Em nome de Ares, Kali ou Odin, de Jesus não…


Antes de começar, uma citação que considero indispensável:

“As várias formas de culto que vigoravam no mundo romano eram todas consideradas pelo povo como igualmente verdadeiras, pelo filósofo como igualmente falsas e pelo magistrado como igualmente úteis.” (Declínio e Queda do Império Romano, Companhia das Letras-Circulo do Livro, São Paulo, 1989, p. 46/47)

Karl Marx disse que a religião é o ópio do povo. Extremamente zelosa com os princípios religiosos (ou pelo menos aparentemente zelosa), a Inglaterra vitoriana fez uma guerra para garantir seu monopólio de vender ópio na China. E agora nós temos um Papa que prefere os ateus generosos e pacíficos aos católicos hipócritas e belicosos.

A religião continua a fazer os filósofos rir. Mas ela se torna um problema para os políticos ligados à religiosos que cometem crimes de sangue. Esse é o caso de Jair Bolsonaro.

A gravidade do crime é evidente. Uma tragédia familiar incomparável. Mas o que causa mais estranheza foi a justificativa dada pela suspeita de cometer o homicídio.

“Fazer o quê? Separar não posso, porque ia escandalizar o nome de Deus”, disse a homicida Flordelis, cujas fotos ao lado de Bolsonaro é da primeira dama inundam a internet.

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“Não matarás.”

Esse mandamento – tão simples, belo, justo e útil – foi transformado na pedra fundamental de todos os edifícios jurídicos modernos. Uma vez mais ele foi ignorado por uma pessoa que se diz religiosa. Pior, a suspeita de cometer o homicídio disse que matou para não ofender deus.

Impossível dizer que divindade ela adora. Talvez seja Ares, deus grego que dorme numa cama feita com as peles dos inimigos mortos na guerra. Ou talvez seja Kali, a deusa da morte devoradora de homens dos hindus. Como os vikings estão em moda, podemos supor que Flordelis seja uma fervorosa devota de Odin, deus caolho sanguinário cujos favores podem ser conquistados mediante sacrifícios humanos.

O cristianismo, pelo que aprendi, é uma religião que rejeita a violência e não admite o homicídio. Desde o fim das guerras religiosas na Europa, os cristãos (protestantes incluídos) haviam deixado de matar em nome de Jesus.

No Brasil o divórcio é um fato corriqueiro legitimado pela Constituição. O homicídio, entretanto, é um crime extremamente grave. Mas ao que parece, existem evangélicos que vivem numa era diferente da nossa.

Intolerantes, vários pastores e pastoras também acreditam que apenas a religião deles é verdadeira. Isso é especialmente preocupante se levarmos em conta o desprezo que alguns evangelicos demonstram pela vida humana. Mas não serei alarmista.

É impossível não rir das contradições que os dogmas evangélicos estão criando. Num dia eles dizem defender a vida, minimizam o estupro de uma menina e tentam impedir um aborto a força. No outro matam para evitar o divórcio. Vários deles morreram contaminados por que foram às ruas defender a Fake News espalhada por Bolsonaro.

A pandemia não é apenas uma gripezinha. E os evangélicos que morreram em razão dela certamente não eram bundões (como disse o mito). O mais provável é que eles tenham sido manipulados e vitimados por um sistema de poder religioso-político que despreza a vida e valoriza apenas uma coisa: o dinheiro.

Flordelis disse que a separação escandalizaria deus. Devemos suspeitar que ela não queria fazer a partilha do patrimônio do casal? Não seria mais lucrativo acrescentar ao próprio patrimônio a herança do esposo falecido?

O metal sonante é uma divindade brilhante e terrível. Ele cega e desumaniza de maneira indistinta seus pastores e as vítimas deles. Quando o dinheiro controla a cena religiosa, a contabilidade se torna mais importante do que a amizade. Não sendo lucrativo, o respeito pela humanidade do outro começa a ser desdenhada e menosprezada.

A fé no crescimento patrimonial destruiu mais algumas vidas. Muitas outras serão destruídas em nome de Jesus. Supondo que ele exista, esse tal de Jesus (um deus cabeludo e bonachão que dividia o amor com os indesejados e o pão com os famintos) fique especialmente ofendido em razão do uso indevido que alguns evangélicos fazem do nome dele. Não seria mais justo os adoradores do dinheiro admitirem que agem em nome de Ares, Kali ou Odin?

Fábio de Oliveira Ribeiro

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