Os problemas da pegada ecológica como métrica de sustentabilidade

Por Rogério Maestri

A farsa da pegada ecológica como métrica de sustentabilidade

As pessoas inventam definições que devem nortear o comportamento humano e para isto medem através de índices como se deve conduzir o homem para respeitar estas definições. Entretanto os índices podem representar exatamente ao contrário do que a definição previu isto ocorre com um conceito e uma métrica, a sustentabilidade e a pegada ecológica (ou pegada de carbono).

O conceito de sustentabilidade diz em sua definição que algo sustentável deverá permitir que as gerações futuras possam viver de acordo com o a capacidade da Terra de regenerar e permitir que as gerações futuras sobrevivam com o mesmo nível de vida que nos dias atuais.

Para quantificar esta sustentabilidade existem várias métricas, que variando de um valor mínimo a um máximo, permitem definir se um país ou uma região é mais ou menos sustentável do que o outro, ou seja, se um grupo social atinge um valor 0,2 e outro um valor 20 o país que atinge um valor 20 seria 100 vezes menos sustentável do que o outro.

Uma das métricas mais conhecidas e quantificada de acordo com normas e procedimentos definida por uma fundação internacional, a Global Footprint Network, é a pegada ecológica ou também conhecida pela pegada de carbono, esta fundação define através Ecological Footprint Standarts como deve ser calculada esta pegada ecológica.

Partindo dessas definições, um país com baixo valor de pegada ecológica, permitirá que as gerações futuras vivam exatamente no mesmo nível de vida que as gerações presentes, logo olhando sob o ponto de vista humanístico é de se pensar que países que possuem uma ótima pegada ecológica serão exemplos de padrão que devemos seguir, porém se analisarmos friamente os resultados das pegadas ecológicas veremos que esta métrica mostra exatamente ao contrário, pois vamos aos fatos.

De tempos em tempos a partir de dados de diversas organizações é feito o Ecological Footprint Atlas em que são classificados os países que mais respeitam a pegada ecológica e os que menos respeitam. O último disponível em rede é o Ecological Footprint Atlas 2010, onde aparecem os países com menor pegada ecológica (aqueles que teoricamente seriam capazes de manter o meio ambiente para as futuras gerações) e os países com maior pegada ecológica (aqueles que não possibilitariam a vida das suas próximas gerações). No relatório de 2010 os 11 países com melhor pegada ecológica por ordem decrescente de desempenho são:

Bangladesh,
Afeganistão,
Haiti,
Malawi,
República Democrática do Congo,
Paquistão,
Moçambique,
Eritreia,
Burundi,
Zâmbia e
Iêmen.

por outro lado os países que não garantem a vida de suas próximas gerações são por ordem decrescente de sustentabilidade são

Emirados Árabes Unidos,
Qatar,
Dinamarca,
Estados Unidos,
Bélgica,
Estônia,
Canadá,
Austrália,
Kuwait,
Irlanda e
Países Baixos.

Se olharmos com um mínimo de cuidado a lista dos melhores e dos piores e considerarmos que a primeira das próximas gerações são os filhos que estão nascendo nos dias atuais, deveríamos no limite ter um alto grau de possibilidade de sobrevivência dos primeiros e um baixo grau de sobrevivência dos segundos, ou seja, os campeões deveriam ser o primeiro grupo e os perdedores os do último.

Agora cruzando os valores de mortalidade infantil do primeiro grupo com o do segundo chegaremos aos seguintes resultados para os campeões de sustentabilidade na mesma ordem anterior:

47,3; 187,5; 50,92; 76,98; 74,87; 59,35; 74,63; 39,38; 58,86; 68,58 e 51,93
(média = 71,84),

já por outro lado os piores em sustentabilidade tem os seguintes valores de mortalidade infantil

11,25; 6,6; 4,14; 5,2; 4,23; 6,82; 4,49; 4,78; 7,68; 3,78 e 3,69
(média = 5,69), conservando a ordem anterior.

