A PEC-241 e o fim do crescimento econômico, por Roberto Requião

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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A PEC-241 e o fim do crescimento econômico

por Roberto Requião

A Proposta de Emenda Constitucional 241, que se tornou conhecida nacionalmente como a PEC-241, reflete o absoluto distanciamento da tecnocracia neoliberal que decidiu impô-la ao Congresso Nacional, e em particular ao Senado da República, da realidade crua da cidadania brasileira. Não falo apenas de números. Falo de conceitos. Quem propôs essa PEC não tem a mais elementar ideia do que seja o relacionamento fundamentalmente articulado entre orçamento público e o conjunto da economia. Em uma palavra, entre o gasto público e o crescimento da economia.

Na realidade, recorrendo a uma metáfora realista, o orçamento público é como o coração no corpo humano: dele saem as energias centrais que põem todos os órgãos e membros em movimento.  Impedir o coração de injetar permanentemente sangue novo no corpo é condenar o corpo a ser consumido aos poucos pela gangrena. Isso está acima de ideologias. São fatos. Seja estado máximo ou estado mínimo, é o estado, através do orçamento, o único agente, por exemplo, que, numa recessão, pode fazer aumentar a demanda efetiva e o investimento, inclusive privado.

Sabemos disso pela economia keynesiana. Foi sob inspiração de Keynes que os países ocidentais viveram o que se consagrou como a Idade de Ouro do capitalismo no pós-guerra. Nela o estado, através do orçamento, desempenhou papel da mais absoluta centralidade. Em alguns países, como os do norte europeu, de elevadíssima condição de bem-estar social, o orçamento público – ou seja, os impostos – alcançou mais de 60% do PIB, ou seja, praticamente o dobro daquilo que a Fiesp reclama como excesso. A partir dos anos 80, regrediu na Europa o papel do Estado e prosperou a especulação financeira estéril.

A PEC-241 traz evidentes ameaças ao custeio de funções essenciais do Estado, mas, do ponto de vista econômico, ela consegue ser ainda mais prejudicial. Os investimentos públicos serão virtualmente extintos no plano federal. Com eles, suas articulações estaduais e municipais sofrerão consequências inevitáveis. Quando o estado elimina, por exemplo, o aumento do investimento em construção habitacional ele está congelando imediatamente parte ou todo o investimento em materiais de construção, de cimento, madeira, móveis a tijolo, nos estados federados e nos municípios.

Espanta-me, senhoras e senhores senadores, que uma iniciativa de caráter tão grotesco possa ser trazida para discussão no Senado Federal em plena depressão econômica, a maior da história da República. Esqueçamos por um momento o interesse público mais geral. Falemos dos interesses das populações dos estados federados, ou dos municípios. Aqui neste plenário há muitos senadores e senadoras que aspiram, legitimamente, governar os seus estados. Ai deles. Se a PEC-241 passar não governarão a não ser um espólio endividado e condenado à estagnação.

Não creio, sinceramente, que haja uma inteligência coerente por trás desta e de outras iniciativas do governo relacionadas com os estados federados. A renegociação das dívidas nos termos propostos é uma farsa. Falarei sobre ela oportunamente. Também é uma farsa o projeto de privatização da parte já negociada da dívida ativa dos estados, na medida em que estimula o deságio sobre supostos ganhos atuais e subtrai impostos certos que seriam recolhidos, sem deságio, por administrações futuras. Mais uma vez, jogando o presente contra o futuro.

Não entendo a lógica dessas e de outras propostas. Na verdade, elas assinalam a ausência de plano, de estratégia e definição de objetivos coerentes pelo governo. Numa palavra, com o impeachment, saímos de um governo fraco para governo nenhum, ou para um governo desarranjado e mutilado. Aparentemente, o único objetivo deste governo é se manter no poder, a qualquer custo. E mesmo isso é uma dúvida, na medida em que há claras fissuras nos partidos que haviam se comprometido a lhe dar sustentação. Alguns claramente estão dando sinais de cansaço, exceto na Câmara de Eduardo Cunha.

Peço às senhoras  e senhores senadores que reflitam detidamente sobre a PEC-241. Ela não serve para o Brasil. Consultem especialistas independentes, cidadãos imparciais, pessoas comprometidas realmente com os interesses nacionais. Todos lhes dirão que ela não serve para o Brasil e para nenhum outro país no mundo, em especial países em desenvolvimento, que precisam desesperadamente de investimentos públicos. Os que propuseram essa PEC-241 ao Executivo, fazendo com que ela fosse aprovada na Câmara, não tem compromissos com o Brasil. O Senado, numa plataforma suprapartidária, deve dizer isso à Nação.

[1] Roberto Requião é Senador da República no segundo mandato. Foi governador do Paraná por três mandatos, prefeito de Curitiba e deputado estadual. É graduado em direito e jornalismo com pós-graduação em urbanismo e comunicação.  

