Por que as forças armadas adotam táticas e equipamentos de um país que é um dos piores nestes quesitos?

Ao assistir a entrevista do professor Manuel Domingos Neto, que falou sobre a história das forças armadas brasileiras desde o fim do Império até os dias de hoje, entendi algo que por décadas era uma verdadeira incógnita sobre as Forças Armadas Brasileiras, o porquê dessas Forças Armadas aderirem a táticas, doutrinas e equipamentos de uma das piores forças armadas do Mundo, os Estados Unidos.

Alguém pode pensar que estou falando sobre o ponto de vista ideológico, porém a minha crítica é muito mais profunda do que isso, é uma crítica sobre o ponto de vista estratégico e tecnológico sem pesar a ideologia do país de origem dessas forças armadas.

Poderei mostrar que uma das bases dessa má qualificação das forças armadas norte-americanas tem origem exatamente na ideologia dominante nesse país, ideologia que leva uma fragilidade em relação a outros países que aceitam o capitalismo como regime, mas pensam nesse capitalismo como algo que deve ser dirigido pelo Estado nos seus esforços para tornar a sua dominação imperialista preponderante para o resto do mundo, enquanto nos USA as forças do mercado que dirigem a máquina militar, ou seja, os militares são regidos pelos interesses do capitalismo ao ponto de condicionarem não só o armamento, mas também a própria doutrina militar, transformando essas forças num verdadeiro trampolim para o enriquecimento das corporações industriais mesmo que estas vendam porcarias para elas.

Mas sem mais demoras vamos ao primeiro ponto que deve ser desenvolvido, porque eu digo que as forças armadas norte-americanas são uma das piores do mundo, para isso teremos que retroceder na história no mínimo dois séculos.

Os Estados Unidos começam a se impor como um país imperialista a partir de guerra Hispano-Americana de 1898 onde começa uma tática daquele país em entrar em guerras com ações do tipo “false flag”, bandeira falsa, que significa a utilização de um incidente que não foi causado por outro país que entram em guerra e é atribuído falsamente a esse. Em 1898 o encouraçado Maine explode no porto de Havana, o incidente é atribuído a um ato de sabotagem dos espanhóis, que na época eram um império em franca decadência, mais de um século após se confirma por equipes de mergulhadores americanos e internacionais que na realidade, como todos já desconfiavam, a explosão foi causada de dentro para fora, ou seja, ou foi uma explosão espontânea ou foi uma sabotagem dos próprios grande capitalistas norte-americanos, muito bem representados pelos grandes empresários da imprensa, Joseph Pulitzer e William Hearst, que desejavam romper o isolacionismo norte-americano e este levasse uma política agressiva com o resto do mundo.

O mais interessante de tudo foi que esse encouraçado Maine foi construído para fazer frente exatamente a marinha imperial brasileira, pois essa com seus encouraçados Riachuelo e Aquidabã poderiam por volta de 1880 somente um deles fazer frente a toda a marinha norte-americana, logo aquele país começou a construção de uma série de embarcações que em características individuais não fariam frente a um dos brasileiros, mas sim pelo número de embarcações que foram posteriormente construídas, incluindo o Maine.

Pois bem a doutrina de poder norte-americano começa claramente nessa época baseada em três pilares básicos. Primeiro, o uso de operações “false flag”, que apesar de sacrificarem soldados ou marinheiros norte-americanos, usam a imprensa para dando uma cobertura sensacionalista ao fato, sem discutir a origem do mesmo para motivar o cidadão norte-americano a pagar as despesas das guerras. Segundo, o conceito, sempre entrar em combate com forças mais fracas, ou seja, a “coragem dos norte-americanos” é algo extremamente duvidoso. Terceiro e principal motivo da fragilidade das forças norte-americanas, o hábito de sempre usar o princípio da quantidade em detrimento da qualidade, pois com isso permite que as grandes empresas entregando um material de segunda qualidade ganhem fortunas.

Esse terceiro princípio da quantidade em detrimento da qualidade é algo que tem que ser refletido bem mais porque ele é baseado na ideologia dominante que serve para satisfazer as forças do mercado mais do que as necessidades de uma defesa eficiente. Poderia e posteriormente citarei outros exemplos, mas a construção dos navios mercantes da classe “Liberty” é um caso exemplar a ser citado. Quando os cargueiros norte-americanos começam a ser afundados pelos submarinos alemães na segunda grande guerra, os Estados Unidos começam freneticamente a construir uma classe de navios que viraram uma usina de viúvas de marinheiros mercantes, dos 4694 navios construídos dessa classe 1289 sofreram fratura frágil do casco, desses 233 foram catastróficas com perda completa e, em 19 casos, os navios chegaram a se partir ao meio, ou seja, os navios afundavam sem a necessidade de qualquer ataque de um inimigo. Eles se partiam devido a defeitos de materiais de construção ou de execução.

