A simplificação característica de um panfleto num trabalho que pretende ser científico.

 

Por mais que Márcia Tiburi seja adorada por determinados setores da esquerda, pelo seu livro “‘Como conversar com um fascista”, que pretende ser um libelo contra o fascismo, ao meu juízo, acho que as simplificações, mistificações e erros diversos são um mais um desserviço a causa antifascista do que uma contribuição.

Li também alguns artigos de Márcia Tiburi e neles vejo insistentemente os mesmos erros que servem mais para atrapalhar a luta antifascista do que auxilia-la, principalmente porque para lutarmos contra o inimigo temos que ter uma visão clara e correta do mesmo.

Para mim o pior erro da autora é confundir por completo o que chamo a Ideologia Fascista, e o Comportamento Fascista.

A Ideologia Fascista é uma ideologia política que é assente a alguns pressupostos básicos, sendo uma das últimas saídas da burguesia contra o socialismo, quando este atinge grau de mobilização que põe em risco a sociedade burguesa.

Ideologia Fascista não nega a existência da luta de classes, porém nega a capacidade transformadora da mesma e pretende que o Estado a intermedeie levando resultando na farsa do socialismo fascista. Além disto, temos como características da ideologia fascista o nacionalismo, o poder de um partido único, a destruição do Estado substituído pela presença do líder (ou seja, bem mais longe do que o culto a personalidade, vide Behemoth: estrutura e prática do nacional socialismo de Franz L. Neumann), a farsa do discurso antiliberal que é substituído pela presença necessária do grande capital no Estado Fascista, o apoio de setores proletários camponeses no empoderamento do estado fascista (e não somente de um proletariado lupem) e por fim o militarismo.

Parte destes pressupostos, como o apoio de parte do proletariado e camponeses e uma farsa de ideologia socialista, são ignorados mais por questões de militância política dos acadêmicos de esquerda do que na realidade das propostas no fascismo, pois em muitos pontos tomados isoladamente se aproximam de distorções do marxismo. Acho importante a colocação correta de todos os pressupostos de um fascismo histórico clássico, pois desvios disto tornam as análises corretas impossíveis, e esquece o básico na contraposição do marxismo ao fascismo o poder transformador da luta de classes.

Confundir a Ideologia Fascista com o Comportamento Fascista que certamente será derivado deste cesto de pressupostos é mais um recurso operacional simples, minimalista e infantil, mais úteis para discursos de propaganda antifascista do que fazer uma análise completa do desenvolvimento do fascismo numa sociedade.

Fatalmente estados fascistas caem no comportamento fascista, entretanto o inverso não é verdadeiro, ou seja, comportamentos fascistas não resultam necessariamente em regimes fascistas, não há uma relação biunívoca.

A classificação do Comportamento Fascista dada pelo grau de intolerância na sociedade e violência do Estado e da própria sociedade, pode, por exemplo, levar ao absurdo de identificar sociedades fascistas em economias pré-industriais!

No texto de Marcia Tiburi, “De novo o fascismo: Um ano após ‘Como conversar com um fascista’” é colocado um parágrafo muito revelador:

O fascismo, hoje, adquiriu status de elemento de integração social e se baseia não só na solidariedade afetiva daqueles que negam o outro, baseados em preconceitos, e negam também o conhecimento, num gesto de ódio anti-intelectualista, como também na integração das estruturas mentais. Grupos inteiros partilham estruturas cognitivas e avaliativas que fornecem uma estranha sustentação para o comportamento e a ação. Uma visão de mundo baseada em características tais como a crença no uso da força em detrimento do conhecimento e do diálogo, o ódio à inteligência e à diversidade cultural, a preocupação com a sexualidade alheia, e muitas outras, autoriza à barbárie na micrologia do cotidiano.

Na última e reveladora frase, a autora cai exatamente na falácia de tomar o fascismo pela descrição de uma sociedade autoritária, uma sociedade que é encontrada com muito maior facilidade numa região dominada pela intolerância religiosa do que uma sociedade ideologicamente fascista, o DAESH está aí para confirmar a observação. Talvez a autora caia na besteira de classificar o Estado Islâmico como um estado fascista !!!

Nos textos da autora nada é posto sobre a organização econômica da sociedade, de estrutura de governo, de ideologia de classes, de militarismo e mais outros componentes são contemplados, reduz a um mero discurso de comportamento ético e social, que numa sociedade atrasada seria mais fácil de encontrada do que uma ideologia política.

Sinto muito, mas ao meu modo de ver há uma seríssima confusão extremamente perigosa para quem quer e deseja combater o fascismo pois se coloca no mesmo plano sociedades religiosas atrasadas e intolerantes a sociedades fascistas. Há um verdadeiro reducionismo teórico sem contar a total e completa falta de análise dialética da origem do fascismo.

Conforme o texto parece que Mussolini acordou um dia de uma péssima noite e resolveu:

– Hoje vou inventar o fascismo para incomodar as pessoas que querem viver a vida mais livre!

Todo o processo dialético iniciado desde 1909 pelo poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti no seu Manifesto Futurista parece não existir. Toda a luta dos comunistas e socialistas italianos contra os fascistas foi substituída por atos de intolerância a uma passeata de mulheres pelo aborto ou de grupos LGBT.

Inclusive colocar a intolerância a homossexualidade uma característica da Ideologia Fascista como é posto em todo o trabalho de Márcia Tiburi é uma verdadeira falsificação histórica. Lembre-se que o maior amigo de Hitler, Ernst Röhm, que era o único que o chamava de Adolf no lugar de Hitler e empregava o du (do alemão o tu ) quando falava com o Füher, era reconhecidamente e notoriamente homossexual. Este homem com a sua SA e seus três milhões de militantes fardados, armados e disciplinados por foram quem colocaram literalmente Hitler no poder (uma parte significativa da chefia da SA era homossexual). Ernst Röhm foi morto por Hitler não por sua homossexualidade, mas sim por sua vontade de fazer o que ele chamava a segunda revolução que desagradava à oligarquia capitalista alemã.

No quinto parágrafo do mesmo texto citado é colocada uma frase completamente estereotipada que serve mais para classificar a ignorante oligarquia brasileira do que líderes fascistas:

Note-se que a retórica fascista é vazia, não apresenta ideias ou argumentos, mostra-se alheia a qualquer limite ou reflexão. Ao contrário, os ideólogos fascistas (parlamentares, juízes, jornalistas) se caracterizam por falarem por clichês…..

Esta frase é uma joia do desconhecimento das qualidades dos líderes fascistas. É um desconhecimento que o próprio Duce, antes de se tornar fascista e Duce, foi editor de vários jornais do Partido Socialista Italiano, e que nestes publicou diversos trabalhos. E não sei até que ponto a autora conhece tanto os escritos de Mussolini ou os discursos de Hitler para classifica-los de clichês?

Os erros e as omissões são tantos que tomo a liberdade de classificar os artigos Márcia Tiburi como verdadeiros panfletos de propaganda e não algo que possa servir a uma análise correta para quem queira lutar contra o fascismo ou contra o conservadorismo nas suas mais diversas formas.

Redação

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