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Vale o alerta !

    Num ambiente de velório instalado na minha pátria amada onde os cavaleiros do apocalipse se apossaram das vozes públicas e instituições do poder tenho que louvar Requião, e sua vóz discrepante deste marasmo que nos condena a trevas .A desumana Pec-241 inventada “temerosamente” como reedição de um plano collor, último recurso de quem se apoderou da nação sem nenhum propósito a não ser receber algum valor pessoal é uma clara aposta para o imobilismo, impossível de se tolerar numa sociedade que almeje crescer, melhorar sua distribuição de riqueza e fazer sentido para seus recursos naturais. Fora temer.

  2. Aparentemente o fim do

    Aparentemente o fim do crescimento econômico parece que deu-se nas mãos de Dilma Roussef. Talvez naquela época em que os automóveis importados, especialmente os chineses, estavam bem mais em conta que os montados por aqui. Naquela ocasião, Dilma fechou os portos para os orientais, sobretaxando os importados e largando o dolar lá pra cima. E, tirando alguma coisinha realizada em função da copa do mundo, freou o andamento de obras de infra estrutura voltadas para o povão brasileiro. Daí pra frente, foi um governo que caminhou dirigido por e para os intereses dos adversários, atendendo-os prioritáriamente, batendo a porta na cara de seus eleitores. Hoje, apenas estão jogando as pas de cal, felizes da vida.  

    1. Sexo dos anjos…..

      Se não me engano a Dilma não é mais Presidente……….o artigo trata do presente governo, quer comentar, comente o artigo…..se não, podemos falar do tempo, preço da batata ou do sexo dos anjos….

  3. Reserva Política.

    A metáfora de Requião nos faz compreender com muita clareza o verdadeiro papel do Estado na economia.

    Aqueles que dizem que as finanças do Estado devem se comportar como as de uma família não conhecem um centavo de economia.

    Não entendo porque Requião não consegue uma projeção maior no cenário político brasileiro.

    O protagonismo combativo dele, porém, pragmático, objetivo, realista, alinhado com os interesses nacionais e populares, sempre respeitando o processo democrático, já mereceria uma atenção maior dos brasileiros.

  4. Taxação das grandes fortunas

    Em vez de congelar os investimentos públicos, o governo deveria tratar de aumentar tais investimentos através da taxação das grandes fortunas.

    Mas a corda só arrebenta do lado mais fraco.

    1. Se é assim, então…

      Se é assim, esntão, você acredita que o dinheiro dos ricos está todo debaixo do colchão, pronto para ser confiscado e transformado em obras, escolas, hospitais, estradas, etc. né?

      O dinheiro dos ricos está aplicado de mil maneiras, e quem confiscar esse dinheiro joga na pobreza todos aqueles que dependem direta ou indiretamente da forma como esse dinheiro está aplicado. Você acredita mesmo que ajuda o país tirando os recursos das mãos de quem sabe empreende para colocá-lo nas mãos de quem só sabe dar empregos a parentes e contratar empresas de compadres?

  5. A PEC-241 e o fim do crescimento econômico

    Em teoria a economia avança se houverem recursos aplicados, sejam eles públicos ou privados.

    Na realidade, sabe-se que o capital é temeroso. Só investe se tem certeza de retorno.

    Factualmente a tese central de Requião está certa.

    Entretanto discordo quanto à avaliação do “pensamento” – se é que existe – econômico da “equipe” do usurpador.

    O objetivo claro por trás do discurso “equilíbrio das contas públicas” é a redução do país e o favorecimento dos endinheirados que nada fazem, meros donos de galpões, uns físicos outros em recursos não produtivos.

    Mandaletes que são dos interesses estrangeiros não aceitam o Brasil grande, forte e independente. Como habitam o fundo do quintal sentem-se bem com as migalhas recebidas.

    O país que se dane.

    O povo tem mais é que trabalhar e esquecer direitos sociais e salários dignos.

    Êsse é o cerne da questão.

    O resto é jogo de cena para enganar os incautos.

    Deveriam todos ser julgados como o que realmente são: traidores da pátria uns, corruptos a maioria.

    Só mesmo com muita convicção morista para não “ver” isso.

     

    1. a pec….

      As elites de centro esquerda que não evoluem e não buscam um caminho, entregando o país a um novo ciclo de neoliberalismo, o que esperar? A Argentina e o México estão aí para projetarmos um futuro. É possível ser mais obscuro?

  6. Sou contra a PEC 241 mas o Requião pisa na bola

    Eu sou contra a PEC 241, mas a Idade de Ouro do capitalismo no pós-guerra se deveu ao imperialismo, que, ao tomar os recursos dos países do terceiro mundo, os condenou à miséria. Sem o imperialismo, as populações da Europa, da América do Norte e do Japão não viveriam tão nababescamente e as populações dos países do terceiro mundo não viveriam tão miseravelmente.

    Não viaja, Requião

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