Competição industrial verde entre Europa e Estados Unidos: um ano depois do IRA, por Lucas Amorim

Biden não conseguiu obter maiorias amplas o suficiente no Congresso para que sua agenda ambiental e econômica fosse aprovada

(Arquivo) Presidente dos EUA, Joe Biden, reúne-se com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em Washington, D.C., em 25 mar. 2022, para negociações em relação à questão energética (Crédito: Christophe Licoppe/Comissão Europeia)

do OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

Competição industrial verde entre Europa e Estados Unidos: um ano depois do IRA

por Lucas Amorim

A transição do governo do republicano Donald Trump para o democrata Joe Biden ensejou alterações significativas no modelo de desenvolvimento perseguido pelo governo dos Estados Unidos. Embora ambas as administrações buscassem fortalecer o setor industrial, devido ao processo acelerado de desindustrialização da economia americana, a abordagem em direção a uma economia mais sustentável é evidente nas propostas de Biden, contrastando com as do republicano.

Um dos planos que influenciaram a política econômica do governo Biden foi o Green New Deal. Apresentado originalmente por membros do Congresso da ala mais progressista do Partido Democrata – a representante Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY) e o senador Edward John Markey (D-MA) –, a proposta busca inspiração no New Deal implementado pelo presidente Franklin D. Roosevelt, embora com maior foco no desenvolvimento sustentável e no combate à mudança climática. O plano apresentava metas ambiciosas, incluindo investimentos estimados entre US$ 2 trilhões e US$ 16 trilhões ao longo de dez anos, a fim de assegurar que o país gerasse 100% de sua eletricidade por meio de fontes de energia limpas, renováveis e sem emissões de carbono até 2030.

Apesar de Biden não ter apoiado o pacote em sua forma original durante a campanha eleitoral de 2020, o então candidato indicou ao eleitorado, principalmente aos jovens, que o meio ambiente era uma de suas principais preocupações, ao escolher a senadora Kamala Harris (D-CA), coautora da resolução original do Green New Deal, como sua companheira de chapa. Além disso, Biden desenvolveu sua própria proposta de transição energética denominada “Plano Biden para uma Revolução de Energia Limpa e Justiça Ambiental”. Embora menos ambicioso do que o Green New Deal e não incluindo, por exemplo, as propostas de universalização do emprego e do acesso à saúde, o plano de Biden segue a mesma direção, comprometendo-se com a transição para fontes de geração limpas e sustentáveis até 2050.

Obstáculos institucionais e alternativas

Apesar de eleito, Biden não conseguiu obter maiorias amplas o suficiente no Congresso para que sua agenda ambiental e econômica fosse aprovada conforme inicialmente proposta. A estreita maioria na Câmara já representava um desafio. No entanto, o maior obstáculo estava no Senado, dividido igualmente 50-50 entre os dois partidos. Nem mesmo o voto de desempate da vice-presidente e presidente do Senado, Kamala Harris, foi capaz de resolver o impasse. O regimento da Câmara alta confere à oposição considerável capacidade de obstrução, que só pode ser superada com voto afirmativo de 60 senadores, o que requereria um improvável esforço bipartidário. Mesmo nas fileiras democratas, surgiram entraves. Dois senadores do partido do presidente, Joe Manchin (D-WV) e Kyrsten Sinema (D-AZ), representantes da ala mais à direita do partido, discordaram da implementação do pacote.

O plano econômico de Biden, agora intitulado Build Back Better, precisou ser “fatiado” para ser debatido no Legislativo. Para a parte mais diretamente relacionada com a crise gerada pela pandemia da covid-19, foi utilizado o processo de reconciliação legislativa, que impede o uso do filibuster (obstrução) pela oposição republicana. Assim, a medida conhecida como American Rescue Plan Act (Lei do Plano de Resgate Americano) foi aprovada com os 50 votos dos senadores democratas e o voto decisivo da vice-presidente Kamala Harris. Essa lei destinou US$ 1,9 trilhão para um robusto pacote de incentivo à atividade econômica que incluiu uma nova rodada de pagamentos diretos aos cidadãos, na forma de cheques de estímulo, além de empréstimos para empresas, extensão de benefícios, como o seguro-desemprego, e financiamento de custos relacionados à vacinação e outras medidas de saúde.

