A mestria de Vicente Barreto, por Aquiles Rique Reis
O violinista, cantor e compositor baiano, radicado em São Paulo, Vicente Barreto lançou Cambaco (que significa elefante velho e solitário que volta à terra natal para morrer), o CD mais pop de sua longa jornada. Para gravar onze de suas músicas, sendo uma instrumental, Vicente se juntou a quatro instrumentistas da nova safra paulistana: Rodrigo Campos (guitarra), Marcelo Cabral (baixo), Sergio Machado (bateria)e Thiago França (sax e flauta). Além deles, Barreto também convidou a boa cantora Jussara Marçal – com entradas muito bem dosadas, sua participação enriquece o trabalho.
Lendo a relação dos instrumentistas, fiquei curioso: como soaria a guitarra junto com o violão? Pois bem, ao longo da primeira audição, meu grilo saiu fora. Barreto faz com que seu violão soe límpido e suingado; enquanto a guitarra de Rodrigo, sempre se valendo de múltiplos efeitos, fortalece a pegada dos arranjos.
Vicente Barreto está cantando bem, melhor do que nunca. O tempo de estrada deu à sua voz uma inconteste maturidade. Além do que, chama atenção a sonoridade que imprime às notas graves. Elas vêm macias, como se tivessem a disposição de se revelar revigoradas.
Os arranjos – sejam os das introduções e intermezzos, sejam os dos acompanhamentos – privilegiam desenhos tocados por baixo, guitarra e sax, enquanto a bateria os impulsiona através de uma linguagem musical contemporânea, caracterizada pela preferência por notas graves, que dão vigor visceral ao acompanhamento.
“Cambaco”, de Barreto e Manu Maltez, ele que criou a bela ilustração da capa, abre o CD. A melancolia do tema se redime na pujança da levada e na beleza da letra. Ao cantá-la, Vicente, que de cambaco não tem nada, muito pelo contrário, assume a identidade musical de seu trabalho, pensada a partir da escolha dos participantes e da seleção das composições.
Outra bela música é “Tataravô”, uma das duas parcerias de Vicente com Romulo Fróes, quando o groove pop se mostra ainda mais nítido e a letra comove ao dizer expressamente para Vicente: Refazer meu caminho até renascer/ Encontrar um outro jeito de caminhar (…). E é exatamente o que Barreto faz nesse disco: recompõe seu repertório, redescobre o prazer de seguir à frente.
Também emocionante é ouvir o que Vicente compôs com Rafa Barreto – no CD estão duas parcerias do pai com o filho, “Batendo Sabão” e “Herança”, cuja letra vem profunda na melodia: Eu julguei meu pai por não ter cor/ E o meu avô talvez por bem querer (…) Eu herdei o que meu pai deixou/ Antes, quem? O meu avô (…).
Desde há muito assim é: Vicente Barreto trabalhando para ser ouvido. Criando vai o artista, antítese do elefante moçambicano. Seguindo a vida, deixa seu rastro, seu lastro, deixa… Pena de quem não pode ouvir seus passos, nem saber do seu caminhar.
E uma pequena frase posta na última página do encarte reafirma a sua mestria: “Este disco é para Rafa Barreto”.
Sim, mas eu sinto que ele é também para todos nós.
Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4
PS. O vocal brasileiro e, por que não, a música brasileira, perdeu a sua voz mais aguda. Severino Filho, arranjador e primeira voz de Os Cariocas, saiu de cena. Ficaram os aplausos e o legado de um vocalista e arranjador vocal iluminado. Viva Severino Filho!
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