Como outros padrões de vida, como idade média e outros, seguem mais ou menos o índice de mortalidade infantil, podemos dizer baseado em valores concretos que a pegada ecológica mostra simplesmente que os países de melhor pegada possuem um grau de mortalidade infantil 12,6 vezes pior do que os países de pior pegada ecológica, ou seja, a atual geração dos países “sustentáveis” que está nascendo tem uma chance 12,6 menor do que os países “não sustentáveis”.

Poderíamos traçar uma curva de sustentabilidade versus mortalidade infantil e se veria que quanto mais “sustentável” for o país menos sustentável é a vida de sua geração futura.

Parece ridículo, mas temos um índice de sustentabilidade que indica o inverso que ocorre nos dias atuais, exatamente o inverso! Ou seja, como parâmetro de possibilidade de vida das próximas gerações dever-se-ia procurar a maior pegada ecológica possível.

O que se pode dizer é que por motivos históricos, sociais e econômicos a lista dos países “sustentáveis” é realmente uma lista de miséria provinda de fatores como a opressão colonial e o domínio tecnológico. Porém não se pode utilizar um índice que friamente conduz a resultados inversos do que apregoam seus idealizadores, pois ele é completamente distorcido, indicando não um ideal de comportamento humano, mas sim a realidade de quem é miserável consome muito menos de quem é rico a tal ponto de comprometer a vida de suas próximas gerações.

Redação

10 Comentários

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  1. Forcada de barra

    Nao ha contradicao. Se o indice e’ apenas para medir se as futuras geracoes vao viver como as atuais, nao tem nenhum sentido comparar com taxas de sobrevivencia. “Viver como as atuais” nao e’ sinonimo de “viver”. Se ha baixa expectativa de vida hoje e seguira o mesmo no futuro, entao o indice esta correto.

    Alem disso, o indice nao tem nada a ver com sobrevivencia em anos, mas em RECURSOS. Quer dizer, que a atual geracao nao consuma recursos alem da capacidade de reposicao, para que a vida humana continua obtando o que necessita.

    O texto e’ uma grande enrolacao, uma confusao propositada de conceitos.

    Mas, por caminhos tortos, chega a uma conclusao absolutamente correta, que e’ que o conceito de sustentabilidade e’ uma maneira disfarcada de pregar a manutencao da pobreza.

    Apenas paises muito atrasados consomem pouco e isso nao ‘e por forca de uma politica ambiental e sim pela falta de capital para explorar os recursos. Os paises ricos consomem muito, mas tambem investem muito em pesquisa para obter melhores eficiencias e outras fontes de recursos naturais.

    Qual a melhor estrategia? Eu nao sei ao certo. Mas, como voce nao pode pedir a toda humanidade para aceitar tornar-se permanentemente, voluntariamente miseravel, a unica aposta que resta e’ de usar os recursos de hoje para encontrar melhores solucoes no futuro.

     

  2. O texto é absurdamente

    O texto é absurdamente equivocado. A definição de sustentabilidade usada, apesar de correta, é incompleta. Porque dentro do conceito de sustentabilidade está o triple bottom line, que nada mais é que o tripé econômico-ambiental e social. Ou seja, para ser sustentável, não basta apenas ser “ecológico”, mas garantir equidade social e prosperidade econômica.

    Nesse sentido, o países miseráveis estão bem no pilar ecológico, mas pecam nos pilares econômico e social. Já os países ricos estão bem economicamente (e de certo modo socialmente), mas são um desastre ambiental. O desafio dos países pobres é alcançar a prosperidade econômica sem a degradação ambiental da qual os países ricos se utilizaram para chegar lá. E o desafio dos países ricos é ser menos agressivo com o meio ambiente, sem perder o que já foi alcançado economica e socialmente.

    Em relação à pegada ecológica, ela é um indicador importante tal qual os km/l de um carro. Mas assim como o exemplo automobilístico, ele não quer dizer nada sozinho. Um veículo com baixo consumo de combustível, mas com um tanque de gasolina pequeno tem uma autonomia pífia. Assim como uma economia “ecológica” mas paupérrima tem um desenvolvimento pífio.