Ficheiro:Senate Majority Leader Chuck Schumer (D-NY), Speaker of the House Nancy Pelosi (D-CA) and Democrats in Congress held an enrollment ceremony for H.R. 1319, the American Rescue Plan Act (51029356816).jpgO líder da maioria no Senado, Chuck Schumer (D-NY), e a presidente da Câmara, Nancy Pelosi (D-CA), assim como outros legisladores, participam de uma cerimônia alusiva à aprovação da Lei do Plano de Resgate Americano (Crédito: Democratas no Senado/Wikimedia Commons)

Uma segunda parte do pacote, originalmente denominada American Jobs Plan (Plano de Empregos Americanos) por Biden, foi reformulada e apresentada ao Legislativo com o nome de Infrastructure Investment and Jobs Act (Lei de Investimentos em Empregos e Infraestrutura). Inicialmente, o pacote legislativo previa gastos no valor de US$ 2,3 trilhões; no entanto, para garantir o apoio dos legisladores republicanos, foi necessário reduzir o tamanho dos gastos. A versão revisada autorizou despesas adicionais de US$ 550 bilhões, somadas ao montante já planejado pelo Congresso, totalizando US$ 1,2 trilhão em investimentos. Com as concessões feitas, a lei, que ficou conhecida como Lei Bipartidária de Infraestrutura, foi aprovada com uma votação de 69 a favor e 30 contra no Senado, e 228 a 206, na Câmara.

A terceira e mais substantiva parte do plano econômico e ambiental de Biden recebeu inicialmente o nome do seu plano original Build Back Better Act (conhecido pela sigla BBB). O projeto de lei submetido à Câmara autorizava gastos e investimentos no valor de US$ 1,75 trilhão, principalmente voltados para a descarbonização da economia. Além da autorização de investimentos, a lei ainda incorporava provisões sociais e trabalhistas como, por exemplo, o texto de um outro projeto de lei denominado Protecting the Right to Organize Act (Lei de Proteção ao Direito de Sindicalização) que implementava a proteção ao direito de sindicalização, como o enfraquecimento de leis estaduais que restringem negociação coletiva entre patrões e sindicatos (right-to-work laws) e a proibição de reuniões obrigatórias promovidas pelos empregadores com o propósito de coibir a organização sindical. O projeto também incluía gastos sociais, expansão do orçamento dos programas federais de saúde (conhecido como Obamacare) e gastos em infraestrutura humana, como creches e cuidados com pessoas idosas.

O BBB foi aprovado na Câmara com a votação seguindo linhas estritamente partidárias: 220 votos a favor (todos democratas) e 213 contra. Um único legislador democrata, Jared Golden (D-ME), votou contra o pacote por discordar de provisões como a eliminação de um limite à dedução no imposto de renda e a ausência de medidas para a redução do preço de medicamentos. A votação no Senado, entretanto, nem chegou a ser realizada, visto que os senadores Sinema e Manchin, cujos votos eram essenciais para a aprovação do projeto, apresentaram objeções ao plano do Executivo. À época, o democrata da Virgínia Ocidental chegou a declarar que, enquanto projeto de lei, Build Back Better estava “morto”.

Um novo processo de negociação foi iniciado, desta vez, com o objetivo de cortejar os democratas detratores. O resultado de um processo de negociação que durou meses foi a Lei de Redução de Inflação (Inflation Reduction Act, conhecida pela sigla IRA). O próprio título da lei revela uma concessão a uma das principais preocupações do senador Manchin em relação às propostas econômicas do Executivo – que a ampliação de gastos levaria a um aumento da já alta inflação. O novo IRA tem como objetivo arrecadar US$ 739 bilhões em receitas, dos quais US$ 433 bilhões serão revertidos em investimentos. O valor restante seria alocado para a redução do déficit orçamentário do governo federal.

