O piano de Sérgio Augusto

Todos nós crescemos e aparecemos pela mão de alguém. Há sempre quem goste do seu trabalho, uma pessoa que depois de lhe conhecer, passe a lhe dar uma forcinha. 

Em geral, esse primeiro “empurrão” é esquecido, sei até de casos em que o empurrado chega a irritar-se quando se vê obrigado a lembrar-se do empurrante. Não é meu caso.

São Paulo teve uma fase de grandes novidades musicais. E, quase tudo de bom e mais rebuscado na MPB, emanava do João Sebastião Bar.

A entrada do “João” vivia com fila. Era gente entrando e saindo pelas madrugadas da descida na Rua Major Sertório. 

Eu, um molecão, ficava só sapeando do outro lado da rua. Abria-se a porta almofadada, e era dali que saía o som que fazia a minha cabeça. 

Sentava na calçada, levantava. Sentava outra vez, levantava e espichava o pescoço pra ver se algum conhecido me via e me convidava pra entrar no “Bar da moda”.

A lista de artistas que fizeram a história da MPB e que se apresentaram lá era grande:

Vinícius de Morais, Pedrinho Mattar, Manfredo Fest, J.Alf, Leny Andrade, Théo de Barros, Claudette Soares, Walter Wanderley, Milton banana, Azeitona, Taiguara, Agostinho dos Santos, Alaíde Costa, Sambalanço Trio com o César Mariano, Zimbo Trio, Paulinho Nogueira, Ana Lucia e, depois, o Chico, o Gil e o Geraldo Vandré. 

Uma vez, vi o João Giberto entrando, mas, como já amanhecia o dia, fui pra casa.

As canjas eram o melhor da festa. Afora os jazzistas que estavam de passagem pela cidade, aparecia o pessoal do Rio de Janeiro, o Lucio Alves, a Doris Monteiro, o Tito Madi, Ciro Monteiro, a gênia da Elizeth Cardoso, e a maravilha das maravilhas, que era a Aracy de Almeida.

E eu, ficava ali, tietando toda noite.

Numa delas, uma amiga de minha mãe, a Maria Augusta, costureira famosa, me colocou pra dentro.

Como sempre, sumi na fumaça, e arranjei o melhor lugar do bar. Fui pra baixo do piano. Ali, no escurinho, não atrapalhava ninguém nem era obrigado a consumir nada e, dali, só via as pernas de quem sentava no banquinho pra apresentar-se. 

Foi nessa noite que ouvi jeito de tocar violão, e sem ver ou saber de quem era. Mas o suingue de samba na mão direita me deixou impressionado.

Canta daqui, canta dali, vi quem era o sujeito, fiquei seu fã a aprendi seu nome: Sérgio Augusto. Era ele umas das atrações do João mais badaladas na época.

Eu devia ter de 16 pra 17 anos e, por indicação de amigos fui me oferecer pra compor jingles no Estudios Reunidos/Sonima onde hoje é o Objetivo da Av. Paulista. 

E foi quando reencontrei o Sergio. E fui ficando. 

Quem fazia os arranjos das peças nessa época era o super talentoso Eli Arcoverde, que, pra que não sabe, além de ser um mágico no órgão, era craque também no trombone. Pela mão deles, tive minhas primeiras músicas num disco e gravei tocando violão. O LP chama-se “Música para seu Relax” e tem umas gaivotas de história em quadrinhos na capa.

E acabou que fomos ao Rio para editar as músicas com um tal de Marconi, um gordo sorridente com cara de mafioso que tinha o escritório na República do Perú em Copacabana. Logo depois, ele sumiu e nunca consegui levantar sua história, nem a edição destas canções.

Conheci muita gente de música nessas idas ao Rio com o Sérgio, O Lula Freire, o Candinho, que já era conhecido e amigo do meu pai. Dele, ouvi o “Mergulhador”, uma das músicas mais lindas que conheço. Nessa época, foi que o João Gilberto gravou “Samba da Pergunta” do Marcos Vasconcellos e do Pingarilho. 

No Rio, andava com o Sérgio pra lá e pra cá.

Em São Paulo, às vezes, o convidava para ouvir um “sonzinho” nas casas dos novos amigos meus. Ele aparecia, mas mais por delicadeza. Como dizíamos na época, era “na dele”. Chegava, fazia uma horinha, e quando tirava a chave do carro do bolso, eu sabia que já estava de saída. 

Trabalhamos um tempão juntos, o Sérgio Augusto e eu. Aprendi as manhas de jinglista que tem que pensar os temas musicais em trinta segundos, vendo-o trabalhar. 

Muitos dos contatos feitos nesta atividade, pra mim foram muito importantes. A rede de conhecidos que foi se tecendo aos poucos, na música, na TV e no teatro, começou no primeiro puxão pela mão que o Sérgio me deu.

Pessoa super doce, assim como suas musicas e sua voz, a coisa de dez anos atrás, voltou a fazer shows, sempre e tocando cantando muito bem. E, como ele mesmo diz, “Fazendo Bossa Nova, que é o que mais gosto!” 

Antes de mudar-se para os USA, hoje mora em Denver, deixou gravado um CD muito chique onde sua desenvoltura e bom gosto são o ponto alto. 

E tem mais, “Tudo que arde cura” está cheio de músicos infernais.

Sou fã desse sujeito, do seu talento musical, caráter, amizade e gentileza. 

Quase diria que, hoje, não se fazem mais Serginhos como antigamente.

Sergio Augusto

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador