Carta a um criminoso

Republicando alguns dos meus textos antigos. Este aqui foi publicado em 19/01 pelo Portal D24am. Mas diante da onda de violência em Manaus, ainda está bem atual.

 

Sr. Cidadão manauara criminoso

Comprar uma bicicleta, uma casa, se formar em algo, envelhecer, ter um amor pra vida toda, ter filhos, ser alguma coisa na vida. Por menor que  seja, todos temos um sonho, um objetivo. Você, caro assaltante, assassino, sequestrador, traficante, estuprador e delinquente juvenil, também devem ter os seus. E não imagino que seja destruir Manaus, elevando-a à categoria de Gothan City. Não mesmo!

Sei de alguns argumentos que você colocaria numa mesa de negociação, para justificar toda esta super produção dirigida e estrelada pelos senhor e seus pares nos últimos anos. Você vai dizer que mora mal, que sua família(Sim! sei que você tem família) passa necessidades, que seus filhos não tem escolas adequadas, que os postos de saúde e hospitais não tem atendimento suficiente e quando tem muitas das vezes é precário, seus avós não descansam em suas redes e sim perambulam em filas, os ônibus estão caindo aos pedaços, vivem lotados e bem mais caros, os empregos no PIM estão cada vez mais escassos (apesar dos recordes de lucro das empresas), que você não tem água potável em casa, seus esgotos estão a céu aberto… Enfim, motivos não faltam para se revoltar e começar a agir como está agindo hoje.

Mas não deve ser por aí o caminho. Não! Não quero lhe dar lição de moral. Antes disso, queria lhe fazer algumas perguntas para lhe forçar à reflexão:

Você se lembram de quando:

  • Só tínhamos duas galeras em Manaus, Selvagem e Anjos? Claro que elas tinham filiais em vários bairros, mas a “parada” delas era entre elas. O “pau” comia só lá no Sheike Club e no Bancrévea. Era até engraçado. Diz se não?
  • Podíamos voltar a pé de madrugada pra casa, pois perdemos o último ônibus e o “corujão” não era certeza de passar?
  • Você podia andar com sua carteira/bolsa sem muita preocupação, inclusive no centro da cidade?
  • Os bairros São José, Jorge Teixeira, Zumbi e adjacências não eram conhecidos como Zona Leste? Eram só outros bairros. Longe, mas só mais outros bairros.
  • Domingo era dia de Ponta Negra? Os ônibus eram lotados da mesma forma, mas a farofada corria solta lá por trás do Tropical.
  • Vinha um parente de outro estado e quando voltava, sempre levava: sombrinhas, chicletes de bola de cartela, robô de brinquedo, etc, muitos comprados no Sucatão?
  • Shopping era o Cecomiz e o Playcenter ficava na frente do Benjamim?
  • Cinemas eram só os do centro (tio Marinho)?
  • Batíamos no peito com orgulho de dizer que nossa educação era uma das melhores do país?
  • As indústrias da ZFM bombavam e tínhamos vários membros da família na CCE, EVADIN, PHILCO, GRADIENTE, SHARP, SANYO, entre outras?
  • Muita gente começou a vir pra Manaus, vindos de outros estados ou do interior, em busca do sonho Amazonense?
  • Já mais recentemente, postos de gasolina eram point? Claro que não era permitido beber e música alta, mas todos faziam e depois iam pra outra farra. E não pra uma delegacia fazer BO de arrastão.
  • Bermuda colorida + havaianas brancas + abadá/tururi era só modo estranho de se vestir com um ingresso de festa, após a festa.
  • E outras e outras coisas que faziam de nossa cidade, um paraíso infernal (de calor)?

Muita coisa mudou, o “progresso” chegou. Muita coisa piorou. Quantos anos faz que isso vem mudando? 10, 20, 30 anos? Você devem saber a resposta tanto quanto eu. Acontece que apesar nós, amazonenses, sermos os culpados por muitas dessas mudanças… O que?! Você não concorda?! Isso foi em grande parte gerado pelos nossos governantes, mas nós os colocamos para nos governar. A culpa é nossa sim! E isso virou um ciclo vicioso. Começamos a ruir por que não votamos bem e não votamos bem por que desacreditamos em quem sempre colocamos lá. E partimos para a margem como uma fuga e uma solução para nossos problemas.

Mas voltemos aos nosso sonhos! A Manaus de hoje fatalmente não estava nos seus sonhos, nem nos meus. Eu ainda tenho vontade de ver minhas filhas criadas numa cidade de tranquila e em paz, onde mesmo com a super população, ainda persistam os campinhos de futebol, algumas quadras de basquete, praças com brinquedos, cinemas, voltar a brincar de bola, de peteca, de cangapé, de bicicleta, de skate, de patins, etc.

A continuarmos nessa velocidade, sr. transgressor da lei, da paz, da ordem e dos bons costumes, nem eu nem você e seus ajudantes, nem ninguém, terá sonhos envolvendo Manaus. Vocês estão consumindo seu próprio meio de subsistência. Não é “jogo”, para o parasita, matar seu hospedeiro, pois ele morre também. Já se tocou disso?

Por muito tempo tentou-se falar aos responsáveis pela segurança da população. Ouviu-se de tudo: promessas de campanha, ronda disso, ronda daquilo, desculpas esfarrapadas, desconhecimento de causa, má vontade, BOA vontade porém sem ação prática nenhuma. Enfim, há anos estamos acompanhando a evolução da nossa insegurança pública. Só nos restou esta tentativa de negociar direto com você. Como não sei onde o sr mora, apesar sabermos quem o sr. é, pois seu rosto está todos os dias nas câmeras do CIOPS e nos jornais, decidi lhe escrever e publicar na Internet onde sei que o sr tem acesso.

Não peço aqui que você deixe de existir. Não existe cidade sem violência, isso é utopia. Peço-lhe, apenas, encarecidamente que não se apresse em destruir nossa cidade e até, se possível, que não o faça. Nos ajudem que nós o ajudaremos e assim vamos coexistindo pacificamente.

Somos brejeiros e provincianos para muitas coisas inúteis, mas para violência e desordem, queremos ser metrópole? Isso tá errado!

Atenciosamente,

 

Um Cidadão Manauara, como você. Só que com medo.

Redação

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