Alguém pode contrapor ao exemplo da má qualidade que ultrapassava ao caso da ruptura do casco, ou seja, aproximadamente 30% desses navios apresentavam sérios problemas que inviabilizavam o seu uso, com a doutrina da União Soviética de produzir equipamentos militares de baixa sofisticação tecnológica, mas em grande quantidade, porém os soviéticos primavam pela quantidade e robustez dos seus equipamentos enquanto os norte-americanos só pela quantidade, o exemplo soviético são os tanques T34, que no início nem rádios tinham, mas sua blindagem e armamento eram superiores aos sofisticados e caros equipamentos alemães.

A segunda intervenção norte-americana, que mostra mais uma característica do exercito daquele país foi a guerra Filipina-Americana, em que no rastro da guerra da Espanha os USA “auxiliam” a independência das Filipinas da Espanha, para depois desta conseguida e ser declarada uma Primeira República Filipina. Essa república foi rapidamente combatida pelas forças “libertadoras” norte americanas empregando as mesmas técnicas genocidas que foram empregadas nas “guerras indígenas”, que mais poderiam ser chamadas de massacres indígenas do que guerras.

Mas o primeiro grande fracasso das tropas norte-americanas, mostrando seu claro despreparo em termos estratégicos foi o fiasco da expedição punitiva norte-americana contra Pancho Villa, o general John Pershing que virou nome de tanque, um tanque que foi produzido às pressas para superar a fragilidade dos tanques Sherman perante os tanques alemães na segunda grande guerra, comandou os massacres nas Filipinas. No México seu destino foi outro, o país vizinho com aviões, caminhões e veículos de combate e uma força militar de 4800 homens que terminou com 10 690 homens, enquanto Pancho Villa contava somente com a bravura de seus homens e conhecimento do terreno. Depois da patuscada da poderosa força expedicionária, ela saiu como entrou em 27 de janeiro de 1917, sem conseguir pegar Pancho Villa. Essa foi uma das grandes derrotas que marcaram a ineficiência das forças armadas norte-americanas.

Quando os Estados Unidos mandam tropas para lutar numa guerra não assimétrica, a primeira guerra mundial, os milhões de “boys” chegaram ao campo de batalha sem mesmo capacetes para utilizar, pois como a experiência militar era com índios, os espanhóis e os filipinos, todas campanhas assimétricas, não tinham artilharia e por consequência fragmentos metálicos não eram um problema, e os chapeuzinhos e bonés norte-americanos eram suficientes. Além da falta tão básica como um capacete os seus aliados tiveram que fornecer 260 veículos, 2.150 canhões de 75mm e mais 1684 canhões de diversos calibres como os Shneiders franceses, obuses Vickers ingleses, 81% das aeronaves, 57% das armas de longo alcance, praticamente toda a munição de artilharia, dezenas de metralhadoras e 20 milhões de cartuchos. Em resumo, os norte-americanos entraram com suas tropas brancas para servirem de bucha de canhão (negros não faziam parte das tropas de combate norte-americanas salvo na cozinha).

Do fim da primeira grande guerra a entrada dos Estados Unidos na segunda grande guerra a evolução das doutrina e do equipamento militar nos USA só foi vista nos mares, onde começam com alguns porta-aviões, que por motivos que são duvidosos não estavam em Pearl Harbour no dia do ataque dos japoneses, só estando lá velhos encouraçados (mais uma dúvida que provavelmente lá pelo ano 2090 será entendida), e por um acaso que a frota de porta-aviões não foi destruída em batalhas posteriores com os japoneses, manteve aquele país em guerra. Valendo-se da sua capacidade industrial, os norte-americanos conseguiram fabricar uma boa quantidade de porta-aviões menores que desequilibraram a guerra naval contra um país que até 1905 (guerra Russo-Japonesa) nem era considerado um país com forças armadas efetivas.

Porém até um determinado ponto da guerra contra o Japão, todos os grandes impérios coloniais, Reino Unido, Países Baixos e Estados Unidos, foram sendo varridos até quase a Austrália pelas topas terrestres japonesas, sendo a grande referência norte-americana dessa guerra foi o General Douglas MacArthur que pronunciou num discurso já na segurança da Austrália uma frase que para 99% de qualquer general que se prese “I came through and I shall return”, após o chamado incidente conhecido como a “Douglas MacArthur’s escape from the Philippines”. Ele deixou todas as suas tropas para trás em 11 de março de 1942 para voltar triunfante pelo mesmo lugar que ele partiu em 20 de outubro de 1944, depois que a maioria das tropas que ele abandonara foram mortas em combate ou a maioria delas por doenças tropicais e subnutrição nos campos de prisioneiros japoneses. Mas como Hollywood mandou suas melhores câmeras para registrar a sua chegada, o ato de covardia transformou-se em um ato de coragem.

O Japão em 1945 estava sem recursos naturais, mas estava pronto para vender caro a sua invasão, entretanto como Stalin mandou suas tropas para a Manchúria em uma ação relâmpago da Batalha da Manchúria onde em menos de um mês (mais exatamente 16 de agosto a 1º de setembro de 1945) o exército vermelho simplesmente passou por cima do exército imperial japonês com velocidades de avanço do front entre 82km/dia a 20km/dia em profundidades de 820km a 20km e um front de 2.300km de largura. Essa visão do avanço do exército vermelho que se entrasse no Japão deveria acabar com o Império japonês obrigando a instituição de uma república levou a rendição japonesa. Muitos atribuem as bombas nucleares o motivo da rendição, mas bombardeios em cidades japonesas, como o bombardeio sobre Tóquio fizeram muito mais estragos que as bombas atômicas e os japoneses não queriam mesmo é renunciar ao Império.

