiros livros: “A face de Marta” (romance) e o livro de contos “Passos cegos” — ambos  muito elogiados por Graciliano Ramos.

Voltou ao Rio Janeiro para ser gerente de uma agência de propaganda, mas logo desistiu e voltou ao Jornalismo, escrevendo para o Diário de Notícias. Em 1961, mudou totalmente de rumo profissional, aceitando o cargo de secretário-geral da Eletrobrás durante o Governo João Goulart. Com o Golpe de 1964, foi exonerado e perseguido pela Ditadura Militar.

Para escapar da perseguição, mudar novamente de ramo e criou, em 1967, a Editora Gol, a primeira especializada em livros sobre futebol, por onde publicou verdadeiras obras-primas da Literatura de Futebol do Brasil.

Muita gente boa escreveu livros de futebol no Brasil. Mas só Milton Pedrosa fez isso com desejo de organização, de contemplar a historiografia com um olhar especial e diferenciado. E isso, mesmo sem sucesso financeiro, ele fez.

Nos documentos que encontrei, no acervo que recebi da família, a cópia de uma carta dele para o jornalista Thomaz Mazzoni. Pedrosa agradecia as dicas que o mestre ítalo-paulistano lhe teria dado, em alguma carta que não logrei localizar. Ele escreveu:

— Muito grato, Sr. Mazzoni, por sua gentileza em me aconselhar para ter cuidado em minha empreitada [com a Editora Gol], porque livros de futebol vendem pouco no Brasil….

Parece que, de 1970 para cá, pouca coisa mudou…

OBRAS DA EDITORA GOL

  • Gol de Letra: o futebol na Literatura Brasileira (org.: Milton Pedrosa) – 1967
  • De apito na boca (org.: Milton Pedrosa) – 1968
  • O olho na bola (org.: Milton Pedrosa) – 1968
  • Tim, o estrategista (de Pedro Zamora) – 1968
  • Futebol tem cada uma (Milton Pedrosa, sob o pseudônimo de Armando M. Graça) –1968
  • A hora e a vez de João Saldanha (de Pedro Zamora) – 1969
  • As 17 regras de futebol comentadas (org.: Milton Pedrosa) — s/d
  • Futebol: revolução ou caos (de Luiz Manzolillo) – 1969
  • Histórias do futebol (org.: Milton Pedrosa)
  • Na boca do túnel (org.: Milton Pedrosa) – 1968
  • O Brasil e as 9 Copas do Mundo (org.: Milton Pedrosa) –  s/d
  • O futebol no teatro brasileiro (org.: Milton Pedrosa) –  s/d
  • O livro de Tostão (de Pedro Zamora e Canôr Simões Coelho) – 1970
  • Poesia no futebol (org.: Milton Pedrosa) –  s/d

Milton não apenas organizou livros notáveis, como se cercou, como se vê, de gente boa, que conhecia profundamente o futebol: João Saldanha e Pedro Zamora, por exemplo, para citar dois. E se preocupou em produzir obras que fizesse as pessoas pensar o futebol, sua história e importância na vida brasileira.

Não teve o sucesso financeiro que merecia. Mas, até hoje, seu nome é referenciado como aquele que abriu portas, desbravou mato brabo e abriu picadas com obras imprescindíveis para entender o Brasil e o futebol brasileiro.

OBRAS E TEXTOS SOBRE MILTON PEDROSA

  • Milton Pedrosa: o romancista da saga ferroviária de Mossoró, de Vingt-un Rosado (Rio de Janeiro, 1955).
  • Milton Pedrosa: o romancista da saga ferroviária de Mossoró chega ao memorial dos mossoroenses. Fundação Vingt-Un Rosado
  • A história do futebol e da literatura no Brasil (1908-1938): estudos históricos, de David Wood (Rio de Janeiro, 2019)
  • Milton Pedrosa e o Gol de letra: por uma historiografia literária do futebol brasileiro, por Thiago Carlos Costa (Ludopédio, 2015)
  • A história do futebol e da literatura no Brasil (1908-1938), de David Woods (University of Sheffield, 2019). Em Inglês: https://bit.ly/324FdVG
Cesar Oliveira, quase 70, carioca, botafoguense e mangueirense. Editor de livros, preferencialmente de futebol, desde 2008. Expertise no mercado editorial desde 1980. Saiba mais nas redes sociais: @livrosdefutebol e @editoralivrosdefutebol.

Redação

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