  3. Queridos, o carbon footprint
    Queridos, o carbon footprint não significa
    nada sozinho. É um indicador tão incompleto e ambíguo como qq outro.

    Qualquer ranking desse tipo ai no texto é reducionista e provavelmente picaretagem. Mas é importante não desqualificar completamente uma medida por causa do mau uso que uns e outros fazem dela ( como ness3s rankins toscos por exemplo)

    A pegada de carbono só estima (repito, estima) a emissão de gases estufa pra um indivíduo, grupo, organização ou país. Mais nada. Como os combustíveis fósseis ainda são o componente mais pesado da matriz energética mundial, a tal pegada acaba correlacionando com o PIB per capita. Ou seja … nenhuma surpresa nas listas apresentadas.

    A coisa ficaria de fato mais interessante se vc divide outros indicadores pela tal pegada.

    Por exemplo o IDH ou o próprio PIB per capita. Isso te daria uma idéia sobre a eficiência do desenvolvimento em termos de emissões de gases.

    A mortalidade infantil, indicador escolhido pelo Rogério tb é relevante. Mas eu acho que ele se confundiu um pouco na matemática – e isso atrapalgou as suas conclusões.

    Explico: Sair comparando porcentagens marginais não é jogo totalmente limpo. A conclusão diverge muito dependendo do que o freguês quer. Se vc compara a taxa de sobrevivência dos dois grupos, 93 e 99,5%, respectivamente, vc vê que os ditos 12x mais chance de sobrevivência evaporam pra apenas 1,06x.

    E mesmo se a conta não fosse ambigua, falta dizer que limites de mortalidade aceitáveis não são verdades matemáticas, mas construções sociais e políticas.

    Eu sou fan

  4. É notório que a visão de

    É notório que a visão de engenheiro não suporta tentar entender os conceitos de sustentabilidade ambiental.

    Ambientalistas também podem facilmente, utilizado números e gráficos a seu critério, desconstruir a métrica da engenharia e provar que as obras por ela planejadas e geridas suportam pouca eficiência energética no seu uso, ignora o desperdício de recursos e insumos, acumula despreocupadamente montes de entulhos e bota-foras, fere indelevelmente a paisagem de entorno e, certas vezes, são até, em essência, desnecessárias em sua própria utilidade. Volta e meia sofremos em excesso com projetos de engenharia que ignoram itens elementares da paisagem humana e natural, na linha do “vamos tratorar tudo e pronto”. E a culpa bradada pelo atraso na aprovação lou liberação de projetos é sempre do órgão ambiental, da Funai, do Incra, do IPhan etc.,  nunca é culpa do projeto de engenharia e suas “métricas perfeitas”.

    Então, como exemplificado acima pelo meu discurso ecochato, este é um debate fadado ao fracasso de possíveis convergências de entendimento…rs. O entendimento é necessário, mas a vontade de divergir é insuperavelmente forte.

    1. Para ser justo, Sérgio, …

      …  essa é a visão de certos “””engenheiros””””, assim mesmo, com um caminhão de aspas. São caras que podem ser aproveitados como mestre de obra, técnico de instalação e manutenção, capataz de peão, analista nerd de sistema e coisas afins. Alguém que desconsidera até o desprezo o meio ambiente, como uma varíavel a ser desprezada no cálculo da engenharia dos dias atuais, é esse o caso de autor dessa postagem comentada, não pode ser ser considerado um engenheiro moderno, do século XXI, mas alguém parado no tempo de quarenta ou cinquenta anos atrás, no mínimo. O cheiro de mofo da postagem evidencia todo o reacionarismo do autor; para não mencionarmos o primarismo da “prestidigitação” de estatísticas, mas aí esbarra em questões de honestidade e caráter que todo manipulador não tem.

      Como tais tipos ainda permanecem encaquilhados na estrutura acadêmica de escolas de engenharia, acontece dos estudantes sofrerem lá uma (de)formação reacionária e superada dos problemas a serem enfrentados na engenharia moderna. Mas, por favor e também por justiça, “inclua fora” uma legião de engenheiros que se libertaram desses padrões de engenharia.

      1. Me desculpe, Almeida, foi um

        Me desculpe, Almeida, foi um desabafo com relação à estas visões puramente “exatas” de como as coisas funcionam.

        Meu pai era engenheiro e tivemos alguns “embates produtivos”, porque ele tinha uma visão humanista bem bacana. Me ensinou a apreciar a natureza e o patrimônio histórico humano, muitas vezes neglicenciadas em nossa paisagem urbana por obras de engenharia. Basta ver como estão nossas cidades, como é raro encontrar áreas verdes públicas ou privadas, e como nossa história é tratada. Isto porque fazem décadas que substituímos urbanistas por engenheiros no planejamento público.

        Não é exatamente culpa do engenheiro ou de sua formação, mas da negligência em querer centralizar as decisões, sem consultar outros profissionais para a investigação da paisagem e do contexto socioambiental do entorno. Engenheiro deveria cuidar da obra em si, é para isto que ele se especializou. Penso que devemos construir em equipes multidisciplinares, com engenheiros, biólogos, ecólogos, arquitetos, urbanistas, historiadores etc. Todos juntos fazem uma bela obra.

        Conheço o Rogério e ele é muito inteligente e estudioso dos assuntos de sustentabilidade, mas sempre no sentido de desconstruir…rs. Daí meu desabafo.

        Abração.

  5. O conceito “sustentabilidade” virou maior “carne-de-vaca”

    Pra qualquer ator economico que vc perguntar vai jurar pela sua mãezinha que o que faz é tudo pela “sustentabilidade”.  O discurso sustentável está na ponta da lingua de todas corporações moderninhas: fábricas, bancos, agências, etc. Na maioria das vezes, não passa de um placebo que envolve passionalmente alienados ingênuos dispostos a lutar por uma causa “comum”, em uma sociedade extremamente segmentada e carente de ideais.

    Ai que a coisa pega… Greenwashing é o que há.

    Aos pobres, resta permanecerem anacronicamente pobres e antiecológicos…

  6. o global footprint não é um parâmetro puramente antropocentrico

    A ideia atrás do global footprint não é só antropocentrica, ou seja não coloca em destaque só a qualidade de vida do ser humano mas sim o ser humano dentro de um contexto ambiental. O conceito que se perde é que a vida humana é só sustetável se vivemos em um contexto ambiental com diversidade ecológica, onde animais selvágens e natureza se entrelaçam com a do ser humano.  

    A questão ainda não resolvida, dentro da qual o global footprint quer ser só um dos parametros, é como fazer o desenvolvimento humano crescer mas ao mesmo tempo conviver com o ambiente que o circunda, sem um ser a detrimento do outro. Portanto a definição dada no artigo não me parece adequada, exatamente porque leva em consideração só o fator antropocentrico. Os países mas desenvolvidos em geral são tb os que mais consumam recursos não renováveis, de um lado para sustentar um padrão qualitativo maior para o ser humano de seu país, mas que colocam em perigo o planeta inteiro, e de outro por pura vaidade capitalistica. Neste contexto se não me falha a memória, vale a pena recordar que Cuba foi definida pela FAO o país que mais se destaca enquanto a sustentabilidade, especialmente a alimentar, posto que com o embargo não pode importar ou exportar (http://youthandeldersja.wordpress.com/2013/10/24/un-fao-describes-cuba-as-very-positive/). Isto quer dizer que eles são socialmente ou politicamente mais avançados? Não, significa so que a sua pegada ecológica é baixa enquanto cria menos produtos industriais, os transporta menos pelo mundo afora, e tem, por necessidade imposta e não escolhida que produzir a comida para sua população dentro de casa. 

  7. Dá para resolver este dilema:

    Dá para resolver este dilema: pondere-se a pegada ecológica pela expectativa de vida de cada país! Ou seja, meçamos quanto carbono precisamos para viver mais e melhor. Ganha quem precisar de menos.

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