A próxima guerra significativa que os norte-americanos entraram foi a Guerra da Coréia, onde quase foram expulsos e lutando somente com as forças norte-coreanas chegaram próximo demais da fronteira chinesa, neste momento as tropas chinesas entraram em combate e levaram de roldão as tropas norte-americanas e seus eternos aliados até a fronteira já definida durante a segunda guerra, o paralelo 38.

Seguindo a demonstração de incapacidade militar, os Estados Unidos saíram correndo da guerra do Vietnã derrotados mesmo chegando a colocar em luta quase um milhão de seus soldados, sendo derrotados por uma força militar de um pequeno país que com muitas baixas defendeu-se com bravura.

Depois dessa ação conseguiram algumas vitórias parciais no Iraque, que era um país governado por alguém que o próprio exército iraquiano não pretendeu defender. Mesmo depois de uma “vitória” a resistência do povo iraquiano resultou numa retirada. Esse triunfo parcial, rendeu somente para a indústria de armamentos norte-americana.

Mais enigmático de todas as derrotas norte-americanas foi no Afeganistão, um país completamente subdesenvolvido em que os norte-americanos não conseguiram nunca acabar com a oposição.

Posteriormente vem o caso da Síria, em que o país abalado por uma série de intervenções de vizinhos os norte-americanos que estavam lá foram corridos por uma rápida e eficiente intervenção russa limitada a tropas aéreas.

Há no século XX várias vitórias norte-americanas, como contra principalmente pequenas repúblicas da América Central que configura exatamente vitórias de lutas assimétricas.

Por outro lado, vejamos o que os USA conseguiu em termos de armamentos durante todo o seu período de liderança econômica que começa no início do século XX. Em termos de armamentos para o exército, não se vê nenhum equipamento militar de relevância desenvolvido pelo país, falei dos tanques que foram uma das peças mais importantes desde 1917 até o fim da guerra fria. Jamais os tanques norte-americanos superaram os alemães na segunda guerra e os russos, mantendo uma pequena supremacia que foi derivada do fim da União Soviética, porém de novo os alemães e mais recentemente os coreanos produziram equipamentos muito melhores do que os norte-americanos. As bombas nucleares mantiveram uma supremacia norte-americana que durou menos de uma década.

Poderíamos falar da aviação, até 1950 a não ser os bombardeiros pesados, que durante a segunda guerra só permitiam bombardeios de saturação, não atingindo, por exemplo, a logística alemã e a indústria de guerra. Em termos de caças, é só lembrar o avião a reação que foi desenvolvido pelos alemães e posteriormente pelos ingleses, demonstram a incapacidade do esquema militar norte-americano. Com a queda da União Soviética, por algum tempo os aviões furtivos norte-americanos foram o desejo de todas as forças aéreas do mundo, porém os chineses partindo quase do nada em termos de indústria de aeronáutica começam a se aproximar velozmente dos norte-americanos e o russos que talvez não acreditam na capacidade de “invisibilidade” dos aviões furtivos norte-americanos, que quando foram confrontados com um país com alguma tecnologia, a Sérvia, tiveram que retirar suas engenhocas pois os radares sérvios conseguiram detectar uma dessas aeronaves e derrubá-las.

O poder militar norte-americano não é baseado na excelência, mas sim num orçamento militar imenso que retira dinheiro de políticas sociais que poderia ter o governo federal norte-americano, sendo maior do que o orçamento de todos os outros países do mundo somados. Mas muito desse dinheiro é posto fora, por exemplo o fantástico orçamento do novo avião norte-americano o F-35, que o único país que comprou e tem que ter uma política de defesa concreta, Israel, foi o único país que teve acesso a todos os elementos informatizados desse avião e procuram no momento modifica-los para torna-los efetivos.

Ou seja, se olharmos a relação benefício/custo das forças armadas norte-americanas podemos dizer com segurança que é uma das mais baixas do mundo.

Poderia falar do atraso dos norte-americanos em termos de mísseis hipersônicos, que tanto a Rússia como a China desenvolvem alguns em que neles estão escritos quais os porta-aviões norte-americanos que eles podem afundar, mas alongaria muito esse item.

A pergunta que se pode fazer é se há desconfiança contra fornecedores de armamentos Russos e Chineses, porque não associações com indianos, coreanos, japoneses e outros orientais, ou mesmo com fornecedores europeus, se compraria mais barato, se teria condições de desenvolvimento com esses países e a parte de doutrina militar que estudassem em outros países que são tradicionais aliados, mas não ficam fascinados os militares brasileiros com o poder norte-americano sem ter um orçamento que permita emular 5% do poder militar norte-americano.

Redação

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador