A vestibulanda e a ‘dor que desatina sem doer’ de Camões

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Sugestão de Assis Ribeiro

Do Bahia Atual

O problema de Camões era falta de mulher

Por Antônio Torres

Numa prova do vestibular da Universidade da Bahia, foi exigido dos candidatos a interpretação destes versos de Camões:

Amor é fogo que arde sem se ver,

é ferida que dói e não se sente,

é um contentamento descontente,

dor que desatina sem doer.

 

Uma vestibulanda de 16 anos interpretou-os assim:

Ah! Camões,

se vivesses hoje em dia,

tomavas uns antipiréticos,

uns quantos analgésicos

e Prozac para a depressão.

Compravas um computador,

consultavas a Internet

e descobririas que as dores que sentias,

esses calores que te abrasavam,

essas mudanças de humor repentinas,

esses desatinos sem nexo,

não eram feridas de amor,

mas somente falta de sexo.

 

A menina baiana ganhou nota 10. Comentário: foi a primeira vez que, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era falta de mulher. E o caso, se verdadeiro (há versões de que teria acontecido em Portugal), serve para livrar a cara dos vestibulandos, só lembrados pelas suas provas lamentáveis, que invariavelmente se tornam motivos de chacota. E também da Bahia. Afinal, nem tudo lá é trio elétrico e gente pulando na rua, nos 365 dias do ano.

 

Mais notícias da Boa Terra, enviadas pelo contista Aramis Ribeiro Costa. Estas vêm a propósito de erros de imprensa que deixaram cronistas locais em situação desconfortável. O primeiro saiu na coluna do seu tio Adroaldo Ribeiro Costa, que escrevia diariamente em A Tarde. Um dia, querendo homenagear alguém, iniciou sua crônica assim: “Fulano de tal, com toda a sua bagagem literária…” A revisão cochilou e bagagem virou bobagem. Imagine o constrangimento. Toda uma reputação destruída numa simples troca de letras.

Outro, ao referir-se a um amigo que estivera hospitalizado, informou a seus leitores que ele havia deixado o hospital “apoiado em duas muletas”. Saiu mulatas. Esse aí deve ter sido motivo de felicitações.

Agora passemos a uma história que começou com a intenção de fazer rir e teve uma continuação que por pouco não resultou em tragédia: a das charges de Maomé publicadas por jornais europeus, estopim de mais uma crise Oriente-Ocidente, com repercussão na imprensa brasileira, por muitos dias.

Em artigo publicado no Jornal do Brasil, Ziraldo lembrou dois momentos em que o humor resvalou em drama, neste lado do paraíso. O mais conhecido deles foi a publicação de A História da Criação do Mundo, do sempre brilhante Millôr Fernandes, na revista O Cruzeiro, que gerou protestos da ala mais conservadora da Igreja, levando-o a ser demitido e execrado publicamente, pelo seu empregador.

O segundo aconteceu com um cartunista paulista chamado Octávio. Ziraldo, porém, se enganou quanto ao jornal em que ele trabalhava. Não era a Folha de S. Paulo, e sim a Última Hora.

Octávio Câmara de Oliveira era gerente de banco diurno e chargista noturno. Certa vez, o time do Santos, em peso, recorreu a Nossa Senhora Aparecida, para pedir ajuda no campeonato. A matéria da UH sobre a proteção divina, pedida pelos santistas, teve como ilustração uma charge dele, na qual a santa – cuja imagem é negra -, aparecia com o rosto de Pelé. Deu passeata, com grande estardalhaço da concorrência, sobretudo de O Estado de S. Paulo.  Quase que a UH afundava. E o Octávio só não acabou no inferno porque beijou o anel do arcebispo, para conter-lhe a ira, mas não achando a menor graça em ser chamado de sacrílego, pelo irado povo de Deus.

Brincar com Maomé, porém, é ainda mais grave, pelo que se tem visto.

Antônio Torres

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

17 Comentários

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  1. Xará

    Dezesseis anos apenas ? Essa menina vai longe ! Articulada, bom humor, rápida no gatilho. Sacaneou meu genial xará lusitano, mas como vamos saber a origem das dores inspiradoras do poeta português ? Ela deu sua versão afro-luso-indígena-brasileira. Gostei.

