Nova proposta de lei comercial é Trump no seu extremo, por Jeff Spross

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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no OPEU – Observatório Político dos Estados Unidos

Nova proposta de lei comercial é Trump no seu extremo

por Jeff Spross

Traduzido do The Week

Se você acha que as tarifas do presidente Trump são extravagantes ou perturbadoras, espere até ver o que ele gostaria de fazer depois.

Graças a um furo da Axios, sabemos que um novo projeto de lei comercial foi escrito a pedido da Casa Branca: Lei de Tarifa Justa e Recíproca dos Estados Unidos (FART)”. Além de criar um acrônimo extremamente infeliz- FART significa flatulência em inglês -, o projeto de lei explodiria a ordem global do comércio. Faria a política comercial norte-americana retornar a acordos comerciais individuais com os demais países e daria ao presidente um poder mais ou menos unilateral para travar guerras comerciais com todos eles.

O projeto de lei da Casa Branca tem basicamente zero chance de se tornar lei. Mas já dá uma ideia de como seria a falta de vínculo total de Trump com o comércio.

A primeira coisa a entender é que os Estados Unidos são membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), um acordo internacional que estabelece regras sobre como os países podem se envolver uns com os outros em questões comerciais e como eles podem lidar com as disputas sobre as mesmas. Explicitamente, a proposta de lei de Trump não retira os Estados Unidos da OMC. Mas, para falar a verdade, é exatamente isso que faz.

Primeiro, a OMC diz que não se pode tratar parceiros comerciais de maneira diferente de outros, a menos que se tenha um acordo oficial dando certos privilégios a um determinado país. O projeto de lei de Trump diz que não, que os Estados Unidos vão pagar as tarifas que quiserem, para qualquer país que desejarem, seja pelo motivo que for.

Em segundo lugar, a OMC estabelece um teto para a aplicação de tarifas contra parceiros comerciais. O projeto de Trump também ignoraria esse teto.

Terceiro, e igualmente importante, o projeto de lei daria ao presidente autoridade unilateral para fazer todas essas mudanças da forma como achasse melhor, sem a participação do Congresso. Temos ido nessa direção por muitas décadas: uma lei após outra transferiu cada vez mais poder sobre tarifas e política comercial do Legislativo para o Executivo. Mas o novo projeto de lei levaria essa tendência ao extremo.

Os republicanos do Congresso estão divididos demais e muito intimidados por Trump para tirar dele algum poder. Mas muitos estão bem nervosos com relação às tarifas. Por outro lado, não existe maioria para expandir ainda mais os poderes do presidente. Supostamente, Peter Navarro, um dos principais consultores comerciais de Trump, acha que o projeto de lei conseguiria amplo apoio dos democratas. Porém, isso superestima tremendamente como o partido mudou sua própria posição pró-globalização, e o quanto está disposto a cooperar com Trump em qualquer coisa.

Dito isso, há lições a tirar desse pequeno episódio. E não apenas sobre o quão ruim as coisas poderiam ficar se Trump realmente conseguisse tudo o que ele quer.

Ana Campoy, do Quartz, observou que o que Trump realmente quer é o retorno a uma forma mais antiga de relações econômicas internacionais: guerra comercial hobbesiana de todos contra todos. Trump se irrita com a ideia de subsumir todas essas lutas sob regras e normas universalmente aceitas.Não quer que ninguém civilize as relações econômicas entre países – ele quer o Velho Oeste. Os defensores do comércio globalizado temem que esse combate transborde, inevitavelmente, do domínio econômico para o campo militar. Como Campoy observa, o mundo preferido de Trump é o de como as coisas realmente funcionavam até o final de 1800 e início de 1900 – uma era que terminou na conflagração da Primeira Guerra Mundial. E o próprio Trump com certeza vê toda política internacional através da lente da beligerância e do domínio absoluto.

Um sistema internacional que ajude a impedir que os países entrem em guerras reais parece evidentemente necessário e bom. Provavelmente, há um forte argumento de que tal sistema envolva, inevitavelmente, medidas que também desestimulem as guerras comerciais. Mas também temos que reconhecer que esses acordos globais podem ser capturados por tribos poderosas na comunidade internacional, que se beneficiam às custas dos outros.

Trump e sua turma não conseguem ver este problema através de nenhuma outra lente que não a das fronteiras nacionais: um país explorando outro. Portanto, este projeto de lei é para eles a solução preferida. Mas como o economista Dean Baker acabou de escrever, uma lente muito mais precisa é ver o problema como um conflito de classe internacional. Sob os arranjos atuais, as elites de vários países se comportam como bandidos, enquanto as classes trabalhadoras de vários países ficam com a menor fatia do bolo.

Mais perspectivas

Uma política comercial genuinamente progressista – que preserve a paz e a reciprocidade e o benefício mútuo, assegurando ao mesmo tempo justiça para os pobres e as classes trabalhadoras – exigiria mudanças profundas e radicais. Josh Bivens, economista progressista do Economic Policy Institute, escreveu sobre como isso poderia funcionar. Também podemos olhar mais para John Maynard Keynes, para exemplos de uma abordagem totalmente diferente e economicamente mais justa para o comércio internacional. Mas resumindo, estas seriam mudanças profundas e radicais. E para se chegar lá talvez seja preciso recuar, pelo menos temporariamente, dos grandes acordos comerciais multilaterais.

O que significa dizer que Trump e seus apoiadores não estão totalmente errados nesse ponto.

Mas dar ao Executivo um poder comercial ainda mais descontrolado são outros quinhentos. Trump é um exibicionista com instintos autoritários. Então, é claro que ele prefere desse jeito. Os Estados Unidos mostraram que podem colocar defensores do livre comércio no Salão Oval. Agora, mostram que podem colocar protecionistas cegos também. Mas ainda não se sabe se conseguem eleger um cético moderado da ordem de comércio moderna. Uma lição das últimas décadas é que tirar o Congresso complemente da política tarifária e comercial nem sempre é uma boa ideia. Outra coisa também parece bastante clara: precisamos levar a sério a questão do comércio internacional. Porque se não o fizermos, o americano pode eventualmente eleger o presidente Trump 2.0. E quando isso acontecer, poderemos finalmente ter um Congresso que realmente aprovaria essa lei para ele.

 

Tradução por Solange Reis

Artigo originalmente publicado em 03/07/2018, em http://theweek.com/articles/782503/trumps-new-trade-bill-peak-trump

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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