A história do SS Conte Verde, o navio que transportou a Seleção Brasileira para a Copa de 1930

 

Revista Football

 

 

Dezembro de 1944, porto de Maizuru, Kioto. Em meio a um temporal e denso nevoeiro, o B-24 americano mergulha na direção do navio detectado pelo radar. O tenente-coronel William D. Hopson dá uma rasante sobre o alvo, manobra e se prepara para o ataque. No segundo sobrevoo, despeja seis bombas. Atingido em cheio, o Kotobuki Maru aderna para estibordo e afunda. Para o piloto do 308o Esquadrão de Bombardeio da Força Aérea dos Estados Unidos, o resultado da missão foi apenas colocar fora de combate mais um navio japonês de transporte de tropas. Mas acabara de destruir bem mais do que isso: a embarcação em chamas engolida pelas águas escuras do Mar do Japão era na verdade um dos principais personagens da história do futebol. Nela, pouco mais de 14 anos antes, três times europeus cruzaram o Atlântico rumo à primeira Copa do Mundo, no Uruguai. Tinha então bandeira da Itália, fama de um dos mais luxuosos transatlânticos do mundo e um nome aristocrático: SS Conte Verde.

A saga do elegante vapor de 18.383 toneladas começou em 21 de outubro de 1922 no estaleiro W. Beardmore & Company, na Escócia. Era o dia da verdade para a nova maravilha dos mares encomendada pela armadora italiana Sociedade de Navegação Lloyd Sabaudo, e o resultado foi melhor do que o esperado. Impulsionado por quatro turbinas e duas poderosas hélices, chegou à velocidade inimaginável na época de 20 nós horários, quando 18 seriam suficientes para fazer em apenas 15 dias a travessia Gênova/Buenos Aires, a famosa Rota de Ouro e Prata.

Sob o comando do capitão-de-longo-curso Amedeo Pincetti, o Conte Verde zarpou para a viagem inaugural em 21 de abril de 1923, com escalas em Villefrance-sur-Mer (perto de Nice), Barcelona, Rio de Janeiro, Santos e Montevidéu. Oferecia aos 450 passageiros da primeira classe o máximo de requinte de que eram capazes o famoso arquiteto naval italiano Gustavo Pulitzer e os criadores da exclusiva casa Coppede, de Florença, mestres na decoração de navios. Vestíbulo, biblioteca e os dois grandes salões de refeições eram renascentistas; os camarotes, em puro estilo liberty, o que havia de mais moderno na época; na sala para os fumantes, o ambiente mourisco reproduzia o Alcazar de Sevilha; a sala de música impressionava pela escadaria de mármore rosa que lhe dava acesso, a imensa cúpula de cristal e exuberante inspiração nas casas nobres da antiga Pompéia. E ao contrário dos outros transatlânticos, nos quais quem não podia pagar por tudo isso viajava amontoado no porão, os 1 476 passageiros da terceira classe encontravam cabines decentes com um mínimo de espaço e privacidade e – luxo dos luxos – água corrente nos banheiros.

Não é de admirar que o gigante de 173m de comprimento e 22m de largura se tornasse o preferido tanto de ricos e famosos como o cantor Carlos Gardel quanto de levas de imigrantes italianos ansiosos para recomeçar a vida na América. Era, portanto, a escolha lógica de Jules Rimet, quando o visionário presidente da Fifa decidiu lançar-se à aventura de um mundial de futebol do outro lado do oceano em 1930. Mas numa Europa com a economia abalada pelo recente crack da Bolsa de Nova York, a idéia foi recebida como pura insensatez, um investimento milionário sem retorno. Apenas quatro países aceitaram o convite, mesmo assim depois de Rimet quase esgotar sua lábia e diplomacia para convencê-los – a França, por exemplo, só concordou em troca da promessa (não cumprida) de sediar a Copa de 1934. A única exceção foi a Romênia, cujo rei, Carol II, encarou o desafio como uma chance de ouro para aumentar a popularidade que andava em baixa entre os súditos: não só arcou com todos os gastos da seleção como indenizou os patrões pelos três meses em que os operários/craques se dedicariam exclusivamente à bola, pois todos eram amadores e a maioria trabalhava numa empresa de petróleo inglesa.