  2. Leu, mas não entendeu

    O texto da moça é bonitinho, mas ordinário. Osoneto do bardo não tem uma única palavra de primeira pessoa , não sendo, assim, uma confissão subjetiva, mas uma reflexão sobre o amor que tenta chegar a uma conclusão geral sobre ele. Além disso, ela confundiu o eu-lírico com a pessoa do autor. Se alguém fizer uma “redação” como essa no Enem, que não aceita outro gênero textual que a dissertação, vai ver o que é bom pra tosse.

    1. Camões e comentário infeliz

      Como alguem que não entendeu nada pode ainda critcicar uma menina de 16 anos que entendeu tudo e fez um texto foi brilhante. Vale mais que um simples 10.

      1. Rapaz, desconfio que você

        Rapaz, desconfio que você nunca leu o soneto de que estamos falando, muito menos as dezenas de outros que sugerem que nunca faltou mulher para Camões. Você já ouviu falar em Dinamene? Desconfio também que você não sabe que todo texto tem um contexto e, por isso, redação dissertativa de vestibular não é lugar para poema ou gracinhas. Para a moça, eu daria 1; a sua nota é bem mais redonda.

    2. Quem nao entendeu nada foi

      Quem nao entendeu nada foi vc. Interepretação é livre, viu?! Devia frequentar um cursinho ou mesmo voltar para uma escola, ler em casa, enfim, algo que te dê o mínimo de discernimento sobre literatura e análise de discurso antes de criticar alguém mais inteligente que você.

  3. Camões

    ahahah Pois é, “BAIANO BURRO NASCE MORTO”.

    A garota matou a pau, foi maravilhosa.

    E convenhamos….Camões não conheceu “caminhas”, muito menos “camões”. 😛

  4. Imaginem a perplexidade e a

    Imaginem a perplexidade e a alegria da comissão examinadora, que após corrigir centenas de provas com as mesmas justificativas maçantes ensinadas e “fixadas” por cursinhos, se depara com tamanha presença de espírito e coragem. Sim, coragem, pois isso vai contra tudo que é ensinado pela escola padronizada.

    Para não perder a deixa: Se os examinadores fossem redatores de Veja, teria levado um zero!

  5. Com certeza a prova merecia

    Com certeza a prova merecia dez estrelado. 

    Quanto a Camões, pelo visto era uma grand epoeta, mas feio demais. Será que essa ausência de beleza não foi a responsável pelo afastamento das mulheres? Coitchado!

    1. Que bobagem !
      Camões foi um

      Que bobagem !

      Camões foi um dos maiores aventureiros que já pisaram nessa terra. Tanto é que o maior aventureiro do mundo, o genial inglês Richard Francis Burton o tinha como grande ídolo. E, sabendo-se o que Burton aprontou na Índia séculos depois, pode ter certeza que Camões se divertiu muito com as indianas.  O pá!

  6. Desconfio….

    A FUVEST proíbe redação em forma de versos. Teria recebido zero pois deve-se fazer uma dissertação. A Internet é repleta de redações com erros feitas por quem quer zoar com a falta de conhecimentos dos jovens. Alguém prova que a fonte foi o vestibular da Universidade da Bahia? Seria o mesmo que Universidade Federal da Bahia? 

  7. autoria…

    Esse texto circula atribuído a várias “vestibulandas” ou estudantes. Da Bahia, da USP, da Universidade de Santa Catarina, etc… Circula tb em Portugal desde 2005 (acho) atribuído a estudantes dos Açores ou da Rinchoa. 

    Experimente digitar “desatinos sem nexo” e veja a variedade de supostos autores, com idades variando entre 15 e 19 anos.

    “Mas”…. tenho praticamente certeza de ter lido em revista nacional, assinado por algum dos 2 grandes literatos/humoristas/críticos de costumes — Millor ou Verissimo. 

     

     

  8. Nota 10

    Fiz hoje um poema para derrubar essa tese,
    tanto da aluna, quanto de quem a avaliou com nota 10.

    Poesia é pra quem conhece de sentimentos diversos,
    todos estes, transformados em versos.

    E não é, como diz o Kiko, amigo do chaves, pra qualquer “genitália”,
    que não sabe usar a cabeça, sim apenas a genitália.

    Na próxima prova, saibam cobrar e dar a avaliações,
    respeitando todos escritores e poetas, incluindo Camões.

    18/02/2019

    Antônio de Pádua Elias de Sousa
    Formiga-MG

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