Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Netflix, Operação Lava Jato e o “Smart Power”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

O Netflix anunciou para o ano que vem uma série baseada na atual Operação Lava Jato, em cartaz na grande mídia desde 2014, estrelada pelo protagonista Sergio Moro. Curioso sincronismo entre uma operação, cujas ações sempre foram pautadas por simbolismos e timing midiático, e uma série ficcional inspirada em evento real ainda em evolução. Desde “House of Cards”, o Netflix vem protagonizando recorrentes “coincidências significativas” – parece que suas produções pontuam e até interveem na atual crise política brasileira. Coincidência? Ou estamos testemunhando a nova política externa da chamada “Smart Power” (Hard Power + Soft Power) implementada por Hilary Clinton no Departamento de Estado dos EUA em 2009? Armas e bombas + indústria do entretenimento, produções midiáticas que estariam além da mera imposição ideológica. Agora, sofisticada engenharia de opinião pública onde eventos reais dialogam com narrativas ficcionais, até que paradoxalmente a realidade se torne verossímil por meio da ficção: se virou série, então é verdade!

Durante as audiências de confirmação no senado para se tornar Secretária de Estado do Governo Barack Obama em 2009, Hillary Clinton disse: “A América não pode resolver sozinha os problemas mais prementes, e o mundo não pode resolve-los sem os Estados Unidos. Devemos usar o que tem sido chamado de ‘Smart Power’, a gama completa de ferramentas à nossa disposição”.

A Netflix confirmou que está iniciando a produção uma nova série idealizada pelo cineasta José Padilha (Tropa de Elite, Robocop e Narcos) baseada na Operação Lava Jato, em cartaz ininterrupto na mídia nacional nos últimos dois anos  e estrelada pelo juiz de primeira instância de Curitiba Sérgio Moro – e até agora, dois atores sondados (Wagner Moro e Rodrigo Lombardi) para representar o protagonista na série recusaram o convite de Padilha. 

Qual as relações entre o conceito de estratégia de política internacional Smart Power criada pelo Center of Strategic and International Studies (CSIS), colocado em ação por Hillary Clinton como Secretária de Estado, e as produções do canal de streaming Netflix?

Como os leitores do Cinegnose já devem ter percebido, esse humilde blogueiro acredita que entre a ficção e a realidade há diversas conexões, sejam elas sincromísticas (coincidências significativas), por imitação (efeito copycat), intencionais (engenharia de opinião) ou  simulação (a hipótese gnóstica da Matrix) .

Temer e Frank Underwood: crise política brasileira é uma versão canastrona de “House of Cards”?

Coincidências significativas

Há recorrentes “coincidências significativas” entre produções Netflix e eventos políticos brasileiros recentes, tão recorrentes que começamos a suspeitar em uma sofisticada estratégia de engenharia de opinião dentro da política internacional ampla e ambiciosa do Smart Power – a combinação entre Hard Power (a força militar e bélica) e Soft Power (mídia e indústria do entretenimento) capaz de costurar alianças e parcerias com instituições de todos os níveis para expandir a influência norte-americana e legitimar suas ações.

Para começar, a série House of Cards que narra a trajetória do líder Democrata no Congresso que articula, com ardil, traições e mentiras, sua chegada ao centro do Poder no Salão Oval da presidência. Lançada em 2013, em plena campanha eleitoral brasileira à presidência, tornou-se cultuada no Brasil ao surfar na ascensão neoconservadora da rejeição à política – como em Brasília, na série um vice-presidente articula o impeachment presidencial para chegar ao Poder. 

Ao explorar os tradicionais clichês hollywoodianos (o mito do Mr. President, o mito do Príncipe Maquiavélico, o mito do “Estado Sou Eu!” e o retrato dos jornalistas como um bando de patifes sem esperanças – sobre os mitos da série clique aqui) a série caiu como uma luva na opinião pública brasileira – a rejeição in totum dos políticos, cujo reflexo podemos acompanhar nas últimas eleições com número recorde de abstenções e votos nulos. 

Mais tarde, a mesma série envolveu-se em outro sincronismo: às cinco horas da manhã de uma sexta-feira de março desse ano a Netflix liberava no Brasil a quarta temporada de House of Cards. Uma hora depois, a TV Globo transmitia ao vivo a condução coercitiva de Lula por 200 homens da Polícia Federal dentro de mais uma etapa da Operação Lava Jato.

Além dos aspectos jurídicos, investigativos e policiais, sabemos que a Operação Lava Jato possui um apurado senso para explorar temas simbólicos e midiáticos nas buscas, prisões, delações e vazamentos – etapas como nomes insólitos, policiais federais com ostentação fetichista de armas e uniformes negros de snipers, vazamentos acompanhando o timing das redações etc.

Convergências oportunas

Por isso, não é de espantar que a Operação Lava Jato, a crise política e a série Netflix House of Cards tiveram convergências oportunas:

(a) Em 2015 a grande mídia enchia a bola do vice Michel Temer atribuindo a ele a esperança de uma solução para a crise política quando assumisse o lugar da presidenta Dilma. Parecia o roteiro das primeiras temporadas de House Of Cards.