O IRA implementa medidas arrecadatórias, como a adoção do mínimo de 15% de imposto de renda para pessoas jurídicas (conforme acordado na cúpula do G7 de 2021), investimentos na estrutura burocrática da Receita Federal americana (IRS, sigla para Internal Revenue Service) e fim de brechas fiscais para administradores de grandes fundos de pensão. Além disso, a lei permite que a agência que opera o Medicare negocie o preço dos remédios dispensados pelo programa, o que deve gerar economias para o governo federal da ordem de US$ 288 bilhões. O IRA ainda renova, por mais três anos, os subsídios federais para programas de saúde implementados em resposta à pandemia da covid-19.

Lowering Costs of Families' Everyday Expenses through the Inflation Reduction Act.
1. Lower costs for American families.
2. Make the tax code fairer.
3. Tackle the climate crisis.Infográfico publicado no perfil da Casa Branca na rede X (antigo Twitter) apresenta as principais provisões da Lei de Redução da Inflação (Crédito: Casa Branca/Twitter/X)

As provisões que mais repercutiram, no entanto, foram as que implementam subsídios para setores industriais ligados à produção de energia limpa, de carros elétricos e baterias. Foram implementados créditos tributários para pessoas físicas e jurídicas voltados para eficiência energética, eletrificação de residências e outras medidas de descarbonização. Os consumidores vão poder usufruir de subsídios para a compra de painéis solares residenciais, e equipamentos com maior eficiência energética como sistemas de aquecimento e resfriamento de ar baseados em bombas de calor (mais eficientes que aqueles baseados em caldeiras), fogões e fornos elétricos.

chart showing u.s. emissions falling
Gráfico exibe projeções de redução de emissão de gases de efeito estufa no cenário antes (em azul) e depois (em laranja) da implementação da Lei de Redução de Inflação (Crédito: Rhodium Group/News from the Columbia Climate School)

De acordo com matéria da Universidade Columbia, o IRA torna factível o atingimento das metas propostas pelo Acordo de Paris, iniciativa climática a que Biden se vinculou assim que iniciou seu governo. O país se comprometeu a reduzir seus níveis de emissão de gases de efeito estufa para 50% abaixo dos níveis de 2005 até 2030 e alcançar a neutralidade climática (net zero) até 2050. Com as provisões da lei aprovada em 2022, o estudo avalia que será possível empreender redução de 44% até 2030 e que desenvolvimentos tecnológicos adicionais, como captura de carbono e hidrogênio verde, são necessários para alcançar plenamente os objetivos.

Um último diploma legislativo, o CHIPS and Science Act (Lei Chips e Ciência, em tradução livre) faz parte da agenda de dinamização industrial da economia dos Estados Unidos. Essa lei tem como foco o repatriamento de etapas da cadeia produtiva dos semicondutores para os Estados Unidos, em clara resposta geopolítica à China, e ao desenvolvimento da indústria de alta tecnologia no país. A lei prevê investimentos da ordem de US$ 280 bilhões ao longo dos próximos dez anos. Além dos semicondutores, outros setores contemplados são computação quântica, Inteligência Artificial, nanotecnologia, energia limpa e promoção da capacitação de mão de obra nos setores de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, conhecidos na sigla inglesa como STEM.

Impacto econômico e nas relações com parceiros europeus

A dificuldade de aprovação das medidas econômicas e ambientais foi parcialmente superada pela adoção de textos menos ambiciosos que atenderam às demandas de legisladores democratas ditos “moderados”, ou até mesmo setores republicanos menos radicais. Ainda assim, os pacotes de Biden, que somados implementam investimentos e subsídios vultosos na economia americana, não foram bem recebidos pelos aliados do outro lado do Atlântico. Em reunião com membros do Congresso dos Estados Unidos ocorrida em novembro de 2022, o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que o IRA é uma medida “superagressiva” com as empresas europeias. O mandatário afirmou que empresas não americanas ficariam em prejuízo, considerando-se os subsídios oferecidos para aquelas que operam em território americano.

