Saneamento básico: infraestrutura essencial

A eleição do Brasil como país sede de dois grandes eventos esportivos – Copa do Mundo (2014) e Olímpiadas (2016) – fez com que o Governo Federal intensificasse os investimentos em infraestrutura para atender a demanda que será gerada pelos milhares de turistas que serão recebidos, além de alavancar a sua projeção no cenário mundial e, consequentemente, atrair mais investimentos privados.

Nesse sentido, destacam-se a expansão e modernização dos aeroportos nacionais, realização de inúmeras obras rodoviárias e ampliação das alternativas de transporte coletivo.

A melhoria das condições de acessibilidade e mobilidade urbanas vem sendo, de fato, a maior preocupação, razão pela qual quantia vultosa de recursos públicos está sendo destinada às ações que visem alcançá-la.

No entanto, para que tais avanços sejam possíveis, áreas essenciais ao desenvolvimento de qualquer país e à promoção do bem-estar social da população continuam relegadas ao segundo plano, não merecendo a mesma atenção despendida aos aeroportos e sistemas de transporte.

Dentre os setores que carecem da devida atenção do Poder Público, destacam-se o de saneamento básico, seara na qual o Brasil apresenta índices insatisfatórios e uma enorme desigualdade regional.

Segundo o censo demográfico do IBGE de 2010, apenas 61% da população urbana brasileira é atendida por rede coletora de esgoto. Os números revelam uma melhora, quando comparados com o censo de 2000, mas ainda assim, estão longe do ideal, que seria a cobertura total ou bem perto disto. Além disso, há acentuadas diferenças entre as regiões, com índices de tratamento de 78,4% em São Paulo e de 1,4% no Maranhão, por exemplo.

No plano legislativo, a questão do saneamento básico recebeu tratamento específico e bastante abrangente, com a edição da Lei federal nº 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.

Essa lei, de âmbito nacional, foi editada em conformidade com a prescrição do artigo 21, XX, da Constituição da República, que prescreve a competência da União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive saneamento básico, seu principal objetivo é a criação de metas comuns, a serem buscadas pelos entes federados. Dentre as quais se destacam: (i) a universalização do acesso aos serviços públicos de saneamento básico; (ii) a integralidade dos serviços que propicie à população a satisfação de suas necessidades; (iii) a articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional e com as políticas de promoção à saúde voltadas para a melhoria da qualidade de vida das pessoas; e (iv) a eficiência e sustentabilidade econômica.

Valendo-se de sua competência regulamentar, conferida pelo artigo 84, IV da Constituição da República, o Chefe do Poder Executivo Federal editou o Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010, por meio do qual detalhou a política nacional de saneamento e estabeleceu procedimentos a serem seguidos pelos entes federados para cumprir os deveres que lhe foram impostos pela Lei.

Com vistas a complementar a disciplina sobre saneamento básico – uma vez que de acordo com o artigo 3º, I, “c” da Lei federal nº 11.445/2007, os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos compõem o saneamento básico – foi editada a Lei federal nº 12.305, de 02 de agosto de 2010 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Esta Lei, é resultado de uma ampla discussão instaurada com base em diversos projetos de leis sobre o tema, com destaque para o PL nº 203/1991, que após dezenove anos de tramitação e vários projetos de lei apensados a ele, finalmente foi aprovado e convertido na Lei nº 12.305, regulamentada pelo Decreto nº 7.404, de 23 de dezembro de 2010.

Todo este arcabouço jurídico, que deve ser considerado como integrante da Política Nacional do Meio Ambiente, conforme preceitua o artigo 2º do Decreto nº 7.404/2010, serve de ponto de partida para a solução da carência de saneamento básico em nosso País, mas de nada vale se as leis não forem efetivamente implantadas, cumpridas e desaguarem em políticas públicas que se convertam em ações concretas.

Nesse diapasão, vale mencionar que de acordo com o artigo 52 da Lei de Saneamento, a União deve elaborar, sob a coordenação do Ministério das Cidades, o Plano Nacional de Saneamento Básico, o qual deve estabelecer as metas nacionais e regionalizadas, de curto, médio e longo prazo, com o objetivo de universalizar os serviços de saneamento básico, de forma articulada com os demais planos e políticas públicas da União.

Referido plano, que deve ser elaborado com horizonte de 20 anos e ser e revisado a cada 4 anos, deve compreender todos os serviços de compõem o saneamento básico, ou seja, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos sólidos e o manejo de águas pluviais.

A elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico é instrumento necessário para o desenvolvimento da política pública neste setor, já que dele constarão as estratégias de governo para a expansão da infraestrutura e prestação dos serviços de saneamento para os próximos vinte anos.

Não obstante sua importância, passados seis anos de edição da Lei federal n.º 11.445/2007, o Plano Nacional ainda não foi concluído, embora algumas etapas já tenham sido realizadas.

A Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades é o órgão que capitaneia a elaboração do plano, que teve início com a confecção do chamado “Pacto pelo Saneamento Básico: mais saúde, qualidade de vida e cidadania”, instrumento que propôs os eixos e objetivos do Plano Nacional de Saneamento Básico, seguida da realização de audiências públicas e de uma ampla consulta pública, feita em ambiente virtual, pela internet.

Essa etapa do processo de elaboração do plano destina-se à participação da sociedade civil, como forma de concretizar a gestão democrática e, de acordo com dados fornecidos pelo Ministério das Cidades, foi altamente proveitosa [1].

Agora, resta finalizar o Plano Nacional para os demais entes federados possam, com segurança, elaborar e implantar seus próprios planos que devem, necessariamente, ser coerentes com as estratégias traçadas pela União.

E elaboração dos planos estaduais e municipais não está juridicamente condicionada à apresentação do plano nacional, considerando a competência de cada um dos entes federados em matéria de saneamento. No entanto, é forçoso reconhecer que apenas após a edição do plano nacional, os planos estaduais e municipais poderão ser elaborados com total segurança de que estão alinhados com as diretrizes traçadas pela União.

Nesse compasso, vale sublinhar que o Decreto nº 7.217/2010 determinou que, a partir de 2014, o acesso a recursos da União, quando destinados a serviços de saneamento básico, estará condicionado à existência de Plano Municipal de Saneamento Básico.

Assim, parece-nos urgente a conclusão do Plano Nacional de Saneamento Básico para que os objetivos da Lei federal n.º 11.445/2007 comecem a ser alcançados, muito especialmente aquele que se refere à universalização dos serviços.

Um país que almeja atingir certos índices de desenvolvimento não pode se preocupar apenas com a área econômica, precisa também, investir muito em infraestrutura, especialmente naquela mais essencial ao bem-estar da população, como indubitavelmente, é o saneamento básico, que se relaciona diretamente com o direito à saúde.

Mário José Corteze é membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), mestre em Direito do Estado pela PUCSP, professor de Direito Administrativo e Urbanístico, e advogado em São Paulo.

[1] Durante a fase da consulta pública foram recebidas 537 propostas, de 108 diferentes autores, entre pessoas físicas e entidades. Todas as manifestações foram examinadas pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, assessorada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Redação

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