Na quente e ensolarada sexta-feira 20 de julho, ao som de uma banda de música, os romenos embarcaram em Gênova acompanhados de um coral que ajudaria a fazer a festa na travessia do oceano. E o Conte Verde zarpou para o que seria, segundo Jules Rimet garantiu ao comandante, “uma viagem que faria história”. No dia seguinte, em Villefrance-sur-Mer, subiram a bordo a seleção francesa, três árbitros e o próprio Rimet, levando pelo braço a filha e junto ao peito uma valise da qual nunca se separou – dentro dela, a taça da competição, a Victoire aux ailes d’or (Vitória com asas de ouro), montada sobre um pedestal de lápis-lazuli e pela qual pagara o equivalente a 14.500 dólares, dinheiro suficiente na época para comprar uma frota de automóveis Mercedes-Benz. A seleção da Bélgica esperava pelo transatlântico no porto de Barcelona; eram os últimos passageiros europeus, já que a equipe da Iugoslávia preferiu viajar no navio-correio Florida.

Adaptado para se tornar uma espécie de arena esportiva flutuante, o Conte Verde ofereceu aos atletas o que imaginou indispensável para manterem a forma durante a longa travessia: ginásio, piscina, mesas de pingue-pongue. Mas o que todos queriam mesmo era treinar em turnos no convés com bolas que muitas vezes iam parar no oceano e sempre deixavam o comandante perplexo. O que fica claro em suas anotações no diário de bordo, como esta:

“Pitorescos personagens esses futebolistas. Quem não os conhece poderia confundi-los com alguns de nossos robustos foguistas ou com estivadores. Homens fortes, e nem poderia ser diferente, porque é preciso estar em grande forma para ter coragem de meter a cabeça nessa bola de couro que parece pedra e ainda tem uma costura em relevo.”

A engenhosidade dos atletas também causou forte impressão, especialmente a do atacante francês Lucien Laurent (que, sob uma nevasca, faria o primeiro gol da história das Copas), ao improvisar bolas com boinas recheadas de jornal e papelão picado. Ou a dedicação com que, antes de cada treino, todos engraxavam as botas de couro de cano alto que cobriam os tornozelos.

A tripulação teve uma cota extra de “curiosas criaturas” para observar quando o navio atracou no Rio de Janeiro no dia 29 de junho para o embarque da seleção do Brasil liderada pelo craque Preguinho. De toda a delegação, só o técnico Píndaro de Carvalho e os jogadores Joel e Teóphilo não fizeram a viagem histórica; por motivos pessoais foram para o Uruguai uma semana mais tarde no transatlântico inglês Almanzora. E o que menos aproveitou as mordomias do Conte Verde foi o meia Araken Patusca, não só por embarcar já em Santos, mas porque teria recebido acomodação menos confortável — segundo declarou 36 anos depois ao jornal Gazeta Esportiva, de São Paulo, os jogadores de times aristocráticos como Fluminense e Botafogo foram privilegiados.

No frio 4 de julho, passageiros e tripulantes se despediram no porto de Montevidéu. Nenhum daqueles jogadores pioneiros conheceria o gosto de ser campeão do mundo. Mesmo assim, estava certo o comandante ao escrever: “Tenho a sensação de que esta não é apenas mais uma viagem e que estas linhas em meu diário de bordo serão o testemunho de um fato histórico para o esporte e para a humilde história do SS Conte Verde”.

Mas para a grande estrela da Rota de Ouro e Prata ainda estavam reservados grandes feitos a partir de 1932, quando passou a cruzar mares bem diferentes, agora como parte da frota do Lloyd Triestino, fazendo a linha de maior prestígio da companhia entre Trieste e Xangai (China), via portos de Veneza e Brindisi (Itália), Port Said (Egito), Bombaim (Índia), Colombo (Sri Lanka), Cingapura e Hong Kong.

Depois dos atos de violência nazista na Alemanha e na Áustria em 9 de novembro de 1938 (no que ficou conhecido como “A Noite de Cristal”), estava claro para os judeus que era preciso encontrar uma rota de fuga do Terceiro Reich. Com os vistos para as Américas quase impossíveis de obter, a única esperança era Xangai, que não exigia documentos de entrada aos imigrantes. Até 10 de junho de 1940, dia da declaração de guerra da Itália aos países aliados, o transatlântico muitas vezes superlotado levou milhares de refugiados rumo à liberdade. E para que não se tornasse um navio a serviço dos japoneses quando estes ocuparam o porto de Xangai, a tripulação preferiu afundá-lo. A Marinha do Japão conseguiu, porém, trazer à tona o Conte Verdi. Reformado e rebatizado como Kotobuki Maru (embora o nome original continuasse pintado no casco), foi usado logo após a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial para transportar de volta à casa diplomatas e outros americanos residentes em países agora inimigos.

