Iniciativa quer garantir qualidade do ar para crianças na América Latina

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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"São 7 milhões de mortes por ano por contaminação atmosférica. Foram até agora 430 mil pelo Covid-19. É uma tragédia muito silenciosa", disse Michelle Bachelet

Jornal GGN – Neste 19 de junho, Dia Internacional do Ar Limpo, uma iniciativa no Chile busca garantir a qualidade do ar para a capacidade respiratória de crianças. Para isso, o Centro de Ação Climática da Universidade Católica de Valparaíso (PUCV) e a Fundação Horizonte Cidadão lançam a primeira rede cidadã de qualidade do ar para a infância. O objetivo é expandir o projeto a cinco cidades da América Latina, criando um Observatório Regional da Qualidade do Ar e a Primeira Infância.

O programa “Novos Ares para a Primeira Infância” implementará estações móveis de monitoramento da qualidade do ar em 11 cidades do Chile que sofreram contaminação, medindo o material particulado de poluentes e o CO2, em espaços com a maior presença de crianças menores de 4 anos. O objetivo, segundo expõe as instituições, é “explorar a exposição à contaminação e avaliar a implementação de ações de baixo custo e efetivas, a nível local, que incidam positivamente na saúde, desenvolvimento e bem estar das crianças”.

“Não podemos nos excluir da crise sanitária e social que estamos vivendo nesta pandemia do coronavírus, mas a urgência deste momento não nos impede de avançar neste desafio da qualidade do ar. O Horizonte Cidadão busca plasmar este desafio em ações concretas”, afirmou Paulina Vodanovic, presidente da Fundação Horizonte Cidadão, que explicou que a ação se estenderá a outros cinco países da América Latina, com a instalação de monitores de qualidade do ar e estimulando planos de redução de contaminação a nível regional.

No Chile, os planos de contaminação tiveram início em 2014, durante o governo da ex-presidente Michelle Bachelet, hoje Alta Comissariada de Direitos Humanos da ONU. O cenário visto no país, que teve uma redução de 5% nas consultas médicas de urgência em problemas respiratórios desde iniciadas as políticas de redução da contaminação, inspirou políticas em outras cidades e mundo afora.

Os dados revelam que as cidades que adotaram medidas, desde restrição veicular, proibição de aquecedores por combustíveis fósseis, aplicação de impostos ao uso de combustíveis contaminantes na indústria, entre outros, obtiveram uma redução de 17% no total dos atendimentos hospitalares por problemas respiratórios, enquanto que os demais municípios tiveram um aumento de 7% nessas consultas.

 

E o cenário a nível regional da América Latina revela que ainda há muitos desafios pela frente, mostraram os especialistas. Isso porque “existe um vazio tremendo de medição da qualidade do ar na América Latina”, ou seja, países que detêm pouco ou nenhum mecanismo de detecção de contaminação, conforme mostra o gráfico:

O projeto conta com o apoio de representantes do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, comandado pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, e do Departamento de Saúde Pública e determinantes ambientais e sociais da saúde da OMS, dirigido por María Neira.

A ex-presidente e hoje Alta Comissariada da ONU afirmou que cabe ao Estado resguardar este direito a um ar limpo, que é parte das garantias de liberdade, e destaca a importância de governos locais atuarem. “A nível local, a atenção primária da saúde joga um papel estratégico, para atuar em políticas que atacam muitas desigualdades. Com o plano implementado no Chile, hoje, se registram 400 atenções médicas a menos por ano. Aliadas a políticas contra o tabaquismo, o imposto verde, transportes elétricos e construções limpas, existem instrumentos, soluções aplicáveis, por que não usá-las?”, manifestou Bachelet.

De acordo com Michelle Bachelet, o cenário da atual pandemia de coronavírus merece que se coloque atenção, também, em políticas de descontaminação. “Parte deste esforço de diminuir a contaminação do ar parece ser um sinal muito valioso de que se pode avançar, e os desafios que enfrentamos requer todos aportemos mais. Hoje, no mundo, são 7 milhões de mortes prematuras por ano devido à contaminação atmosférica. Foram até agora 430 mil pelo Covid-19. Com isso, podemos calibrar a urgência que enfrentamos, é uma tragédia muito silenciosa que deve ser enfrentada.”

No caso das crianças, Bachelet destacou que se trata de um impacto direto no seu desenvolvimento completo, afirmando que “se o tipo de habitação, aquecedores, indústria já apresentam consequências diretas nos seres humanos, maior são os efeitos nos mais frágeis”. “A pandemia do coronavírus nos obrigou a parar para refletir e agora temos a oportunidade de abordar com outro olhar o nosso desenvolvimento”, completou.

“São tempos difíceis, complicados”, descreveu Maria Neira, da OMS. Para a diretora do Departamento de Saúde Pública da organização, as cifras do coronavírus apenas nos “fizeram lembrar que nossa saúde é muito vulnerável” e que, a partir de agora, “as pessoas não querem mais se sentir tão vulneráveis e querem que os representantes políticos e sociais tomemos conta com respostas ao cenário”.

E disse ser este o momento de discutir essas mudanças nos mecanismos de recuperação saudável e verde. “Agora que haverá estímulos econômicos para recuperar os resultados dessa economia tão agredida, devemos orientar e assegurar aonde os representantes políticos precisam investir recursos, nessas políticas de combate às mudanças climáticas, e uma das melhores maneiras de direcionar é visualizar quais são os benefícios. Quanto mais cifras puderem desenhar sobre como se está reduzindo as atenções hospitalares, por exemplo, em casos de asma, é uma linguagem que todo mundo entende”, afirmou.

O lançamento da iniciativa, realizado na manhã desta sexta-feira (19), contou também com a participação da presidente do Colégio Médico do Chile, Izkia Siches, da diretora do Clean Air Fund, Jane Burston, da diretora do Global Climate and Health Alliance, Jeni Miller, e da CEO do IG Air na América do Norte, Glory Dolphin. Os especialistas destacaram a importância dos efeitos nas crianças, que ao mesmo tempo que sofrem as consequências da poluição do ar no desenvolvimento de seus organismos e cérebro, também precisam de políticas dirigidas a elas, contra o tradicional “adultocentrismo” das políticas públicas. E que apesar de o projeto partir da cidadania, a vontade social não é suficiente, necessitando mudanças políticas.

 

https://www.facebook.com/FundacionHorizonteCiudadano/videos/262679148344840

 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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  1. A Verdade é Libertadora. Onde está toda a espetacularização de tantas mortes? 7 milhões todos anos, frente a 430 mil por uma Gripe Atípica de surto anual? Caos e Histeria para encobrir a verdadeira tragédia. A América Latina é o Brasil.

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