File:President Biden and Emmanuel Macron at the Oval Office during their meeting - 2022.jpg(Arquivo) Presidente francês, Emmanuel Macron, em reunião com o presidente dos EUA, Joe Biden, no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, D.C., em dez. 2022 (Créditos: Casa Branca)

O temor de Macron não era novidade. No mês anterior, o presidente francês havia convocado uma reunião com CEOs de empresas europeias com a finalidade de convencê-los a não transferirem suas operações para os Estados Unidos, tendo em vista não somente os subsídios, mas também os preços mais baixos de energia encontrados naquele mercado. Uma das principais preocupações do chefe de Estado era a política Build America Buy America que determinava que as compras governamentais dos Estados Unidos deveriam dar prioridade à produção doméstica. Somadas, essas condições colocavam o mercado europeu em grande desvantagem em relação ao estadunidense. Como resposta, Macron propôs uma política similar a ser introduzida na União Europeia, uma espécie de Buy European Act. A iniciativa, no entanto, não recebeu tração entre os membros menos protecionistas do bloco, como a Holanda, liderada pelo primeiro-ministro Mark Rutte.

Efetivamente, o pacote legislativo bilionário de Biden parece já surtir seus primeiros efeitos, em detrimento dos parceiros europeus. O site Canary Media, especializado em energia limpa e sustentabilidade, afirma que o IRA gerou um “frenesi industrial”. Segundo a matéria, mais de 100 novos projetos de investimento no setor foram anunciados desde a assinatura da lei pelo presidente em agosto do ano passado. Os anúncios foram feitos em relação a fábricas de material para geração de energia eólica e solar, baterias e carros elétricos. O mapa a seguir mostra o alcance geográfico dos investimentos.

Mapa apresenta anúncios de novos projetos de fábricas de energia limpa, como baterias (em vermelho), veículos elétricos (em verde), painéis solares (em amarelo) e energia eólica (em azul), desde a passagem da Lei de Redução da Inflação (Crédito: Canary Media)

Para além da economia doméstica estadunidense, o IRA também produziu efeitos internacionais. Os aliados de Washington, Japão e Coreia do Sul optaram por não responder ao plano de Biden com seus próprios pacotes de estímulo, mas sim reorientar suas estratégias nacionais de produção de tecnologia verde. Empresas desses dois países como Panasonic, Toyota, Honda e LG Energy Solutions já anunciaram projetos bilionários na economia dos EUA.

A UE adotou, enquanto isso, uma série de medidas contingenciais, conjuntamente denominadas “quadro temporário de crise e transição”, que autoriza que os Estados-membros estimulem setores específicos, flexibilizando algumas regras em relação a subsídios do mercado comum. A resposta faz parte de um pacote mais amplo denominado Green Deal Industrial Plan, que se propõe a investir € 270 bilhões na transição industrial verde do bloco. De acordo com a Comissão Europeia, além do pacote de financiamento e investimentos diretos, o plano consiste na simplificação do ambiente regulatório e na formação de mão de obra qualificada, de forma a reduzir as emissões de carbono em 55% até 2030 e atingir a neutralidade climática até 2050.

Além de tentar contrapor o pacote estadunidense com o seu próprio, a Comissão Europeia também buscou tentar, junto às autoridades americanas, reverter parcialmente os subsídios, ou ao menos fazer com que sua implementação não discriminasse os produtores europeus. A delegação da UE em Washington, D.C., expôs nove pontos de preocupação do bloco em relação ao IRA. Apresentado no âmbito de um processo de consulta em outubro de 2022, o documento demonstra que os subsídios implementados pela lei são discriminatórios, uma vez que não se encontram acessíveis aos produtores europeus. A carta afirma ainda que o IRA “distorce a igualdade de condições em nível mundial e transforma um objetivo global comum – combater as alterações climáticas – em um jogo de soma zero”.

As críticas do bloco econômico europeu não são infundadas, uma vez que encontram lastro em diversas provisões do direito internacional, em especial o sistema multilateral de comércio. O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, 1994) estabelece que, no âmbito das trocas comerciais alcançadas pelo seu regime, não pode haver discriminação em relação à nacionalidade. Portanto, as regras de conteúdo nacional inclusas no IRA violam o princípio do tratamento nacional. Além disso, a UE destaca violações de outras regras, como a proibição de subsídios para substituição de importações no Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ACSM) e da provisão de tratamento nacional do Acordo sobre Medidas de Investimento Relacionadas ao Comércio (TRIMs).