(b) No final do ano passado, numa entrevista dada à BBC Brasil, o ministro do STF Gilmar Mendes (notório inimigo político do PT) disse que “a corrupção e a disputa pelo poder a qualquer custo exibidas na série House of Cards se repetem em Brasília” – sobre isso clique aqui

E agora nesse ano, em pleno momento crucial da crise política (impeachment e a eminente prisão de Lula pela Lava Jato – a prisão de Eduardo Cunha é apenas um simbolismo para demonstrar a suposta imparcialidade de Moro), a Netflix anuncia a produção de série baseada nas investigações da Lava Jato. 

Tanto Erick Barmack (vice-presidente de produções originais da Netflix) como o cineasta José Padilha se apressaram em declarações carregadas de juízo de valor: “O Netflix reconhece o talento de Padilha para documentar esse momento importante na história do Brasil”, disse Barmack.

“Esse projeto vai narrar a operação policial em si e mostrar detalhes do maior esquema de corrupção já visto no Brasil”, afirmou Padilha.

Diferente de outras produções históricas e políticas do gênero (produções a posteriori dos acontecimentos, resultantes de pesquisas e depoimentos de pontos de vista diversos), a Netflix parece se notabilizar por séries ou filmes sobre eventos ainda em constante evolução, quase como uma intervenção ficcional em um evento real em desenvolvimento.

Podemos estabelecer uma triangulação cujos vértices seriam Operação Lava Jato, Netflix e Departamento de Estado dos EUA? Qual a motivação e contexto? Muito menos o combate à corrupção (que, como veremos, marotamente a política de Smart Power associa com o combate ao terrorismo internacional) e muito mais o controle da geopolítica do petróleo, ameaçada pelas jazidas do Pré-sal brasileiro.

Alguns fatos para considerar:

(a) O caso do telegrama “Moro-Wikileaks”

Um relatório da Embaixada dos EUA em Brasília para o Secretário de Estado daquele País sobre a Conferência realizada no Rio “Crimes Financeiros Ilícitos” em 2009. Curso financiado pelo Departamento de Estado norte-americano onde Sérgio Moro é apresentado como “Juiz Federal de Lavagem de Dinheiro” – cargo fictício inventado para destaca-lo entre os 2.089 juízes federais que tratam o tema diariamente).

Moro foi um dos instrutores do curso. A proposta era convencer as autoridades do judiciário brasileiro a “passarem a colaborar” com autoridades e membros da Inteligência policial e militar de outro país. 

O mais importante é que o Curso pretendia aproximar a questão da corrupção (“finanças ilícitas) com o combate ao terrorismo internacional – lavagem de dinheiro como forma de financiar grupos terroristas.

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

11 Comentários

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  1. Smart power é um assunto

    Smart power é um assunto velho requentado quando a coisa fica preta. Psyop, manipulação do povo pelo massmedia, institutos de engenharia social, teoria do choque, etc etc. Tudo isso remonta do início do século XX tendo como linha de frente o Instituto Tavistok.

    Soft power é coisa de Brasil, México, Austrália, países sem aparato bélico.

    Desde de sempre no mundo pós-guerra o que vale é a combinação de hardpower com softpower ancorado na mídia monopolista. Nada é por acaso, nenhuma novela da Globo é programada e vai ao ar sem um objetivo político. Anos Rebeldes em 1992, Velho Chico em 2016, Vale Tudo, 1985, Tieta, 1986…

    E hoje temos a impressão de estarmos lutando no mundo virtual, mas na verdade fomos pegos pela armadilha do oligopólio mundial do mundo virtual. Hoje lutamos virtualmente, nos cansamos e nada muda.

    O que salva a alma é ver as 800 escolas ocupadas.

  2. Acredito sim na teoria de que

    Acredito sim na teoria de que uma coisa tem a ver com a outra. E implementar a ficção fica cada vez mais fácil quando se percebe o nível de imbecilização que demonstra a grande maioria dos brasileiros.

    Se bem que temos que concordar: houve evolução. Em 1989 a Globo encheu a bola do Collor com um Globo Repórter exclusivo dele. Em 1992 pavimentou a sua queda com a tal mini-série “Anos Rebeldes”. Foi como jogar gasolina em cima do fogo da juventude sem cérebro daquelas épocas. Tudo em TV aberta

    Hoje a coisa é mais chique: é uma rede de TV a cabo, portanto exclusiva para quem pode assinar (ou piratear,  já que pobre vai na onda mesmo sem ser convidado) norte-americana que produz a minissérie que diz como o pessoal tem de pensar.

    Não é nem novidade. A sacanagem é a mesma. Só evoluíu tecnlogicamente. Antes era em uma tal TV aberta, que todo mundo assistia. Como essa rede ficou manjada a imundície passou a ser feita por uma TV por assinatura norte-americana, que virou febre e que todo mundo pensa que está “arrasando” quando diz que assistiu.

    Moral da história: os imbecis dificilmente conseguem deixar de ser o que são. Só mudam de roupa para tentar parecer menos idiotas.

  3. E agora voces estao vendo por

    E agora voces estao vendo por qual razao eu vou votar em Trump.  Nao ha maneira mais rapida de ver o governo de extrema direita dos EUA is se fuder!

    Se existisse eu a teria descoberto!

  4. Então, a Netflix pôs em prática a frase daquela nossa música??

    Esperar (os acontecimentos reais, para depois engendrar séries) não é saber

    Quem sabe faz a hora, não espera acontecer…

    1. A mensagem dessa música só da

      A mensagem dessa música só da certo quando as pessoas agem com honestidade e colhem os frutos dessas ações honestas.

      No caso dos golpistas em conluio com a néf lixo, no final se estreparão !

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