22 e 23 de abril de 1947, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Poucos brasileiros sabem o que ocorreu nestas datas. Não sabem, mas deveriam saber.

Em 22 e 23 de abril de 1947 ocorreram o primeiro e o segundo pouso de avião na pista do Iacaré, aberta pelos irmãos Villas Boas no coração do Brasil durante a expedição Roncador-Xingu.  Assim foram descritos:

“Às duas e meia, ao contrário que pensávamos, o Waco Abine nos sobrevoou e aterrisou logo em seguida. Ficou assim inaugurado o campo – em 22 de abril de 1947 – pelo Waco com o tenente França no piloto e Olavo à direita. O avião ocupou na aterrissagem nada mais que 220 metros. Suspendemos os serviços por hoje. O tenente França decolou pouco depois levando daqui, como prêmio pela ajuda que nos deu, o índio Maricá, que deverá voltar amanhã com a nova viagem do Waco.

Amanheceu hoje, quarta-feira, 23 de abril, nublado tal como ontem. Estamos aguardando a nova viagem do Waco. Terminamos, com todo o pessoal, a derrubada lateral. Já não aguardávamos mais o Waco, quando, pelo horário das cinco e meia, soubemos que ele estava voando para cá. Logo em seguida roncou o “quatro asas”. Na primeira tentativa não conseguiu descer; na segunda pousou no solo sem novidades. Com ele vieram o dr. Noel e o Maricá. Nesse horários havíamos comunicado ao Mortes que nosso campo estava praticável num trecho de 500 x 30 metros, que os trabalhadores prosseguiam para levar a oitocentos metros e, ainda, que o Waco havia descido e subido normalmente.” (A Marcha para o Oeste, Orlando Villas Boas e Cláudio Villas Boas, Companhia das Letras, São Paulo 2012, p. 242/243)

O campo do Iacaré foi construído, com grande dificuldade, em algumas semanas pela expedição dos irmãos Villas Boas com ajuda dos índios. Os alimentos já haviam acabado e os sertanistas e seus ajudantes estavam sobrevivendo de caça (veados, macacos e aves). Mandioca e peixe eram a base da alimentação da expedição. Curiosamente os caçadores dispensavam no mato os porcos mortos à flecha.

O local onde o aeroporto foi construído (descrito pelos Villas Boas como o mais desconhecido do América) não grande coisa, apesar de ser o melhor que havia sido encontrado na mata. Os formigueiros imensos tinham que ser removidos e aterrados. Zacarias pegou malária. João ficou gripado e Perpétuo teve disenteria. Os índios chegavam e partiam. Pelo índio Aluari, os irmãos Villas Boas ficaram “…sabendo que neste lugar houve um grande aldeamento trumai; aqui foram eles atacados pelos seus inimigos juruna, sofrendo um massacre que os levou ao abandonar o lugar.” (A Marcha para o Oeste, Orlando Villas Boas e Cláudio Villas Boas, Companhia das Letras, São Paulo 2012, p. 239).

Quantos são os brasileiros que conhecem a história da abertura do Campo do Iacaré ou sabem que ele quase foi chamado de “Campo dos Veados” por causa dos animais serem comuns na região? Quantos valorizam o fato de lá ter existido um aldeamento trumai? Porque a imprensa brasileira lembrou que 22 de abril foi o Dia da Terra e se esqueceu de que também foi o dia desta nossa terra corajosamente desbravada pelos irmãos Villas Boas? 

Fábio de Oliveira Ribeiro

2 Comentários

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  1. “Porque a imprensa brasileira

    “Porque a imprensa brasileira lembrou que 22 de abril foi o Dia da Terra e se esqueceu de que também foi o dia desta nossa terra corajosamente desbravada pelos irmãos Villas Boas? “

     

    Porque a imprensa detesta qualquer coisa que lembre o Brasil. Ou lhe dê orgulho.

  2. Obrigada por nos lembrar …

    Fábio, como é de praxe e sempre importante, tua abordagem remete ao que construímos e não valorizamos.

    Há quem questione a atuação dos Villas Boas, e creio que surgirão comentários a respeito, mas isto não é realmente o que me chama a atenção nesta tua postagem.

    O que é realmente uma pena é que estejamos em constante valorização do que é exógeno em detrimento da nossa história e nossa cultura.  Fazemos isto também com o que é raso e profundo. Não posso crer que seja um fenômeno brasileiro, exclusivamente, mas é fato que nós, como Nação, não nos preocupamos em corrigir isso e temos tido que pagar uma conta salgada em alguns momentos justamente porque nos falta o conhecimento de nossas origens, de nossa formação e de nossa história para entendermos como chegamos aqui e o que precisamos fazer para não incorrer em erros que nos custaram gerações para ajustar.  Infelizmente, ainda não chegamos a este ponto.  Me entristece acreditar que seremos levados a esta consciência da pior forma possível ao encararmos desastres que afetarão nossa cidadania e nossa sobrevivência como povo, assim como nossa Paz. Torço todo o tempo para estar absoluta e irremediavelmente equivocada.

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