Por que precisamos de uma política pública de informação, por Carlos Castilho

Organizações jornalísticas sem fins lucrativos, institutos universitários e associações comunitárias são protagonistas obrigatórios às políticas públicas de informação

Foto: Reprodução/Internet

do Observatório da Imprensa

Por que precisamos de uma política pública de informação

por Carlos Castilho*

O jornalismo local é parte obrigatória numa eventual discussão sobre uma política pública de informação. A afirmação pode parecer mais a expressão de um desejo do que de uma realidade, mas não é o caso, e vamos explicar por que, a seguir. Antes de tudo, é preciso fazer uma distinção: uma política pública de informação não é a mesma coisa que uma política pública de comunicação. A primeira está relacionada à identificação dos itens que afetam o fluxo de informações dentro de um grupo social. Já a política pública de comunicação tem a ver com a regulamentação das plataformas de disseminação de informação, sejam elas analógicas (jornais e TV, por exemplo) ou digitais (redes sociais e blogs, por exemplo).

O jornalismo local é peça fundamental numa política pública de informação porque ele tem uma função insubstituível no desenvolvimento de uma cultura de combate à desinformação, da qual fazem parte as fake news, as meias verdades e omissões intencionais de dados. É no ambiente comunitário que as pessoas transformam as notícias recebidas através dos meios de comunicação em atitudes e opiniões.

É na família, no trabalho, na escola ou na vizinhança que as notícias são associadas a preocupações individuais ou coletivas e incorporadas à rotina diária de cada pessoa. É conversando com parentes, amigos ou colegas que as pessoas vão absorvendo a informação de forma gradual, sem necessidade de grande esforço de reflexão. Nestas condições, a realidade local acaba tendo um poder persuasivo muito mais eficiente do que os fatos e eventos distantes disseminados pela imprensa nacional ou internacional.

Desertos informativos

O problema é que no interior do país, a diversidade de fontes informativas é muito menor do que nas capitais, o que torna as pessoas mais sujeitas à influência de notícias distorcidas ou fora de contexto. Isto cria o ambiente favorável à disseminação das chamadas notícias falsas (fake news) no contexto local e hiperlocal (bairros ou associações), através de redes sociais na internet. As dúvidas sobre a veracidade de notícias e a desinformação se tornam ainda mais cruciais quando se leva em conta o fato de que o jornalismo comunitário e municipal está em crise por conta de dificuldades financeiras e perda de leitores.

A queda abrupta nas receitas publicitárias provocou o fechamento em série de jornais médios, pequenos e até grandes. Segundo o projeto Atlas da Notícia, cinco em cada dez municípios brasileiros constituem o que se convencionou chamar de “desertos informativos”, pois não têm qualquer jornal ou emissora de rádio local.

Isto funcionou como um alerta para os especialistas em informação pública e tomadores de decisões, aqui e no exterior, porque sinalizou o agravamento do distanciamento político entre as bases sociais e as elites dirigentes em países como o Brasil. É neste contexto que os estudos e pesquisas sobre jornalismo comunitário, inclusive a variedade hiperlocal (jornalismo sobre bairros ou grupos étnicos minoritários) passaram a ganhar relevância como uma alternativa para o fechamento de jornais regionais e um esforço para atenuar o isolacionismo informativo nas pequenas e médias cidades.

Esta mudança no ambiente midiático impõe a necessidade de uma política pública de informação voltada para a valorização das temáticas locais como forma de reconstruir o envolvimento das pessoas em questões comunitárias, seja pela reavaliação das agendas noticiosas municipais, seja pelo apoio a projetos jornalísticos engajados com a população.

Direito humano básico

Uma política pública de informação envolve mudanças de valores sociais, um objetivo complexo porque implica também o surgimento de novos comportamentos e regulamentos. Uma questão fundamental, por exemplo, é alterar a forma como as pessoas encaram a notícia. A percepção mais comum situa a notícia como um item de menor importância na rotina diária de cada indivíduo.

Só que a era digital está fazendo com que as pessoas não possam mais viver sem informação. Ela se tornou algo essencial à sobrevivência como foi possível comprovar durante a pandemia de Covid-19.

Exigir informação necessária para a solução dos problemas de uma comunidade, por exemplo, deveria ser uma atitude incorporada aos comportamentos sociais. A informação, na era digital, é cada vez mais um item de primeira necessidade pois dele depende a tomada de decisões individuais e coletivas. Tem todas as condições para ganhar o status legal de direito humano básico.

Outro item obrigatório na elaboração de uma política pública de informação é o desenvolvimento de uma postura crítica das pessoas diante de dados, fatos, eventos e ideias novas. As pessoas confiam cada vez menos no que é publicado pelas grandes corporações da imprensa porque a avalanche noticiosa na internet ampliou a diversidade de versões sobre um mesmo fato, ao mesmo tempo que o caráter comercial das empresas jornalísticas as levou a privilegiar seus interesses corporativos sobre os dos leitores.

Estes são apenas alguns pontos básicos para o início de um debate nacional sobre a elaboração de uma política pública de informação. Muitos outros ainda precisam ser explorados e analisados em detalhe.

Organizações jornalísticas sem fins lucrativos, institutos universitários de pesquisa e associações comunitárias são protagonistas obrigatórios no desenvolvimento de políticas públicas de informação. Estas entidades representam segmentos sociais envolvidos na produção de informações locais e, portanto, com influência direta no ambiente em que as notícias são transformadas em opiniões e posicionamentos.

*Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem um ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected] . A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

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