As seis bombas que o colocaram a pique pela segunda vez em dezembro de 1944 não foram o fim da história. Recuperada novamente do fundo do mar, a carcaça irreconhecível do transatlântico que conduziu Jules Rimet e seu “exército” para a vitória na primeira grande campanha da história do futebol foi devolvida ao Lloyd Triestino, que a vendeu como ferro velho… para uma empresa japonesa.

 

ILUSTRES PASSAGEIROS

Estes eram os atletas a bordo do SS Conte Verde na viagem histórica:

Os brasileiros – Velloso (goleiro), Brilhante, Itália, Zé Luís e Benedito (defesa), Hermógenes, Pamplona, Benevenuto, Ivan Mariz, Fortes, Fausto, Fernando Giudicelli e Oscarino (meio de campo), Poli, Doca, Manuelzinho, Araken, Carvalho Leite, Russinho, Preguinho e Moderato (ataque).

Os franceses –Tassin e Thépot (goleiros), Andoire, Mattler e Capelle (defesa), Chantrel, Delmer, J. Laurent, Pinel e Villaplane (meio de campo), Delfour, Langiller, L. Laurent, Libérati, Maschinot e Veinante (ataque).

Os romenos – Lăpuşneanu e Zauber (goleiros), Bürger, Czako e A. Steiner (defesa), Borbely, Eisenbeisser, R. Steiner, Raffinsky, Robe, Steinbach e Vogl (meio de campo), Barbu, Dezsõ, Glanzmann, Kocsis, Stanciu, Subăşeanu e Wetzer (ataque).

Os belgas – Badjou e de Bie (goleiros), de Deken, Hoydonckx e Nouwens (defesa), Braine, Chantraine, de Clercq e Hellemans (meio de campo), Adams, Delbeke, Diddens, Moeschal, Saeys, Versyp e Voorhoof (ataque).

Os juízes – Thomas Balway (França), Henri Christophe e Jean Langenus (Bélgica).

 

http://www.revistafootball.com.br/EDICOES_ANTERIORES/terceira_edicao/nau_dos_insensatos

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A Seleção Brasileira parte do Rio de Janeiro para a 1ª Copa de Mundo, em 1930,

mas devido a briga entre dirigentes da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), vai desfalcada dos jogadores paulistas incluindo o goleador Arthur Friedenreich, o Fried.

Ao chegar ao Porto de Santos, embarca no navio o jogador Araken Patusca,

que havia se desentendido com o seu clube , o Santos FC, e fura o bloqueio dos dirigentes paulistas.

Enfim a estréia na Copa do Mundo, o uniforme era diferente do atual,

e a Seleção foi de:

Da direita para a esquerda, em pé: Brilhante, Fausto, Hermógenes, Itália, Joel e Fernando; e agachados: Poly, Nilo, Araken, Preguinho e Teófilo.

De outro ângulo.

Momentos antes da partida , o trio de arbitragem e os capitães do Brasil (Preguinho) e da Iugoslávia.

O atacante Preguinho foi também o responsável pelo primeiro brasileiro na Copa do Mundo,

se chamava João Coelho Neto, e era filho do escritor Coelho Neto; foi também um atleta versátil, ganhando títulos em diversos esportes como: natação, remo, volei entre outros.

 

Nessa Copa não deu, mas nessa já ganhamos, pelo menos fora de campo.

 

 

 

 

Redação

6 Comentários

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  1. Obrigada Alfeu

    Sempre gosto dos assuntos que você escolhe. É a primeira vez que sei algo sobre essa Copa de 1930. Chamou minha atenção o fato de só ter um (ou dois?) jogador(es) negro(s). Parece que nessa época, o futebol ainda era um esporte da elite branca, não é? Também não sei se é verdade, mas ouvi falar que o Uruguai venceu com certa facilidade porque vários países europeus não quizeram vir até a América do Sul por medo da violência do futebol latino-americano ou simplesmente porque era muito longe. Você sabe alguma coisa a respeito? Parabéns pela escolha do tema e pela pesquisa.

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