Alguns casos indicam que houve, efetivamente, um desvio de investimentos da Europa com direção aos Estados Unidos, como no caso da Tesla, que desistiu de abrir uma fábrica na Alemanha para poder se beneficiar dos subsídios, e também da gigante suíça que produz placas solares Meyer Burger, que irá realocar investimento originalmente em território alemão para o estado americano do Colorado. A Iberdrola, empresa energética espanhola, e a Safran, multinacional francesa do setor aeroespacial e de defesa, também transferiram parte de sua atividade para os EUA.

Apesar do argumento de violação das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da ameaça de acionamento de seu sistema de solução de controvérsias, parece que, um ano após a aprovação do IRA, essa postura combativa se acalmou. Nem mesmo a demanda de eurodeputados, como o presidente da Comissão de Comércio do Parlamento Europeu, Bernd Lange, levou a Comissão Europeia, o órgão executivo do bloco, a litigar contra a lei estadunidense. Uma das preocupações de Lange era que “reclamar na OMC passaria a mensagem de que o projeto de lei era incompatível com as regras da organização”, o que poderia enfraquecer as normas multilaterais de comércio.

A visita de Macron aos Estados Unidos no final do ano passado parece ter sido um ponto importante de inflexão em relação à postura dos europeus no que se refere ao IRA. O encontro parece ter arrefecido as tensões entre as duas partes e evitado cursos de ação mais hostis. O presidente francês parece ter conseguido recuos, ainda que retóricos, do colega americano. Na ocasião, Biden afirmou que “há ajustes que podemos fazer que podem fundamentalmente tornar mais fácil para os países europeus participarem [do esquema de subsídios]. E o mandatário prossegue: “nunca tive a intenção de excluir as pessoas que estavam cooperando conosco. […] Estamos de volta aos negócios, a Europa está de volta aos negócios. E vamos continuar a criar empregos industriais na América, mas não às custas da Europa”.

Em março de 2023 uma nova reunião aconteceu entre Biden e a chefe do Executivo europeu, Ursula von der Leyen. O encontro com a mandatária europeia se sucedeu a uma série de reuniões com chefes de governo e chanceleres de países-membros da UE, que procuraram o presidente americano para apresentar suas demandas em relação ao pacote de transição econômica dos EUA. A presidente da Comissão Europeia expressou a necessidade de que a versão original da lei, que já se encontrava em vigor, fosse alterada. O governo Biden se mostrou disposto a considerar os interesses europeus, e ajustes no IRA parecem possíveis. A declaração bilateral da reunião entre Biden e Von der Leyen, por exemplo, destaca a necessidade de que haja coordenação entre “os respectivos programas de incentivo para que eles se reforcem mutuamente”. Para tanto, as duas partes lançaram um mecanismo de diálogo sobre seus mecanismos de incentivos à energia limpa.

Apesar de a questão não ter sido resolvida definitivamente – o IRA (ainda) não sofreu as alterações demandadas pelos europeus –, a possibilidade de uma “guerra de subsídios” parece ter sido, por ora, afastada. Por um lado, falta à União Europeia a capacidade de coordenação de um governo nacional, e preocupações com a guerra na Ucrânia impedem uma posição mais conflituosa com o parceiro transatlântico. Do outro, os Estados Unidos temem que, se “puxarem demais a corda”, a Europa se veja abandonada e busque soluções de cooperação com rivais estratégicos – como a China.

Enquanto as instâncias da União Europeia ainda debatem qual seria a resposta ideal à Inflation Reduction Act de Biden, uma conclusão pode ser extraída do caso: o termo “política industrial” deixou de ser palavrão em Washington. Desde a política America First implementada pelo então presidente Donald Trump, que não hesitou em impor tarifas a aliados como uma maneira de pressionar e obter acordos unilaterais, até a abordagem mais branda e baseada em incentivos de Biden, um novo consenso econômico, menos avesso à intervenção estatal, tem ganhado força nos corredores de Washington. Se depender da natureza dos desafios enfrentados pela economia americana, esse não parece ser um movimento meramente conjuntural e deve passar a fazer parte da cultura política estadunidense.

Lucas Silva Amorim é pesquisador colaborador do INCT-INEU/OPEU e doutorando pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP). Contato: [email protected].

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